Ao que parece, uma imersão na cultura de Istambul, para ser completa, deve incluir uma ida ao Grand Bazaar, o principal (e tradicionalíssimo) local de compras da cidade. Pois lá fui eu, porto-alegrense curtido em anos de visitas ao Brique...
Valeu-me mais meu aprendizado prévio em termos de compras na China e, principalmente, na Índia. Não que o Grand Bazaar seja caótico como a Índia; achei-o até relativamente organizado perto do que eu esperava (mas não se compara com nenhum "shopping center", claro).
O que logo se percebe, no entanto, é que fazer comprar no Grand Bazaar envolve todo um ritual - e por isso não é exagero chamar a ida às compras de experiência. Pois experimentemos, mas com certo método, como convém ao lugar.
Primeiro, um volta como quem não quer nada, tirando fotos e escolhendo discretamente o que comprar.
Ao abordar um vendedor (ou, mais provavelmente, ser abordado por ele), já sei que o ritual teve início. Ele pergunta de onde sou, respondo que do Brasil, ele capricha no português para dizer "oi, tudo bem?" Pergunto quantas línguas ele fala, ele me diz que nove - fora o português, que está recém aprendendo.
O vendedor convida para sentar e oferece chá. Faz parte da experiência, sempre vão oferecer chá, quer eu compre ou não. É curioso, aliás, que o serviço de chá seja terceirizado: o chá não é feito na loja, mas vem trazido de bandeja por alguém chamado discretamente pelo vendedor. Em todo o bazar os entregadores de chá andam para lá e para cá.
Depois de jogar conversa fora, de dar uma olhada no produto e de fazer algumas perguntas sobre ele, vem o momento crítico: pergunto o preço.
Nessa parte, é importante saber pechinchar, o que inclui ter coragem para baixar o preço pedido pela metade. Se ele me diz que custa 200 liras, ofereço 100. Ele diz que a mercadoria vale 500, elogia o material, ressalta que é feito à mão... Ofereço 120 e ressalvo que não pago mais que isso. O vendedor diz que gostou de mim e é meu amigo, que insiste em fazer negócio comigo, sugere 150. Insisto nos 120, e mais, quero pagar com cartão. Ele momentaneamente se vira para receber outro cliente, oferece chá etc., então volta para mim: 150? Eu respondo: 120. Ele faz um gesto com a cabeça, chama um ajudante para ajudar a embalar, passa o cartão, aperta minha mão efusivamente, dizendo que foi um prazer fazer negócio comigo.
Bem, não sei se aquilo valia 100 liras, saio com a forte impressão de ter pago mais caro do que devia... Mas ainda é barato para os padrões brasileiros e, afinal, não tinha mesmo jeito: eles têm uns 2000 anos de experiência na arte de negociar, nós temos 500 anos de experiência na arte de ceder ouro em troca de espelhinhos.
Um pouco depois, vou ao Bazar das Especiarias. Esse, sim, é mais assustador. Os gritos sugerem que logo alguém vai sair esfaqueado, parece uma briga feia, mas trata-se apenas dos pregões dos vendedores.
Se lá no Grand Bazaar se tratava de compras grandes e médias, aqui se trata das coisas menores do dia-a-dia: queijos, peixes, castanhas, tâmaras, pistache, chás, doces, temperos... Especiarias, claro. Não quer dizer que também não haja colares, roupas, utensílios domésticos... Mas quer dizer que há muito mais gente e, principalmente, mais turcos (ou seja, menos turistas). Compro chá. Desta vez não tive tanta paciência para pechinchar, em compensação foi bem mais barato. De qualquer maneira, saio com a impressão de que, se existe um paraíso para compras, ele fica em Istambul. E, se existe um inferno para compras, também fica no mesmíssimo lugar.