quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Buenos Aires e o tango

Buenos Aires é certamente uma das cidades estrangeiras mais visitadas por brasileiros. Nós mesmos já havíamos estado lá antes, assim que voltar a visitá-la, agora, foi mais um reencontro que um grande ineditismo. Não importa; o centro, San Telmo, a Recoleta, La Boca, sempre valem a pena.
O fato é que os reencontros permitem que a gente repare no que havia passado despercebido na primeira ocasião. Os olhos e a mente trabalham num ritmo diferente. Num compasso de dois por quatro. Ou seja, tango.
O tango não é exclusividade argentina mas, aparentemente, nenhuma outra cidade tem tanto a cara de um tango quanto Buenos Aires. E, da mesma forma, nenhum outro estilo musical tem tanto a cara de Buenos Aires. Senão, vejamos. Um estilo multifacetado: é música, é canção, é dança. De origem humilde, mas aparência aristocrática (e capaz de unir classes sociais). É um clássico: antigo, sim, mas nunca antiquado. E suscita paixões ardentes, para o bem e para o mal.
O tango é orgulhoso. Nasceu pobre, nos arrabaldes de Buenos Aires e de Montevidéu; fez sucesso em Paris, depois em Hollywood; e hoje ostenta um olhar altivo e um figurino emblemático, do chapéu escuro aos sapatos de couro. Mas também dispensa qualquer figurino quando surge numa milonga, numa esquina ou na praça de um shopping. Como a alma argentina, que não esmorece diante de políticas fracassadas e crises econômicas e segue adiante, embalada pela arquitetura imponente dos prédios antigos (mas não antiquados) da capital portenha. Há alguns anos, em minha primeira passagem por Buenos Aires, encontrei inúmeras pechinchas de CDs nas lojas de música. A economia do país não passava por um bom momento e, como uma das consequências, todas as maiores vozes do universo latinoamericano e mundial eram oferecidas quase de graça. Todas, exceto as que cantavam tango: o ritmo nacional não entrava em promoção, ninguém rebaixava a voz de Gardel. O tango era a derradeira resistência na montanha-russa da economia argentina.
Foto: Renata TeixeiraSe alguém quiser uma discussão acalorada, basta ir a Buenos Aires e sustentar, diante de um apreciador de tango, que Carlos Gardel era uruguaio. Pode ou não ser verdade e, por irrelevante que pareça, a controvérsia tenderá a ser tão acalorada quanto uma disputa entre River e Boca. Parece que, em Buenos Aires, as maiores paixões começam ou terminam em tango ou futebol.
Fomos ao Abasto, região tanguera de Buenos Aires. Lá, entre outras coisas, está o Museo Casa Carlos Gardel, onde viveu o célebre cantor. É um espaço relativamente pequeno, simples, mas que vale a visita. Gardel personificou o tango e sua trajetória foi espetacular, do nascimento misterioso à morte trágica. O tango nem sempre é fácil (ao contrário do que Al Pacino nos quis fazer acreditar) e pode ser brilhante, mas também triste. Como um quê de Buenos Aires.

sábado, 7 de novembro de 2015

Histórias da neve

Eduardo TrindadeEnquanto, no Brasil, já estamos sob horário de verão e nos preparamos para o calor, o inverno se aproxima no Hemisfério Norte. Um inverno completamente diferente daquele a que estamos acostumados.
Para começar, não estamos preparados para lidar com o frio rigoroso. Quase não temos sistemas de aquecimento nos ambientes. Na maior parte do país, sequer temos roupas apropriadas. E, sobretudo, não temos a prática de conviver com baixas temperaturas.
Em compensação, temos uma curiosidade natural por conhecer neve. Morando em Porto Alegre, vi nevar sobre minha cidade em duas ocasiões num espaço de pelo menos dez anos. Em ambas, foram apenas flocos tímidos, que em nada lembravam os filmes que vemos no cinema, mas tecnicamente era neve. Anos depois, num mês de fevereiro, estive em Londres e fui surpreendido por uma neve fina, ainda insuficiente para formar montanhas brancas, mas bastante para fascinar um brasileiro como eu.
Eduardo TrindadeMais tarde, noutra viagem, tive a chance de ver neve abundante. Telhados e ruas cobertos por mantos brancos e fofos. Sem distinguir o meio-fio, sem ver onde termina o asfalto e onde começa a calçada, caminhar (sobretudo transportando malas) era um desafio trabalhoso, apenas recompensado pela vista deslumbrante de montanhas brancas, lagos e rios congelados.
Claro que, apenas via oportunidade, eu não resistia à tentação de brincar como criança, afundando os pés na neve fofa e (até então) imaculada. Na primeira ocasião, moldei um boneco de neve e o batizei de Josip - nome balcânico por excelência, já que eu estava na Croácia. Depois, ao seguir viagem, tive pena ao abandonar meu novo amigo, mas me consolei pensando que Josip se adaptaria melhor que eu àquele clima frio.
foto: Renata TeixeiraEm Helsinque, vi o mar congelado pela primeira vez, e fiquei genuinamente espantado. No mesmo dia, andei por mais caminhos nevados. Naquele ambiente, a Renata e eu nos municiávamos de bolas de neve e as jogávamos um no outro, brincando como crianças. Lá pelas tantas, apareceu um menino que também brincava de guerra de bolas de neve; na minha empolgação, resolvi desafiá-lo. Oh, céus! O guri era ágil, sofri uma derrota avassaladora! Eu, legítimo Napoleão entre os russos, tive dificuldade em negociar um armistício, mas aprendi com meu pequeno oponente que a experiência na neve é algo que se conquista aos poucos. Um brasileiro como eu não poderia impunemente medir forças com um finlandês.
Dias depois, tínhamos ido a Estocolmo, onde a neve era apenas um pouco menos abundante, e caminhávamos pela cidade. Em certo ponto, resolvemos descer um longo lance de escada a céu aberto para alcançar nosso destino. A escada estava inteiramente coberta de branco, quase soterrada, e só fomos por ela porque a alternativa envolvia um longo desvio por um caminho que nem sequer sabíamos onde passaria. Os degraus, cheios de neve, eram traiçoeiros e escorregadios. Agarramo-nos ao corrimão, mas esse mal acompanhava os primeiros metros e logo sumia, deixando-nos entregues à nossa própria desenvoltura (perspectiva nada animadora, dada a recente experiência com bolas de neve) numa escada que era mais um barranco amplo, gelado, molhado e escorregadio. Fazendo menção de voltar, a Renata perguntou: "não é perigoso ir por aqui?" Eu, sem vontade de dar a volta, olhando para o trecho com corrimão que deixaríamos para trás e para a sua continuação tão ou mais íngreme abaixo de nós, não resisti e lancei a ironia: "se o corrimão só vem até aqui, é porque só existe perigo até esse ponto!..." Bem, o fato é que devagar, com o cuidado de um gato escaldado (ou melhor, congelado), chegamos com sucesso ao final da escada.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Inverno de Praga

