quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Uma cidade nas montanhas da Eslováquia

por Eduardo TrindadeBanská Štiavnica é uma pequena cidade nas montanhas da Eslováquia. Chega-se a ela após dirigir cerca de duas horas desde a capital Bratislava, incluindo um serpenteante trecho de subida. Esse trecho requer especial cuidado nas condições em que o percorremos - à noite e na neve do inverno. Pois o simpático e valente Škoda (como resistir à tentação de dirigir um carro local?) fez a subida sem reclamar. Já bem perto do destino final, a estrada volta a descer um pouco, visto que, a rigor, a cidade se localiza numa depressão, uma espécie de vale entre as montanhas. No vale e nas encostas que o cercam, em antigas ladeiras, estende-se Banská Štiavnica.
(A propósito: uma das histórias contadas por lá diz que as mulheres de Banská Štiavnica estavam entre as preferidas dos homens da região. O motivo? As suas pernas fortes, cultivadas às custas de subir e descer colinas.)
Pois então. Como eu dizia, chegávamos em Banská Štiavnica, o GPS indicava faltar uns 100 m até nossa pousada e lá ia eu fazer a última curva do trajeto. Noite fechada, neve dos dois lados da estrada que, agora, se resumia a uma rua íngreme. Então senti um pneu deslizar - gelo! O carro escorregou ligeiramente e não saiu mais do lugar. Estávamos atolados na neve. O Škoda certamente já teria enfrentado situações mais exigentes mas, em compensação, era a primeira experiência do humilde cronista que vos fala numa subida nevada. Valeu mais a minha inaptidão: sim, estávamos atolados.
Feita a constatação, o próximo passo foi fracassar nas tentativas usuais de sair do atoleiro - eu não conseguia empurrar o carro, nem parecia haver tábuas, galhos ou pedras por perto que pudessem servir de ajuda, e o carro não conseguia tração. Olhávamos em volta e não havia vivalma.
Como nem tudo é desastre, porém, tínhamos tido a (relativa) sorte de parar bem perto do nosso destino. Assim, caminhando um pouco, achamos a Penzión Resla pri Klopačke, onde fomos atendidos por uma senhora que providenciou nosso check-in enquanto explicávamos a situação e pedíamos ajuda. A mulher era solícita, mas falava pouco e com um sotaque quase incompreensível! Entendemos que devíamos esperar ali na recepção. Já era tarde, estávamos cansados e preocupados mas, na falta de alternativa, esperamos. Até que nossa anfitriã reuniu um punhado de gente disposta a ajudar! Fomos até onde estava o carro e, com a ajuda de tantos braços, não foi difícil tirar o carro do atoleiro. Ufa!
Depois de uma noite de descanso no apartamento (gigante) da pousada, hora de descer para o café da manhã. Não havia ninguém na recepção. E nenhuma porta que indicasse uma cozinha ou refeitório. Vasculhei tudo. Esperei que alguém aparecesse. Em vão. Vasculhei mais, tentei alguma porta. Fechada. Toquei a sineta sobre o balcão. Nada. Voltei para o quarto. Esperei. Tornei a descer. Intrigado. Não sei por que, ocorreu-me abrir a porta que dá para a rua. Do lado de fora, no frio, um cartaz enigmático parece apontar para o café da manhã num prédio anexo. Bingo! Assim, aos poucos, íamos aprendendo como fazer para que Banská Štiavnica se deixasse desvendar. Quando saímos, depois de alimentados, descobrimos um pouco mais da pequena e bela cidade: não um, mas dois castelos; os prédios históricos; antigas minas de prata; uma rampa para trenós numa das ruas do centro; e um certo ritmo suave e silencioso que só se encontra nas pequenas cidades nevadas.

por Eduardo Trindade

domingo, 6 de setembro de 2015

Em Macau, patacas

Macau é uma cidade definitivamente curiosa.
Para começar, fica na China e, ao mesmo tempo, fora dela. Tecnicamente Macau é uma Região Administrativa Especial da China, o que significa dizer que possui um grande grau de autonomia, bem diferente do restante do país. Assim, qualquer um que entra ou sai da cidade, incluindo os próprios chineses, precisa mostrar o passaporte e passar pelas formalidades de imigração (turistas têm de tomar cuidado: como a maioria dos vistos para a China permite uma única entrada no país, uma visita a Macau no meio da viagem significa que o retorno à China não será permitido com o mesmo visto).
No nosso caso, chegamos em Macau após uma travessia de barco desde Hong Kong (outra cidade tão chinesa e não-chinesa como Macau, aliás). A primeira impressão de Macau é imponente: uma cidade moderna, de prédios altos e arquitetura arrojada. Após desembarcar, descobrimos que os arranha-céus dividem espaço com velhas ruelas de casas tipicamente chinesas. Ou quase.
Macau foi uma colônia portuguesa durante séculos e só passou oficialmente à China no final de 1999. Então, apesar de a maioria da população ser de etnia chinesa, o português continua sendo a primeira língua oficial. As placas de ruas estão escritas em chinês e em português. Lusófonos como nós não podem deixar de achar graça quando, no ônibus, uma voz gravada anuncia cada parada: primeiro em cantonês, depois num português com sotaque europeu e finalmente em inglês. Assim:
- Beishang de jietou shengmu - rua Nossa Senhora das Dores - Nossa Senhora das Dores street.
Sim, e as ruas têm, quase todas, esses nomes tipicamente portugueses. Infelizmente para nós, parece que hoje em dia pouca gente em Macau ainda é fluente na última flor do Lácio.
Na cidade, é verdade que vimos muito pouco do que os guias dizem ser os principais atrativos de Macau: de um lado, a parte antiga e suas ruínas de igrejas e outras construções portuguesas e, do outro lado, os brilhantes cassinos. São dois lados quase opostos, diga-se. As ruas mais antigas são estreitas, confusas e apinhadas de lojas diversas, lembrando bairros similares em outras partes da China. No lado moderno, Macau tem um quê de Las Vegas do Oriente (ou de Mônaco chinesa, com o Grande Prêmio de Macau percorrendo suas ruas) que deve ser impressionante à noite - mas só a vimos de dia e, de qualquer forma, o giro das roletas não exerce tanto fascínio sobre nós. Em vez disso, reparamos nos detalhes. Lembram da moeda corrente de Patópolis? A pataca? A "moeda número 1" do Tio Patinhas era uma pataca. E a moeda de Macau? A pataca. Pois é. Como não gostar de um lugar onde as coisas são pagas em patacas?