quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Estas cidades do interior...

Há viagens que nos proporcionam emoções deliciosas.
Grandes cidades têm aderido à popularização das viagens turísticas e oferecem atrações dificilmente imbatíveis: city tours, monumentos, museus, sem contar os hotéis de luxo e os grandes navios de cruzeiro. O problema disto tudo é que, se simplesmente nos deixarmos levar, a viagem terá aquele gosto de comida industrializada, congelada e embalada para ser aquecida no microondas.
Para nossa sorte, gravitando em torno destes destinos mais badalados estão as pequenas cidades. Aquelas que nos oferecem o sabor do doce que nossas mães e avós costumavam fazer em casa. Quem prova, leva consigo uma lembrança toda especial deste sabor.
Às vezes, eu me surpreendo com o estilo, ao mesmo tempo familiar e completamente diferente, que têm certas cidades do interior... É um resgate, amplificado e regado com um toque pitoresco, de coisas que marcam uma vida.
As estradas gaúchas estão pontuadas de barracas que vendem os mais diversos itens. Algumas não passam de uma tenda com o produto de determinada região – seja ele pinhão, melancia, morango, laranja, vinho. Outras são grandes vendas de beira de estrada que contam com tudo isso e mais artesanatos, erva-mate e os tradicionais queijos, salames, copas, caldo-de-cana, cucas, chimias, mandolates... Um mundo. Para muitos, cada um destes produtos tem uma história própria e reencontrá-los é voltar a uma época marcante da infância. O caldo-de-cana, assim como os puxa-puxas, lembram-me as frequentes idas ao litoral da minha família, quando eu era criança e a escala numa destas barracas era quase obrigatória. As chimias, compradas ou feitas em casa, estavam sempre na nossa mesa. Os grôstoli ou, em bom gauchês, cuecas-viradas, eram a saborosa marca registrada de nossa divertida e inesquecível tia. Queijos e salames faziam a festa dos adultos: eu confesso que não era particular fã deles, mas passei a ser depois que cresci um pouco mais. E assim fui construindo todo um mosaico...
Que não para, porém, na culinária. Não há como não ser marcado pela atitude das pessoas do interior, tão diferentes nas coisas simples. Não necessariamente melhor ou pior, apenas diferente. Numa destas cidadezinhas, no Natal, gente que eu não conhecia e que era amiga da minha irmã convidou toda a nossa família para um churrasco, de surpresa. E me presentearam com litros do vinho produzido por eles mesmos. Noutra ocasião, também no interior do estado, conheci pessoas interessantíssimas que praticamente só falavam um carregado dialeto italiano – não por afetação, apenas por costume.
Mais recentemente, fui visitar minha irmã em Nova Prata, cidade que não é das menores. Encontramos a praça central com um palco armado para a apresentação de Luiz Marenco, músico nativista. Fomos comer um crepe suíço (certo, não é algo tão natural quanto os citados queijos e chimias, mas para mim é tão nostálgico quanto eles). Puxando assunto com a moça que nos atendeu, disse que minha irmã morava na cidade e que eu tinha vindo do Rio. Ao que a moça replicou:
— Ah, vieste para o show do Luiz Marenco, então?
Minha reação foi sorrir intimamente ao constatar o quanto as referências dela eram diferentes das minhas: a guria achava a coisa mais natural do mundo que eu tivesse saído do Rio de Janeiro para o interior do Rio Grande do Sul por causa de uma apresentação nativista específica! Depois, fiquei pensando que não se trata de este ou aquele músico, esta eu aquela comida, mas de um encontro comigo mesmo, e particularmente com a criança que eu fui e sou. Um encontro que não costuma acontecer nos McDonald’s — lugares que, coincidência ou não, o menino Eduardo frequentava muito menos que as velhas barracas de estrada.