Eduardo TrindadeNão era mais primavera quando chegamos a Praga.
Verdade que as tropas e os tanques de guerra há anos já foram embora. Mas o que primeiro nos recepcionou, quando desembarcamos do trem num final de tarde de fevereiro, foi o vento frio do inverno centro-europeu.
Então caminhamos até a Praça Venceslau (Václavské náměstí), que seria nosso endereço por alguns dias. Gosto de praças, e essa é uma área grande com jeito de porta de entrada para a cidade histórica - com efeito, as ruas vão ficando cada vez mais interessantes de se percorrer à medida que se  caminha a partir da praça em direção ao centro.
Contra o frio, casaco, luvas, touca. E chocolate quente. O frio que encontramos em Praga não era extremo, mas também não era nada confortável; mesmo assim, trazia consigo uma vantagem: podíamos comprar chocolate quente na rua, com o pretexto de nos aquecermos, sem remorsos! E seguir caminhando com o copo da bebida, um pouco mais aquecidos e felizes.
Eduardo TrindadeBem, Praga tem muitas das coisas de que eu gosto. Um centro grande e bonito, de arquitetura deslumbrante, perfeito para se perder a pé. Uma língua intrigante (mas não completamente incompreensível para quem já flertou com algum idioma eslavo). Comida farta, saborosa e ligeiramente diferente da nossa (e Kofola, um dos melhores refrigerantes que já provei). Uma moeda única (certo, admito  que usar reais ou euros seria mais conveniente, mas lidar com coroas tchecas é mais divertido e dá um ar singular à viagem). No final das contas, Praga se mostra ao visitante como uma grande e fascinante cidade europeia, embora não tão cosmopolita quanto suas irmãs mais famosas, como Paris ou Roma. O componente surpresa conta a favor da capital tcheca - não temos tantas referências prévias de Praga como temos de uma Paris, por exemplo, que não se cansa de ser cenário de filmes, e assim se pode conhecer Praga à nossa maneira, sem preconceitos. Sim, a tendência é a de uma cidade cosmopolita, não vivemos mais a ocupação soviética e os grupos de turistas não deixam dúvidas disso; mas ainda há um ar levemente retrô na cidade. Ninguém vive à toa uma primavera de Praga, ou inverno.
Saindo do centro, experimentamos uma visita ao zoológico e uma partida de hóquei no gelo pelo campeonato local. Assim, mais uma vez oscilamos entre o familiar e o levemente exótico. De volta ao centro, descobrimos a Pařížská - rua de comércio chique, com lojas Louis Vuitton, Montblanc, Dior, que nos faz pensar numa Champs-Élysées e não por acaso tem nome de Paris. Não há dúvidas de que a Primavera passou por aqui.
E as livrarias, o relógio da igreja, o castelo, o rio. As ruas, as ruas deliciosas de se caminhar de mãos dadas. Quando o frio ou a fome pressionam, entramos num café. Então seguimos com uma certa leveza. O inverno, em Praga, vale a pena.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Uma cidade nas montanhas da Eslováquia

por Eduardo TrindadeBanská Štiavnica é uma pequena cidade nas montanhas da Eslováquia. Chega-se a ela após dirigir cerca de duas horas desde a capital Bratislava, incluindo um serpenteante trecho de subida. Esse trecho requer especial cuidado nas condições em que o percorremos - à noite e na neve do inverno. Pois o simpático e valente Škoda (como resistir à tentação de dirigir um carro local?) fez a subida sem reclamar. Já bem perto do destino final, a estrada volta a descer um pouco, visto que, a rigor, a cidade se localiza numa depressão, uma espécie de vale entre as montanhas. No vale e nas encostas que o cercam, em antigas ladeiras, estende-se Banská Štiavnica.
(A propósito: uma das histórias contadas por lá diz que as mulheres de Banská Štiavnica estavam entre as preferidas dos homens da região. O motivo? As suas pernas fortes, cultivadas às custas de subir e descer colinas.)
Pois então. Como eu dizia, chegávamos em Banská Štiavnica, o GPS indicava faltar uns 100 m até nossa pousada e lá ia eu fazer a última curva do trajeto. Noite fechada, neve dos dois lados da estrada que, agora, se resumia a uma rua íngreme. Então senti um pneu deslizar - gelo! O carro escorregou ligeiramente e não saiu mais do lugar. Estávamos atolados na neve. O Škoda certamente já teria enfrentado situações mais exigentes mas, em compensação, era a primeira experiência do humilde cronista que vos fala numa subida nevada. Valeu mais a minha inaptidão: sim, estávamos atolados.
Feita a constatação, o próximo passo foi fracassar nas tentativas usuais de sair do atoleiro - eu não conseguia empurrar o carro, nem parecia haver tábuas, galhos ou pedras por perto que pudessem servir de ajuda, e o carro não conseguia tração. Olhávamos em volta e não havia vivalma.
Como nem tudo é desastre, porém, tínhamos tido a (relativa) sorte de parar bem perto do nosso destino. Assim, caminhando um pouco, achamos a Penzión Resla pri Klopačke, onde fomos atendidos por uma senhora que providenciou nosso check-in enquanto explicávamos a situação e pedíamos ajuda. A mulher era solícita, mas falava pouco e com um sotaque quase incompreensível! Entendemos que devíamos esperar ali na recepção. Já era tarde, estávamos cansados e preocupados mas, na falta de alternativa, esperamos. Até que nossa anfitriã reuniu um punhado de gente disposta a ajudar! Fomos até onde estava o carro e, com a ajuda de tantos braços, não foi difícil tirar o carro do atoleiro. Ufa!
Depois de uma noite de descanso no apartamento (gigante) da pousada, hora de descer para o café da manhã. Não havia ninguém na recepção. E nenhuma porta que indicasse uma cozinha ou refeitório. Vasculhei tudo. Esperei que alguém aparecesse. Em vão. Vasculhei mais, tentei alguma porta. Fechada. Toquei a sineta sobre o balcão. Nada. Voltei para o quarto. Esperei. Tornei a descer. Intrigado. Não sei por que, ocorreu-me abrir a porta que dá para a rua. Do lado de fora, no frio, um cartaz enigmático parece apontar para o café da manhã num prédio anexo. Bingo! Assim, aos poucos, íamos aprendendo como fazer para que Banská Štiavnica se deixasse desvendar. Quando saímos, depois de alimentados, descobrimos um pouco mais da pequena e bela cidade: não um, mas dois castelos; os prédios históricos; antigas minas de prata; uma rampa para trenós numa das ruas do centro; e um certo ritmo suave e silencioso que só se encontra nas pequenas cidades nevadas.

por Eduardo Trindade

domingo, 6 de setembro de 2015

Em Macau, patacas

Macau é uma cidade definitivamente curiosa.
Para começar, fica na China e, ao mesmo tempo, fora dela. Tecnicamente Macau é uma Região Administrativa Especial da China, o que significa dizer que possui um grande grau de autonomia, bem diferente do restante do país. Assim, qualquer um que entra ou sai da cidade, incluindo os próprios chineses, precisa mostrar o passaporte e passar pelas formalidades de imigração (turistas têm de tomar cuidado: como a maioria dos vistos para a China permite uma única entrada no país, uma visita a Macau no meio da viagem significa que o retorno à China não será permitido com o mesmo visto).
No nosso caso, chegamos em Macau após uma travessia de barco desde Hong Kong (outra cidade tão chinesa e não-chinesa como Macau, aliás). A primeira impressão de Macau é imponente: uma cidade moderna, de prédios altos e arquitetura arrojada. Após desembarcar, descobrimos que os arranha-céus dividem espaço com velhas ruelas de casas tipicamente chinesas. Ou quase.
Macau foi uma colônia portuguesa durante séculos e só passou oficialmente à China no final de 1999. Então, apesar de a maioria da população ser de etnia chinesa, o português continua sendo a primeira língua oficial. As placas de ruas estão escritas em chinês e em português. Lusófonos como nós não podem deixar de achar graça quando, no ônibus, uma voz gravada anuncia cada parada: primeiro em cantonês, depois num português com sotaque europeu e finalmente em inglês. Assim:
- Beishang de jietou shengmu - rua Nossa Senhora das Dores - Nossa Senhora das Dores street.
Sim, e as ruas têm, quase todas, esses nomes tipicamente portugueses. Infelizmente para nós, parece que hoje em dia pouca gente em Macau ainda é fluente na última flor do Lácio.
Na cidade, é verdade que vimos muito pouco do que os guias dizem ser os principais atrativos de Macau: de um lado, a parte antiga e suas ruínas de igrejas e outras construções portuguesas e, do outro lado, os brilhantes cassinos. São dois lados quase opostos, diga-se. As ruas mais antigas são estreitas, confusas e apinhadas de lojas diversas, lembrando bairros similares em outras partes da China. No lado moderno, Macau tem um quê de Las Vegas do Oriente (ou de Mônaco chinesa, com o Grande Prêmio de Macau percorrendo suas ruas) que deve ser impressionante à noite - mas só a vimos de dia e, de qualquer forma, o giro das roletas não exerce tanto fascínio sobre nós. Em vez disso, reparamos nos detalhes. Lembram da moeda corrente de Patópolis? A pataca? A "moeda número 1" do Tio Patinhas era uma pataca. E a moeda de Macau? A pataca. Pois é. Como não gostar de um lugar onde as coisas são pagas em patacas?

