Rumo: norte. Foram duas horas sobrevoando o mar (antes, houve toda uma viagem até a improvável cidade de Tromsø). Então o avião embicou, rasgou as nuvens, despistou algumas montanhas nevadas e pousou na pista que apareceu à sua frente. Estávamos em Svalbard.
Svalbard, arquipélago norueguês a apenas mil quilômetros do Polo Norte, onde tudo que há é o mais setentrional do planeta: o local mais ao norte permanentemente habitado pelo homem; a igreja mais ao norte; o hospital, o spa, o mercado, o museu, o busto de Lênin... tudo mais ao norte. Svalbard, reino do urso polar - soberano do gelo - e da majestosa baleia-azul, soberana dos mares, o maior animal que nosso planeta já viu.
Descer em Svalbard é surpreendente. No entanto, à chegada, o que choca pelo menos tanto quanto a natureza é a presença humana. Quase no verão, com boa parte da neve já derretida, pisa-se num terreno pedregoso e arenoso, uma legítima paisagem lunar. E vê-se as marcas de uma corrida espacial bem humana: ruínas de minas de carvão, grandes contêineres, barcos, máquinas diversas (umas em funcionamento, outras desativadas). Chegamos à nossa pousada, adaptada num antigo alojamento para mineiros, e a impressão se acentua, como se estivéssemos num cenário (entretanto real) de faroeste: a decoração inclui um pórtico com galhadas de renas, peles de foca pelo chão, peles de raposa penduradas, velhas fotos de mulheres seminuas e de caçadores com suas presas.
É preciso um tempo para se acostumar com esse clima e entender que ele, afinal, representa bem a história de Longyearbyen (a principal cidade, onde estão 2000 dos 2600 humanos do arquipélago) e seu passado de caçadores, exploradores e mineiros. Só então passamos a desfrutar do aconchego polar e da vista da janela, por onde desfilam patos com seus filhotes, além de várias outras aves, uma raposa do ártico e, um pouco mais além, algumas renas.
Depois, de barco, permitimo-nos conhecer Svalbard em seu estado mais natural: geleiras, icebergs, platôs e montanhas com o topo nevado, algumas focas à distância e muitas aves. Revimos puffins! Bandos de puffins grandes, com o bico colorido e a graça de sempre. O sol da meia-noite: já experimentáramos a falta de escuridão no continente, mas aqui ela é mais extrema, o sol sequer chega perto de tocar o horizonte. Com isso, perde-se facilmente a noção da hora. Frio nem tanto (é verão), mas um vento (literalmente polar) de cortar a espinha nos trajetos de barco. Trilhas com e sem neve, placas avisando da possibilidade de um urso cruzar de repente o nosso caminho (nenhum grupo sai do povoado sem estar armado de rifle), snowmobiles, morro acima e morro abaixo, rios e cachoeiras. Fósseis de antigas histórias gravadas nas pedras, flores minúsculas, vidas persistentes no clima inóspito. Escolas, hospital e pesquisadores do Ártico. Povoados vivos e uma cidade morta que não sobreviveu à Guerra Fria. Svalbard surpreende pelo tanto de improbabilidades que esconde.