sábado, 17 de outubro de 2009

Os pássaros

A meio caminho entre Porto Alegre e Montevideo, passávamos pelo Taim, e passavam por nós bandos de pássaros voando em V. Para onde iriam aquelas aves que cruzavam nosso céu e nossos sonhos?
Deixavam-me vidrado, colado ao vidro do carro, acompanhando com os olhos aqueles longínquos viajantes. Seriam pássaros uruguaios visitando o Brasil, ou pássaros brasileiros nos acompanhando ao Uruguai, ou talvez visitantes vindos de muito mais longe?
Aquelas aves viajavam em excursões que pareciam tão bem coordenadas! Ninguém se atrasava, ninguém se perdia a olhar lojinhas de quinquilharias, ninguém fechava a cara diante de insossos guias de museus empoeirados!...
Se eu me juntaria a uma excursão destas? Seria uma pena acompanhar o grupo e não poder parar para ver um detalhe da paisagem, ou para conversar com um guri na estrada, lá embaixo... Mas que delícia a companhia daqueles pássaros tão experientes em termos de voos a terras distantes! As tertúlias aéreas que teríamos valeriam, com certeza, por viagens inteiras.
E é por isso que os pássaros, de tempos em tempos, ficam trocando de posição no bando: aposto que estão é passando a cuia de chimarrão de mão em mão... Ou de asa em asa.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Cidade Maravilhosa, Cidade Olímpica


O brasileiro, acima de tudo, é emoção. Isto ficou claro, hoje, na apresentação realizada em Copenhague. Enquanto o discurso das outras candidatas olímpicas apelava para a razão – tecnologia, investimentos em estrutura, condições logísticas – o Rio de Janeiro apelava para o coração. Os argumentos mais fortes foram os menos palpáveis: a ausência de edições anteriores dos jogos na América Latina, a festividade e a nossa fama (justificada ou não) de povo receptivo e simpático.
E então o suspense, a apoteose e o êxtase. Como na apuração dos desfiles de escolas de samba, a leitura do envelope desencadeou reações na cidade inteira e no país inteiro. Reações diversas (o apoio à candidatura foi grande, mas não unânime) com um ponto em comum: a emoção. Uns faziam muxoxo, outros fechavam a cara. Muitos festejaram na praia, gritando, dançando e cantando em diversos ritmos. Outros choraram.
Vejam a cena do presidente Lula chorando copiosamente, rosto afogueado, emoção incontida. Não me lembro de ter visto outro chefe de estado alguma vez numa demonstração tão profunda de emoção. Vejam a cena e digam: este cara pode ter muitos defeitos (e outras tantas qualidades), mas aí está uma reação maravilhosamente autêntica.
E merecida. Sei que ainda se vai falar muito das consequências da escolha do Rio de Janeiro, mas é fato que chegamos a um grau de reconhecimento internacional impensável há não muito tempo.
Não faltam críticas: a cidade tem problemas de transporte, de segurança, de hospedagem. E deveria ter outras prioridades. Bom, eu acho que está mais do que na hora de uma cidade que se pretende turística, e porta de entrada de estrangeiros, investir nisto tudo, e os Jogos Olímpicos são a oportunidade perfeita. Muitos dizem que somos um país corrupto e que o evento será um prato cheio para o desvio de dinheiro público. Eu não discordo, mas penso que não são os Jogos que vão agravar este problema. Se há corruptos, eles independem das Olimpíadas e precisam ser enfrentados com ou sem Jogos. Mais do que isso: se há corrupção e desonestidade, é preciso pensar: não estará ela em todos os níveis? Não somos um país democrático? Os “políticos” são a representação de toda a população. Por que seriam uma classe à parte? Não concordo com a atitude que muitos têm de lavar as mãos, atirando para “os políticos” a responsabilidade de todos os nossos problemas. Se há corrupção, ela é responsabilidade nossa. Pensemos nisto.
Mas não deixemos de pensar, também, que não se chega à toa ao ponto em que chegamos: a cidade e o país aclamados por representantes do mundo inteiro. Merecemos, sim, a festa. Eu, particularmente, adoro receber amigos em casa. Pois que venham, a festa está marcada: Rio de Janeiro, 2016.