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Com uma lhama na cabeça

Essa história já foi contada outras vezes antes de mim, inclusive pelo Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa.
Acontece que uma das praças mais imponentes de Lima, no Peru, é a Plaza San Martín. Seu epicentro é uma estátua equestre do homenageado, considerado figura decisiva nas lutas pela independência do país. O monumento é cheio de alegorias; uma delas é a figura clássica de uma mulher que representa a liberdade. Ela ostenta um elmo e, sobre o elmo, uma lhama.
Uma lhama!
Por mais que lhamas sejam relativamente comuns no Peru, convenhamos que não seria esperada a estátua de uma mulher com uma lhama na cabeça. A história conta que o idealizador do monumento teria passado instruções escritas para o escultor pedindo que colocasse uma chama (llama, em espanhol) simbólica sobre a cabeça da estátua. O pedido teria sido mal interpretado, com a chama virando uma lhama (também llama, em espanhol) na obra executada pelo escultor.
Se non è vero...
Há quem diga que essa história é apenas uma anedota que menospreza excessivamente a capacidade do escultor de entender uma instrução (ou de desconfiar dela e procurar confirmá-la). O que está representado no monumento seriam elementos do escudo de armas do Peru, incluindo a lhama.
Porém, o animal no escudo do Peru é uma vicunha e o representado no monumento é definitivamente uma lhama. Lhamas e vicunhas não deixam de ser parentes, mas são animais diferentes. Assim, parece que nenhuma contorção que se dê à história exime completamente o artista do erro. Mas não importa: o causo é curioso e ajuda a chamar a atenção para a praça que, sem dúvida, fica muito mais divertida com a pequena lhama sentada gaiatamente na cabeça da imponente estátua.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Queijos e cheiros

Um de meus prazeres quando viajo é andar pelos mercados atrás de produtos diferentes dos que encontro normalmente na minha cidade. Qualquer supermercado é um mundo a ser explorado; e se houver um mercado daqueles bem tradicionais que possa ser visitado, melhor ainda. Algumas descobertas interessantes foram feitas assim. Cogumelos, queijos, presunto, azeite, especiarias, frutas, doces, chás e vinhos são produtos que me chamam a atenção, para dizer o mínimo, Às vezes fico angustiado porque levar muitos desses itens para casa é simplesmente impraticável. O que não me impede de namorar as bancas de mercados e assemelhados!
O mercado da Boqueria, em Barcelona. A Rue Mouffetard, em Paris (aquela de uma foto do Cartier-Bresson). O Ver-o-Peso, em Belém. O Grand Bazaar e o Bazar das Especiarias, em Istambul. São templos clássicos dedicados a compras, especialmente a compras de comidas e seus ingredientes, e parada quase obrigatória para quem visita alguma dessas cidades. E há muitos outros, claro: lembro de comprar figos e trufas na Croácia; queijo e mais trufas na Itália; chás na China; temperos na Índia; e por aí vai...
Bem, acontece que, enquanto alguns itens podem ser transportados e armazenados com relativa facilidade (como pacotes de chá, pimenta ou cogumelos secos), outros têm uma logística mais complicada por pedirem refrigeração ou possuírem um curto prazo de validade - como é especialmente o caso da maioria dos queijos e dos cogumelos frescos. Ó ironia, queijos e cogumelos são dois dos produtos que mais chamam a atenção minha e da Renata em nossas viagens!
O ideal é estar hospedado em algum lugar que tenha uma geladeira e, se possível, cozinha. Dessa forma, podemos nos dar ao luxo de fazer a feira nos mercados e já consumir em seguida os produtos que compramos, quase como se fôssemos locais.
Claro que nem sempre temos uma cozinha à disposição, então acabamos abrindo mão de comprar certas coisas ou simplesmente compramos e guardamos até a próxima ocasião em que será possível aproveitá-las.
O problema é que é relativamente comum estarmos hospedados nalgum lugar que não tenha geladeira nem frigobar... Aí surge o verdadeiro dilema. O sensato seria abrir mão de comprar coisas como queijo e iogurte que não fossem estritamente para consumo imediato - mas quem disse que sou sempre uma pessoa sensata?
Descobri uma vantagem de viajar para lugares como Islândia ou Dinamarca no inverno: com o frio que faz, pode-se simplesmente deixar alguma coisa do lado de fora da janela para se ter uma perfeita refrigeração natural! Prático e funcional, embora às vezes acabássemos colocando um amontoado de coisas na janela, formando uma pequena bagunça na fachada do prédio que terminamos chamando carinhosamente de "nossa favela"...
Então, certa feita, estávamos em Barcelona; visitamos a Boqueria, que é definitivamente um mercado fantástico, e saímos de lá com queijo e uns tantos cogumelos. No dia seguinte, rumamos para Andorra, o pequeno país encravado nos Pirineus. Estávamos contando com uma geladeira no quarto do hotel, mas nada feito! E estávamos na primavera... Por mais que o país seja montanhoso (de fato, estava nevando em algumas partes), na capital a temperatura era amena, o que inviabilizava a "favelinha" na janela. "Azar", pensei, "essas compras precisam durar alguns dias"... Largamo-nas no quarto enquanto andávamos pela cidade. Ao regressar, à noite, minha nossa! O cheiro de queijo era indisfarçável! Abri a janela para que entrasse ar, embrulhei tudo da melhor forma possível e, para o dia seguinte, guardei o queijo na gaveta mais fechada. Mas não houve muito jeito de evitar que aquele cheiro tomasse conta do ambiente... Ficávamos pensando na pena que seria se o queijo não durasse mais uns dias (pois sabíamos com certeza que, mais para a frente, teríamos cozinha e geladeira à disposição) e também imaginávamos a cara que a camareira deveria fazer cada vez que entrava no nosso quarto!
Seguimos caminho, carregando queijo e cogumelos para Nice. Na chegada, mais uma decepção: o novo quarto também não tinha frigobar... Torcíamos para que a temperatura caísse e nos ajudasse a conservar nossas compras... Mas não teve jeito. O queijo (e o quarto) fedia mais do que nunca, e até os cogumelos começavam a mostrar o quanto estavam sofrendo... É terrível admitir, mas acabamos obrigados a descartar boa parte do queijo. Parte dos cogumelos seguiu o mesmo caminho. Pelo menos alguns se salvaram e resistiram até nossa parada seguinte, onde finalmente tínhamos geladeira e cozinha e pudemos degustá-los como mereciam. E como mereciam!

