quinta-feira, 9 de julho de 2015

Para o norte e avante

Eduardo TrindadeEduardo TrindadeRumo: norte. Foram duas horas sobrevoando o mar (antes, houve toda uma viagem até a improvável cidade de Tromsø). Então o avião embicou, rasgou as nuvens, despistou algumas montanhas nevadas e pousou na pista que apareceu à sua frente. Estávamos em Svalbard. Svalbard, arquipélago norueguês a apenas mil quilômetros do Polo Norte, onde tudo que há é o mais setentrional do planeta: o local mais ao norte permanentemente habitado pelo homem; a igreja mais ao norte; o hospital, o spa, o mercado, o museu, o busto de Lênin... tudo mais ao norte. Svalbard, reino do urso polar - soberano do gelo - e da majestosa baleia-azul, soberana dos mares, o maior animal que nosso planeta já viu.
Eduardo TrindadeDescer em Svalbard é surpreendente. No entanto, à chegada, o que choca pelo menos tanto quanto a natureza é a presença humana. Quase no verão, com boa parte da neve já derretida, pisa-se num terreno pedregoso e arenoso, uma legítima paisagem lunar. E vê-se as marcas de uma corrida espacial bem humana: ruínas de minas de carvão, grandes contêineres, barcos, máquinas diversas (umas em funcionamento, outras desativadas). Chegamos à nossa pousada, adaptada num antigo alojamento para mineiros, e a impressão se acentua, como se estivéssemos num cenário (entretanto real) de faroeste: a decoração inclui um pórtico com galhadas de renas, peles de foca pelo chão, peles de raposa penduradas, velhas fotos de mulheres seminuas e de caçadores com suas presas. É preciso um tempo para se acostumar com esse clima e entender que ele, afinal, representa bem a história de Longyearbyen (a principal cidade, onde estão 2000 dos 2600 humanos do arquipélago) e seu passado de caçadores, exploradores e mineiros. Só então passamos a desfrutar do aconchego polar e da vista da janela, por onde desfilam patos com seus filhotes, além de várias outras aves, uma raposa do ártico e, um pouco mais além, algumas renas.
Eduardo TrindadeDepois, de barco, permitimo-nos conhecer Svalbard em seu estado mais natural: geleiras, icebergs, platôs e montanhas com o topo nevado, algumas focas à distância e muitas aves. Revimos puffins! Bandos de puffins grandes, com o bico colorido e a graça de sempre. O sol da meia-noite: já experimentáramos a falta de escuridão no continente, mas aqui ela é mais extrema, o sol sequer chega perto de tocar o horizonte. Com isso, perde-se facilmente a noção da hora. Frio nem tanto (é verão), mas um vento (literalmente polar) de cortar a espinha nos trajetos de barco. Trilhas com e sem neve, placas avisando da possibilidade de um urso cruzar de repente o nosso caminho (nenhum grupo sai do povoado sem estar armado de rifle), snowmobiles, morro acima e morro abaixo, rios e cachoeiras. Fósseis de antigas histórias gravadas nas pedras, flores minúsculas, vidas persistentes no clima inóspito. Escolas, hospital e pesquisadores do Ártico. Povoados vivos e uma cidade morta que não sobreviveu à Guerra Fria. Svalbard surpreende pelo tanto de improbabilidades que esconde.

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