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Duas relíquias: um livro e uma peça de museu

"O mundo sobre rodas", de Ali Mitgutsch, é um livro que ganhei anos atrás, quando criança, e que acabei conservando até hoje. De certa forma, esse livro pode ter influenciado algumas das minhas escolhas profissionais e de lazer. Trata-se de um volume completamente ilustrado que conta a história do transporte sobre rodas através de inúmeros desenhos bem-humorados. Quando mais novo, folheei várias e várias vezes esse livro, percorrendo os detalhes do texto e das ilustrações, e ainda depois de adulto não deixei de abri-lo uma vez ou outra. Do transporte de blocos de pedra paras as Pirâmides do Egito até carros de corrida, passando por bigas romanas, diligências do Velho Oeste, bicicletas, patins, trens, ônibus e o Ford Modelo T, o livro tinha um pouco de tudo.
Acho que "O mundo sobre rodas" está esgotado, ao menos em português. Numa pesquisa rápida, só o encontrei em alguns sebos. Uma pena, pois me alegraria saber que esse livro continua sendo aproveitado hoje em dia (se bem que ele precisaria de uma atualização, pois algumas décadas se passaram desde a edição que temos aqui em casa...).
Pois enfim. Estava eu de férias nesse nosso mundo sobre rodas quando entrei em um museu de Oslo dedicado aos vikings. As estrelas do museu são três navios viking que sobreviveram aos séculos - dois deles em impressionante estado de conservação/restauração, e o terceiro incompleto, mas ainda assim digno de nota. Ao que parece, trata-se dos três mais bem preservados navios viking do mundo, e um barco desses de madeira ter sobrevivido mais de um milênio não é pouca coisa. O museu possui ainda uma série de outros artefatos, alguns dos quais encontrados junto aos navios (arqueólogos devem agradecer o fato de que escandinavos ricos faziam seus funerais em barcos como esses e amaldiçoar o fato de que, eventualmente, em vez de enterrar o barco com tudo dentro, resolviam queimá-lo).
Carruagem no Vikingskipshuset;
as condições não eras as melhores para uma boa foto...
Uma das peças do museu é uma carruagem de madeira cuidadosamente exposta. Acontece que bastou olhar para carruagem para uma luz se acender em alguma parte do meu cérebro: aquilo me era familiar. Ao voltar para o Brasil, fui atrás do velho "O mundo sobre rodas" e confirmei minha suspeita. A carruagem viking estava lá, exatamente ela, num desenho do autor! Não pude não achar curiosa a forma como aquela relíquia saiu do livro para cruzar meu caminho tantos anos depois, assim por acaso, como também foi curioso descobrir que ainda me lembro tão bem das páginas da velha relíquia (pudera, a edição é de 1977, quando eu sequer era nascido) de Ali Mitgutsch. Mais uma vez, voltei a ela. O que seria de nós se não fossem os livros?


A mesma carruagem desenhada pelo autor do livro, que certamente gostava de museus
e deve ter andado pelo Vikingskipshuset décadas antes de mim.

sábado, 25 de julho de 2015

Å

Å é o nome de uma pequena vila nas ilhas Lofoten, a ponta mais ocidental do arquipélago se desconsiderarmos as ilhas Værøy e Røst, que ficam bem mais afastadas. Å é o último lugar de Lofoten aonde se consegue chegar de carro sem tomar um barco. No nosso caso, pegamos um ônibus em Leknes (aproximadamente no centro geográfico de Lofoten). Perfeitamente organizado e cronometrado - como tudo, aliás, na Noruega. Fomos à parada e, pontualmente às 13h07, como prometido na tabela de horários disponível na Internet, chegou o ônibus e embarcamos. A viagem pelos cerca de 70 km que separam uma cidade da outra deveria durar 1h43. Estávamos já bastante perto do destino e parecia que chegaríamos adiantados. Foi então que, numa das paradas, algumas pessoas desceram, outras subiram, e o ônibus continuou estacionado. Aguardamos um pouco, e nada. Como tinha a impressão de que não estávamos tão longe assim do destino, cheguei a cogitar seguirmos a pé. Em vez disso, fui até o motorista perguntar educadamente o motivo de estarmos ali parados. "Estamos esperando as crianças saírem da escola", eis a resposta simples e lógica. Dali a pouco, uns tantos meninos foram chegando e embarcando. E o ônibus partiu. Chegamos a nosso destino no horário prometido, nem um minuto a mais, nem um minuto a menos.
Estávamos enfim em Å, um pitoresco conjunto de casas de madeira, algumas sobre palafitas, entremeado de ruelas e de braços de mar onde repousavam barcos de pesca. Achamos nossa pousada, certamente a maior da vila: além do conjunto de rorbuer (típicas cabanas para hóspedes norueguesas), possuía um amplo restaurante e um cais considerável. Å é, evidentemente, um lugar de pescadores. Demoramos uns instantes a achar nosso quarto; acontece que ficamos hospedados no andar acima do galpão em que os peixes são limpos e armazenados. Logo me acostumei ao cheiro de peixe, e só lembrava realmente dele quando precisava de uma das toalhas, que pareciam concentrar em si o odor de pescado.
Num instante percorremos, a pé, o centro de Å. A vila é pequena como o seu nome, e tão bonita quanto pequena. Gaivotas nos acompanhavam: elas estão pela cidade toda e fazem seus ninhos do lado e acima de nosso quarto!
Procuramos em vão por um mercado onde comprar ingredientes para fazer uma refeição. Então achamos uma padaria e entramos. Trata-se de um lugar rústico, instalado numa antiga casa, onde somos recebidos por uma moça que é, ao mesmo tempo, padeira e atendente. Vê-se o forno e os utensílios, e a impressão é de que são os mesmos há um século. Veem-se também alguns pães expostos; escolhemos um, pagamos e saímos. O pão é saboroso, rústico como se esperaria daquela padaria, embora com bastante canela. Não gostamos tanto assim de canela... Em compensação, na saída, encontramos uma butikken e entramos: é a loja que vende de tudo, desde livros e lembranças para turistas até arroz, peixe e alguns legumes. As estantes são decoradas com velhas latas de óleo de fígado de bacalhau. Sem pressa, damos uma volta pelo pequeno mercado e afinal fazemos nosso rancho. À noite, jantaremos produtos locais. Depois, iremos dormir ouvindo as gaivotas, com o sol da meia-noite entrando pela janela e treinando falar, entre sorrisos, o nome mais curioso que poderíamos imaginar: Å, cuja sonoridade lembra um "eau" francês mal-pronunciado - [o:].

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Roteiro da auto-cozinha na Noruega

Na Noruega, comida (como de resto qualquer outra coisa) é algo extremamente caro para os nossos padrões.
Acontece muito em viagens: nos primeiros dias, assustamo-nos com o preço das coisas e nos privamos delas; aos poucos, vamos nos acostumando (e "esquecendo" de converter os preços), pois só assim é possível aproveitar os passeios... Mesmo assim, aprendemos logo que a Noruega não é um país onde visitantes brasileiros podem ir a restaurantes e sair impunes: a conta da mais simples refeição é suficiente para fazer doer o estômago! Claro que em um ou outro momento nos permitimos extravagâncias, até porque não faria sentido viajar para não aproveitar plenamente o lugar... Mas, no geral, precisávamos de outra estratégia que não fosse confiar em comer fora todos os dias.
Havia ainda outro fator: a Renata é vegetariana, e nem sempre é fácil encontrar opções vegetarianas em lugares onde o clima não é dos mais propícios à agricultura. A Noruega é um país carnívoro.
A solução exige certa dose de trabalho e de planejamento, mas (talvez por isso mesmo) acaba permitindo um componente personalíssimo: preparar nossas próprias refeições. Mais do que à alta cozinha, dedicar-se à "auto-cozinha". Acaba sendo lúdico. Nem sempre é viável, claro, pois às vezes ficamos hospedados em lugares onde não há cozinha. Aí pelo menos montamos algum sanduíche para comer com suco ou iogurte. (A propósito, adoramos as máquinas de fatiar pão! Comprávamos pães e mais pães quase que só para cortá-los na máquina...)
Foi só quando chegamos em Ålesund, depois de já estar viajando há alguns dias, que ficamos num albergue que oferecia cozinha. Já chegamos ansiosos: preparar comida de verdade! A primeira coisa que fizemos em Ålesund foi, naturalmente... procurar um supermercado aberto para comprar víveres! Voltamos ao albergue com todos os ingredientes para um autêntico risoto de cogumelos e aspargos e - dito e feito - foi o que comemos naquela mesma noite. Enfim, tínhamos à nossa disposição uma cozinha razoavelmente equipada, e com modernos fogões a indução. O problema passava a ser outro: dali a pouco estaríamos voando para outra cidade, então não podíamos nos dar ao luxo de deixar sobrar muita comida. A logística da viagem ganhava um componente gastronômico!
Fomos para Lofoten e lá tínhamos à nossa disposição o que de melhor podíamos esperar: uma cabana com cozinha equipada inteira para nós! Não que tivéssemos toda noite uma refeição muito elaborada mas, do omelete clássico francês a legumes com molho de queijos, alguns pratos interessantes saíram daquela cozinha. No meio tempo, descobríamos produtos típicos noruegueses, como o brunost - um queijo de cor castanha e sabor adocicado. E também itens prosaicos como Lion em sua versão cereal matinal - Lion é um chocolate da Nestlé que, além de saboroso, tem valor sentimental para nós.
De um canto para outro da Noruega, viajamos de avião, ônibus, barco, carro. À medida que os dias passavam e nos aprofundávamos no país, nossa despensa itinerante ficava mais complexa: chegamos a carregar itens como pão, queijo, azeite, leite, suco e até cenouras em nossas andanças. Debaixo do temor de que alguma embalagem estourasse, fazer e desfazer a mala envolvia sempre fortes emoções.
O bom era chegar em algum lugar e saber que o quarto possuía frigobar. Mas às vezes não tinha. Então tratávamos de empilhar os itens mais sensíveis na janela, garantindo assim que o próprio frio exterior os mantivesse gelados. Quando visitamos Piramida, vimos que os prédios do local dispunham de "geladeiras naturais" - buracos nas paredes que um desavisado poderia confundir, à distância, com instalações para pequenos aparelhos de ar-condicionado, mas que serviam para gelar alimentos aproveitando o frio polar. Como invejamos aquelas "geladeiras"!
Ao chegar a Oslo, nossa última parada, já estávamos nos comportando quase como locais: guardávamos as latas de refrigerante vazias para encaminhá-las para a reciclagem, colocando-as nas máquinas próprias para disposição de embalagens que devolviam uma coroa por cada lata depositada. Nessa altura, também, depois de passar por vários mercados de diferentes cidades, estávamos viciados num item bem específico: muffins do Bunnpris! Assim: Bunnpris é uma rede norueguesa de supermercados, e muffin é o bolinho que conhecemos por muffin mesmo. Havíamos descoberto que a maioria dos supermercados da rede Bunnpris vendia uns muffins deliciosos, com recheio farto e textura perfeita, capazes de satisfazer os mais exigentes padrões de gordice. Bem, em Oslo não tínhamos mais cozinha nem frigobar (e, além disso, não fazia muito frio, o que inviabilizava nossa "geladeira natural" na janela do quarto), então não havia mais muito o que comprar nos mercados, só cozinharíamos novamente quando voltássemos ao Brasil. Mas continuávamos nosso roteiro das gôndolas (de supermercado), procurando agora algo bem específico: um Bunnpris que vendesse tais muffins! Não era tão fácil assim, porque vários Bunnpris de Oslo simplesmente não tinham aqueles doces... Aparentemente a rede é maior e mais forte no centro e norte do país que no sul. Acabamos achando os muffins num supermercado já não tão perto de nosso hotel, mas que valia a caminhada: passear por Oslo já seria um prazer, ainda mais com aquele prêmio saboroso no final do caminho. No outro dia, nosso último dia na Noruega, demos um jeito de passar novamente lá por perto para nos reabastecermos de muffins. Acabou sendo um pouco decepcionante: havia bolinhos, mas dava para perceber que não eram frescos e sim os que haviam sobrado do dia anterior. Uma pena. Pareciam indicar que, inegavelmente, já era hora de voltar para o Brasil.

domingo, 12 de julho de 2015

79° N: ursos, gaivotas e fantasmas

Ali, quase tocando o paralelo 79° N, está Пирамида. Ou o que sobrou dela. Пирамида - Piramida - ou Pyramiden, como dizem os noruegueses, foi um povoamento soviético que floresceu durante certo tempo na longínqua e polar Svalbard graças ao carvão lá existente e à sua importância estratégica em tempos de Guerra Fria - era a extremidade mais setentrional da Cortina de Ferro. Agora, o que faz de Piramida um lugar inusitado, fantástico, é que se trata de uma cidade-fantasma, no melhor estilo faroeste. Após o fim da União Soviética, já não fazia sentido para a Rússia manter operando uma velha mina de carvão nos confins do planeta. E, sem a mina, a cidade, que no seu auge chegou a ter mil moradores, também não fazia sentido. Os russos foram embora, levando consigo o que se podia e valia a pena carregar, e deixando para trás muitas outras coisas. Isso foi em 1998. O tempo passou, mas de certa forma é como se para além do Círculo Polar ele passasse mais devagar: o frio ajuda a conservar o que restou de Piramida, envolvendo-a numa baita geladeira natural (vejam Piramida cercada por gelo no Google Maps, é impressionante).
Chegamos a Piramida num barco saindo de Longyearbyen. Desembarcamos no cais que outrora servia para o transporte de carvão e, entre estruturas desativadas e abandonadas, somos recebidos por Sasha.
Sasha é um homem magro e barbado, vestindo chapéu e casaco russos, que parece saído de um filme ou álbum de quadrinhos - um antagonista de 007 ou de Tintim? Sasha, na verdade, saiu de São Petesburgo e veio parar em Piramida, onde nos leva para conhecer a cidade (o que resta dela). Suas roupas são talvez exageradas, mas o rifle a tiracolo é não apenas real como de praxe: está lá para proteger contra eventuais ursos polares. Em Svalbard há mais ursos que pessoas e a sua caça é proibida desde 1973. Confrontos com ursos, embora raros, são uma possibilidade, e o rifle é uma das precauções que se tomam.
Percorremos com Sasha as ruas de Piramida. Ver aqueles prédios abandonados, fechados e vazios, numa cidade silenciosa, é impactante. Entramos na casa de cultura e encontramos desenhos infantis, trabalhos escolares, em algumas paredes. Um auditório escuro e vazio e, no palco, um empoeirado piano de cauda - o piano mais setentrional do planeta, dizem. Uma quadra esportiva onde não há mais jogos. Uma escola. Um hospital. Um refeitório nos moldes soviéticos. Em frente à casa de cultura, o busto de Lenin (também o mais setentrional do planeta) continua imóvel a vigiar a praça central, mas não há mais nenhum camarada a ser vigiado. Aqui e ali, encontramos fragmentos de vidas passadas, memórias deixadas para trás, histórias que parecem interrompidas. Uma cidade é um lugar estranho quando nela não há gente; que identidade lhe resta? Fica-se a imaginar o que terá sido feito das pessoas que deveriam estar ali, como se caminhássemos por uma Chernobyl, apenas sem a radiação, a um tempo preservada e arruinada.
Sasha então nos confidencia que Piramida não está abandonada por completo. Aponta dois prédios que voltaram a ser habitados. O primeiro é o antigo hotel, que voltou à ativa e é mantido por seis empregados, um dos quais Sasha em pessoa. O hotel possui um bar em funcionamento para atender os visitantes que, no verão, vêm de Longyearbyen conhecer Piramida. Também possui, está claro, alguns quartos para hóspedes, embora eu não consiga imaginar quem se aventure a dormir por lá. O segundo prédio apontado pelo nosso guia é habitado por um grupo bem mais numeroso e barulhento: dezenas ou centenas de gaivotas escolheram-no para fazer seus ninhos. Já quase prontos para deixarmos (nós também) Piramida, percebemos: alheia ao nosso mundo, a velha cidade russa segue viva no grasnido dessas gaivotas.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Para o norte e avante

Eduardo TrindadeEduardo TrindadeRumo: norte. Foram duas horas sobrevoando o mar (antes, houve toda uma viagem até a improvável cidade de Tromsø). Então o avião embicou, rasgou as nuvens, despistou algumas montanhas nevadas e pousou na pista que apareceu à sua frente. Estávamos em Svalbard. Svalbard, arquipélago norueguês a apenas mil quilômetros do Polo Norte, onde tudo que há é o mais setentrional do planeta: o local mais ao norte permanentemente habitado pelo homem; a igreja mais ao norte; o hospital, o spa, o mercado, o museu, o busto de Lênin... tudo mais ao norte. Svalbard, reino do urso polar - soberano do gelo - e da majestosa baleia-azul, soberana dos mares, o maior animal que nosso planeta já viu.
Eduardo TrindadeDescer em Svalbard é surpreendente. No entanto, à chegada, o que choca pelo menos tanto quanto a natureza é a presença humana. Quase no verão, com boa parte da neve já derretida, pisa-se num terreno pedregoso e arenoso, uma legítima paisagem lunar. E vê-se as marcas de uma corrida espacial bem humana: ruínas de minas de carvão, grandes contêineres, barcos, máquinas diversas (umas em funcionamento, outras desativadas). Chegamos à nossa pousada, adaptada num antigo alojamento para mineiros, e a impressão se acentua, como se estivéssemos num cenário (entretanto real) de faroeste: a decoração inclui um pórtico com galhadas de renas, peles de foca pelo chão, peles de raposa penduradas, velhas fotos de mulheres seminuas e de caçadores com suas presas. É preciso um tempo para se acostumar com esse clima e entender que ele, afinal, representa bem a história de Longyearbyen (a principal cidade, onde estão 2000 dos 2600 humanos do arquipélago) e seu passado de caçadores, exploradores e mineiros. Só então passamos a desfrutar do aconchego polar e da vista da janela, por onde desfilam patos com seus filhotes, além de várias outras aves, uma raposa do ártico e, um pouco mais além, algumas renas.
Eduardo TrindadeDepois, de barco, permitimo-nos conhecer Svalbard em seu estado mais natural: geleiras, icebergs, platôs e montanhas com o topo nevado, algumas focas à distância e muitas aves. Revimos puffins! Bandos de puffins grandes, com o bico colorido e a graça de sempre. O sol da meia-noite: já experimentáramos a falta de escuridão no continente, mas aqui ela é mais extrema, o sol sequer chega perto de tocar o horizonte. Com isso, perde-se facilmente a noção da hora. Frio nem tanto (é verão), mas um vento (literalmente polar) de cortar a espinha nos trajetos de barco. Trilhas com e sem neve, placas avisando da possibilidade de um urso cruzar de repente o nosso caminho (nenhum grupo sai do povoado sem estar armado de rifle), snowmobiles, morro acima e morro abaixo, rios e cachoeiras. Fósseis de antigas histórias gravadas nas pedras, flores minúsculas, vidas persistentes no clima inóspito. Escolas, hospital e pesquisadores do Ártico. Povoados vivos e uma cidade morta que não sobreviveu à Guerra Fria. Svalbard surpreende pelo tanto de improbabilidades que esconde.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Ilhas Lofoten

Tomamos o avião para o norte da Noruega. Nossa conexão era na cidade de Bodø, além do Círculo Polar: lá pegaríamos um outro voo, o qual ainda faria uma escala antes de pousar em Svolvær.
Esse último voo já deu um vislumbre do que seria essa parte da viagem, pois o avião (pouco mais que um teco-teco) nos brindou com a bela vista das ilhas Lofoten enquanto passava pelos fiordes, entre as montanhas.
Svolvær é o centro administrativo e uma das principais cidades de Lofoten. E Lofoten é daqueles lugares cênicos de encantar qualquer um. A maioria das cidades é, na verdade, pequenas vilas que vivem da pesca do bacalhau (boa parte do que se consome no Brasil vem daqui). O litoral é recortado e as ilhas são plenas de picos nevados. A paisagem é linda e, à primeira vista, pode até confundir o visitante. Nem tanto, talvez, mas preciso salientar isso para justificar que, quando chegamos, pegamos o carro e dirigimos uns 60 quilômetros... na direção errada. Eu bem que desconfiei que estávamos demorando demais a chegar, mas só descobrimos o erro quando a estrada acabou e o caminho a seguir seria por balsa! A verdade é que eu esquecera de conferir o endereço de destino no GPS e ele estava nos levando para outra ilha...
Após tomar o caminho certo, não foi difícil achar nosso rorbu - rorbu é o nome que os noruegueses dão a suas típicas cabanas para visitantes, tradicionalmente usadas por pescadores e, atualmente, procuradas pelos turistas que se aventuram na região. Nada melhor para entrar no clima de Lofoten!
Choveu mais do que esperávamos e gostaríamos. Sempre de uma chuva esquisita, que vinha e voltava... Chovia, parava e voltava a chover algumas vezes por dia. Estando de carro, a impressão era a de nuvens compenetradas fazendo seu trabalho em pontos específicos das ilhas. Mas nada que nos atrapalhasse tanto. Não tanto quanto o vento que, quando vinha, fazia valer a imagem que temos do Ártico!
Fomos além. Na ponta da parte maior do arquipélago, está Å, que ganhou facilmente o título de lugar com o nome mais curioso que já visitamos. Ficamos hospedados no andar de cima de um prédio onde se limpava peixe e chegamos a temer que o quarto tivesse tanto cheiro de peixe quanto o que se sentia ali. Não tinha. Em compensação, as toalhas eram postas para secar praticamente junto com o bacalhau e tinham o cheiro típico de Lofoten.
De Å, navegamos até Røst - a última ilha a oeste, que tem uma paisagem diferente das demais e talvez com mais bacalhau que todas as outras - o peixe é posto para secar em grandes armações de madeira parecendo varais por toda a ilha. Røst também foi o lugar de Lofoten que escolhemos para ver as colônias de puffins! Não pudemos chegar tão perto deles quanto em Mykines, mas mesmo assim é bom vê-los voando, nadando ou simplesmente boiando na água.
Para ir embora de Lofoten, outro teco-teco... Røst é maior do que eu pensava antes de conhecê-la, mas não a ponto de ter ônibus. Então pegamos o único táxi da ilha. No trajeto de três quilômetros até o aeroporto, uma breve e bem-humorada conversa com o motorista. Ao final, ele nos levou a tempo de tomarmos nosso voo, um dos poucos que saem do minúsculo aeroporto, e ainda aproveitou para perguntar, com um sorriso nos lábios: "you said Terminal 1, right?"

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Quando as malas não chegam

(uma crônica-desabafo)
Férias! Viajar, conhecer novos lugares e pessoas, esquecer o trabalho e as preocupações.
Então entramos no avião da Air France, que demorou uns 50 minutos a decolar devido a um atraso da tripulação.
Basicamente por conta disso, ao chegar em Paris, perdemos nossa conexão que seguiria para Amsterdã e depois para Bergen. No balcão da empresa, primeiro disseram que não havia mais voos no mesmo dia, depois nos ofereceram lugares num avião da SAS que nos levaria ao destino passando por Copenhague.
Perdemos a conta de quantas horas o voo da SAS atrasou. E perdemos a conexão em Copenhague. Acomodaram-nos em outro voo, o último do dia, e pousamos em Bergen poucos minutos antes da meia-noite.
Pousamos em Bergen, mas não as nossas malas. Como já temíamos desde duas conexões frustradas atrás, a bagagem ficara perdida pelo caminho. No balcão do aeroporto de Bergen, entregaram-nos kits para sobrevivência de sem-bagagens (pouco mais que uma camiseta, xampu, escova e creme dental), um número de protocolo e a promessa de que entregariam nossas malas assim que as encontrassem.
No dia seguinte, perambulamos pela cidade com a cabeça nas malas (sorte que nesse dia não fez muito frio e pudemos nos virar com o que tínhamos). Tentamos ligar para a SAS, mas sem sucesso. Comprei um chip de celular para telefonar para o número que nos haviam dado, mas, para funcionar, o chip exige um cadastro que até hoje não consegui fazer. O site de rastreamento de bagagens da empresa também não oferecia informação alguma. Preparamo-nos para passar outra noite sem nossas malas: compramos novas camisetas e roupas íntimas.
No outro dia, o site ainda não tinha informações e eu já temia pelo pior, lembrando das estatísticas que dizem que as malas perdidas, quando são recuperadas, em geral, o são no dia seguinte. Mas consegui contato com um ser humano pelo telefone que disse que haviam achado as malas! Estavam a caminho, em algum canto obscuro de algum aeroporto europeu, e chegariam a Bergen pela tarde. Começamos o dia mais aliviados.
À tarde, telefonei novamente e a previsão era de que as malas chegariam à noite e não teriam como entregá-las no mesmo dia. Mas outro dia sem as bagagens, reciclando as poucas roupas que tínhamos e vendo o termômetro cair perigosamente, seria mais do que merecíamos. Resolvemos então ir pessoalmente até o aeroporto: à noite, investimos mais algumas de nossas coroas em passagens de ônibus e lá fomos nós. As malas ainda não estavam em Bergen, mas num voo que pousaria dali a uns 40 minutos. Esperamos. O avião chegou, e não é que dali a pouco nossas malas apareceram na esteira?
Pronto. Ainda estamos esperando o ressarcimento das despesas que tivemos mas, já com a bagagem, a viagem pôde enfim começar.

domingo, 15 de março de 2015

Kofola

A República Tcheca é a terra da cerveja. Ou pelo menos uma das terras da cerveja. Tanto que “pilsen”, que é o nome dado ao tipo mais comum de cerveja de baixa fermentação, nada mais é que uma referência à cidade tcheca - Pilsen - em que este surgiu. Mas, em nossas andanças pela Republica Tcheca e pela Eslováquia, o que nos chamou a atenção foi um refrigerante.
Não é de hoje que temos atentado, em cada lugar que visitamos, para os refrigerantes diferentes que encontramos. Especialmente para aqueles autóctones - exclusivos, muitas vezes típicos. A Inca Cola, no Peru. Sun Cola (refrigerante de cola sem gás, vendido em caixinhas TetraPak com canudo), nas Ilhas Faroe. MezzoMix. Old Style Original Kola. Faxe Kondi. Cockta. E, claro, os brasileiríssimos Guaraná Cruzeiro, Itubaína, Mate Couro e tantos outros.… Alguns dignos de nota, outros francamente decepcionantes, mas sempre, no mínimo, uma pequena diversão garantida.
Na antiga Tchecoslováquia, a marca nacional de refrigerantes era (e ainda é) a Kofola. Ora vejam, até o nome é curioso! Claro que tratamos de provar, e francamente a degustação superou nossas expectativas. Imaginem um refrigerante consideravelmente menos doce que a Coca-Cola. A Kofola tem menos açúcar e, assim, menor valor energético que a Coca-Cola, além de ter também menos sal. Tem, sim, um característico sabor de ervas, algo que lembra funcho, e que parece ser a marca registrada da bebida. Tudo somado, a Kofola nos conquistou. Fomos adiante e descobrimos outras variedades de Kofola - até mesmo com guaraná, além de versões com cereja e com limão. Esta última - Kofola Citrus - elegemos facilmente como a melhor delas, e fortíssima candidata a melhor refrigerante do mundo! O sabor cítrico compensa o de ervas e ambos complementam muito bem a tradicional base de cola.
Então, passamos a procurar Kofola por onde quer que passássemos, e em particular Kofola Citrus. Na Eslováquia, compramos dessa última em garrafas de meio litro perfeitas para carregar durante o dia durante nossos passeios. Chegamos à República Tcheca e, por algum motivo, só conseguimos encontrar Kofola Citrus em garrafas grandes, de dois litros (apenas a Kofola original estava disponível na embalagem menor). E olha que procuramos bastante, vasculhávamos todo mercado que encontrávamos em busca da Kofola Citrus….
Para dizer que não encontramos, houve um dia em que lá estava: numa dessas máquinas de venda automática de refrigerantes, garrafas de Kofola Citrus de meio litro ao nosso alcance. Ou quase. A máquina agarrou nossa moeda e nada de entregar a Kofola! A muito custo consegui reaver nossas coroas, mas fomos obrigados a desistir. Daquela fonte não sairia refrigerante.
No final, acabamos nos contentando com a garrafa grande, o que (ai de nós) só fez aumentar o consumo diário de Kofola. E, claro, demos um jeito de trazer um pouco para casa. Para nossa imensa tristeza, a última garrafa acabou hoje. Diante da iminente crise de abstinência, só resta implorar: se alguém for a Praga, que nos traga alguma garrafa de Kofola. Na falta da Citrus, a original está valendo.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Do banheiro no quarto à grama no teto

Não fazemos questão de hospedagens luxuosas quando viajamos. Em geral, tratamos de economizar, procurando uma acomodação tão barata quando possível, desde que bem localizada e com um mínimo de limpeza e de conforto.
Sim, às vezes erramos feio na escolha, como no caso de uma pousada em Franca, interior de São Paulo, que tinha o banheiro no quarto. Não, não estou falando de um quarto com banheiro privativo; era exatamente o oposto de privacidade, pois o chuveiro, o vaso sanitário e a pia ficavam ao lado da cama, separados desta apenas por uma espécie de meia parede que não chegava ao teto e que também não tinha o comprimento minimamente necessário para dividir um ambiente do outro...
Noutras ocasiões, acabamos nos deparando com  situações simplesmente pitorescas: um hotel fantasma; uma pousada labiríntica; uma hospedaria que só fornece toalhas a quem curtir a sua página do Facebook (e lá vamos nós catar o celular, acessar a rede wi-fi, curtir a página na frente da recepcionista, para em seguida descurtir...).
Em compensação, há casos em que é possível dormir em lugares incríveis sem que o preço seja necessariamente estratosférico. Uma pousada na Capadócia em que os quartos são cavernas na pedra é só um dos exemplos possíveis.
Mais recentemente, temos explorado uma outra forma de hospedagem, bastante comum em certas partes da Europa: alugar um apartamento diretamente com o proprietário. Temos conseguido apartamentos bem localizados, maiores e mais bem equipados que os quartos oferecidos pela maioria dos hotéis convencionais, e por preços competitivos. Em geral, há duas desvantagens: enquanto muitos hotéis têm recepção 24 h, nesses apartamentos é preciso informar com antecedência a hora aproximada da chegada (o que, dependendo do planejamento, pode ser um problema); e não é oferecido café da manhã. Em compensação, o apartamento, além de ser mais espaçoso, tem outra vantagem: uma cozinha inteira só nossa! Ir ao supermercado e procurar por produtos típicos do lugar, ou por produtos que não conseguimos com tanta facilidade no Brasil, acaba sendo uma grande diversão. E uma diversão que nos garante comida boa, farta e barata no café da manhã e no jantar. Começamos pouco a pouco... No começo, nem sequer usávamos a cozinha. Depois, aproveitávamos o espaço para preparar alguns sanduíches. Nas últimas vezes, refeições completas (na medida do possível) já estavam saindo do fogo e enchendo o ambiente com o cheiro de comida.
E já não surpreenderá os leitores desse espaço que algumas das nossas mais agradáveis experiências de hospedagem tenham sido nas Ilhas Faroe. À parte a simpatia de todos que encontrávamos, à parte a nossa janela com vista para o fiorde em Tvøroyri, tivemos uma acomodação ímpar em Tórshavn: não um simples apartamento alugado, mas uma legítima casa em estilo nórdico, de paredes de madeira e grama no telhado. Simples por dentro, mas autêntica, tão autêntica que o fogão funcionava a lenha - e cozinhar num fogão a lenha pode ser mais difícil e demorado que num fogão a gás, mas nada combinaria tanto com o ritmo daquelas ilhas. Um rádio para encher a casa com a suave música faroesa. Pássaros e um cachorro que visitava a nossa varanda. O que mais poderíamos querer?

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Helau! - ou: carnaval na Alemanha

Para quem não é de folia, o carnaval é uma oportunidade (quase uma obrigação) de viajar para longe. Assim, temos tratado de aproveitar os últimos feriados de carnaval em outras plagas.
À parte a questão da viagem e dos passeios em si, pensar que é carnaval quando se está no exterior traz duas possibilidades. Uma, a de que os dias passam como quaisquer outros e o carnaval é uma festa desconhecida - como vivemos, por exemplo, na muçulmana Bósnia. Outra possibilidade é a de que existe, sim, carnaval. O que é interessante porque, em qualquer outro país do mundo, o carnaval é provavelmente diferente do que conhecemos no Brasil.
De qualquer forma, o fato é que viajamos sem nos preocuparmos com o carnaval. Fomos para a Alemanha.
Frankfurt, ou Frankfurt am Main, que os lusitanos chamam de Francoforte do Meno, não é uma cidade particularmente turística, mas ainda assim vale a visita. Passeando por lá, descobrimos quase sem querer, entre outras coisas, que o carnaval é um desfile pelas ruas. Carros alegóricos, gente fantasiada e alguns instrumentos musicais - tudo muito bem feito, mas sem o exagero (ou grandiloquência) do Rio de Janeiro. Os carros alegóricos lembram certos trios elétricos, mas às vezes são pouco mais que kombis - embora, na Alemanha, é comum ver uma Mercedes onde esperaríamos uma Kombi.
As pessoas, especialmente as crianças, ocupam as calçadas das ruas por onde vai passar o desfile. Curiosos que somos, imitamos o povo e nos colocamos também à espera dos foliões. Que passam coloridos, lançando ao ar o brado oficial do carnaval alemão - Helau! - e recebendo precisos e incompreensíveis versos alemães como resposta. De quando em quando, jogam doces. Sim! Para alegria das crianças e dos gulosos, na Alemanha os foliões desfilam jogando guloseimas para o público. À nossa volta, os mais precavidos têm sacolas para a coleta. Aos poucos, vamos aprendendo: o grito - Helau! - é prenúncio de uma chuva de balas, chicletes, pirulitos, bolachas, marias-moles... Mãos ansiosas pulam atrás de um quinhão do doce tesouro. O carnaval de Frankfurt nos conquistou.
Seguimos viagem. Lá pelas tantas, fazemos uma breve parada na pequena e típica cidade de Bad Mergentheim. O acaso (ou nem tanto, afinal é carnaval) faz com que encontremos a população em frenesi, é evidente que o desfile acontecerá dali a pouco. Não nos fazemos de rogados: seguimos para a praça, entre as pessoas, e buscamos uma colocação estratégica para ver os blocos, tirar algumas fotos e coletar os doces que pudermos. Quando o desfile começa, tudo é festa. Helau! Helau! Até que somos atingidos por projéteis - balas alemãs - balas de açúcar! Os doces não só são abundantes como são duros. E parecem ser jogados com toda a força pelos sorridentes alemães. Helau! E levamos as mãos ao rosto para nos protegermos, enquanto as balas fazem um ou outro galo em nossas cabeças. Helau! E procuramos juntar rapidamente o que sobrou de balas espalhadas pelo chão para então recuar estrategicamente, buscando um lugar seguro.
A viagem e o carnaval ainda continuaram. Helau! - seguimos ouvindo no dia seguinte, e nosso coração batia, nossos corpos se encolhiam e nossos olhos buscavam identificar o próximo bonachão e insuspeito franco-atirador de doces.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Nas Arábias, ao vivo e a cores

Já que dizem que uma imagem vale mil palavras, aqui vai mais das nossas andanças pelos Emirados Árabes. A música que embala o vídeo é da cantora Yara, exatamente a mesma que serviu de trilha sonora para nossas viagens de carro entre uma cidade e outra por lá.


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

GP de Abu Dhabi

Sim, estivemos em Abu Dhabi para o GP e acompanhamos a final do campeonato de Fórmula 1 ao vivo e in loco. Para quem gosta de automobilismo, como nós, foi uma experiência incrível. Ainda mais porque essa foi uma experiência bastante completa mesmo - a organização do evento é realmente muito boa e há muito para se ver e fazer o tempo todo. Tanto que voltávamos para o hotel à noite, cansados e satisfeitos e já esperando pela ação do dia seguinte. Mas, se é para falar do que vimos do GP de Abu Dhabi de 2014, aqui vai um vídeo em primeira pessoa.


domingo, 11 de janeiro de 2015

O Grão-Duque e os Castelos

Qualquer viajante razoável terá visitado repúblicas: países como a Argentina, os Estados Unidos, França, Itália ou Portugal. Sem contar nosso próprio Brasil ou tantos outros lugares por esse planeta afora.
Muitos terão ido além e visitado algum reino. Como o Reino Unido, claro, mas também a Espanha ou o célebre Reino da Dinamarca, além de outras terras nórdicas. Para quem não está acostumado, a proximidade com reis e rainhas não deixa de ser curiosa.
Com sorte ou disposição, o viajante terá pisado num território governado por um príncipe - a começar pelo Principado de Mônaco.
Assim, juntamente com cidades e países, vai-se colecionando formas de governo.
Pois bem, hoje é dia de falar de um lugar que tem um Grão-Duque como chefe de estado. Adivinharam? Trata-se de Luxemburgo.
Afinal, esse pequeno e belíssimo país espremido entre a Bélgica, a França e a Alemanha é um Grão-Ducado. Fotos e imagens alusivas ao grão-duque e à família real - ou seria (grã-)ducal? - são encontradas facilmente nas lojas da capital.
Sei muito pouco sobre o Grão-Duque, mas ele é certamente alguém de sorte, pois não apenas nasceu em berço de ouro, mas num país que é uma verdadeira joia europeia, cenário de contos-de-fadas. E poliglota, se contarmos que um lugar tão pequeno tem três línguas oficiais, incluindo a sua própria (luxemburguês) e que todos por lá também falam inglês.
Mas talvez o mais legal seja mesmo percorrer Luxemburgo em busca de seus castelos. Para início de conversa, como o país é pequeno, não é difícil ir de uma ponta à outra. Saímos da capital, que por si só já vale a visita, e percorremos uma sucessão de vales sinuosos, muito deles pontuados por rios estreitos. E, no alto das colinas, castelos típicos exatamente como imaginamos que devem ser: muralhas de pedra, cercados por fossos e com ponte levadiça, torreões e tudo o mais.
Começamos pelo castelo de Vianden, que corresponde bem à descrição que fazemos mentalmente. O castelo, por dentro e por fora, é lindo, e está repleto de histórias de reis, de grão-duques e de guerra (não esquecer que castelos tinham um fim bélico). Não somente de guerras medievais: o de Vianden chegou a desempenhar papel fundamental na Segunda Guerra, quando foi sitiado pelos nazistas na sua invasão de Luxemburgo.
Em Esch-sur-Sûre, o que chama a atenção é a minúscula cidade cortada por um rio. Dali, subindo uma ladeira não muito longa, chega-se às ruínas de outro castelo. Que se destaca sobretudo pela vista que oferece do vale, do rio e da própria cidade. Dê-lhe encher os olhos e os cartões de memória das câmeras com essa paisagem!
Descendo do castelo até o que parece ser o centro de Esch-sur-Sûre, encontramos um lugar para almoçar.
Seguindo caminho, mais além encontramos o castelo de Bourscheid. Nesse, os muros parecem ainda mais antigos que em Vianden (certamente, a sua última reforma é que é mais antiga).
Depois, o dia já está chegando ao fim, e voltamos à cidade de Luxemburgo, a capital. Onde, para não fugir à regra, não faltam castelos e construções fortificadas - e esses, em geral, conseguimos explorar a pé. Para citar um último, há o Forte Thüngen que, perfeitamente restaurado, guarda um museu de história que tem tudo a ver com o passeio.