quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Unindo as pontas da Europa

Pristina, Kosovo
Neste ano, passamos por dois dos países mais pobres e menos desenvolvidos da Europa - Kosovo e Albânia. Poucos meses depois, visitávamos dois países no extremo oposto da lista - os notoriamente ricos Liechtenstein e Suíça. A coincidência não foi planejada, tanto que só me dei conta dela algum tempo depois. Isso não quer dizer que não tenhamos podido fazer algumas comparações muito interessantes.
A viagem ao Kosovo fora sonhada e planejada durante bastante tempo. Estávamos um pouco apreensivos com o que encontraríamos lá, dado o histórico recente de conflito armado na região. Mas acabou sendo uma viagem muito tranquila (além de fascinante!). Na Albânia estivemos só de passagem, literalmente, mas vimos os impressionantes e onipresentes abrigos antibombas que estão por toda parte. Também aprendemos que o próprio Kosovo é, decididamente uma região (de etnia) albanesa.
Para visitar Suíça e Liechtenstein, estávamos bem mais despreocupados. Claro que qualquer viagem sempre requer algum planejamento, mas, neste caso, tudo era mais fácil: há informações fartas e detalhadas na Internet; são países (principalmente a Suíça) bastante habituados a receberem turistas; e, de quebra, têm uma longa tradição de não-envolvimento bélico (neste ponto, mais uma vez, o oposto do Kosovo).
Mas afinal... Como é estar lá realmente? Nada substitui a experiência real do lugar, e toda viagem sempre traz alguma surpresa. Então vamos por partes...
As pessoas
Praticamente todas as pessoas com quem conversamos no Kosovo são simpáticas e sorridentes. Mesmo em lugares simples, sentíamos que nosso interlocutor tinha um interesse genuíno na nossa presença ali, quase como se coubesse a ele retribuir o fato de receber visitas de tão longe. De certa forma, a hospitalidade faz parte da cultura albanesa. Não há como dizer que não fomos bem tratados!
Já na Suíça, não é que as pessoas não sejam simpáticas - longe disso. Mas são menos efusivas e mais fechadas. Coisas de um país maior (embora as cidades suíças nem sempre sejam tão maiores que as kosovares) e mais cosmopolita. Ainda assim, é difícil generalizar. No pequeno principado de Liechtenstein, por exemplo, fomos incrivelmente bem recebidos por uma de nossas anfitriãs, tivemos um curioso momento de conversa com operários de uma obra e não há como menosprezar o fato de que estivemos cara a cara com a família real no aniversário do país.

Triesenberg, Liechtenstein
Limpeza e organização
Aqui é onde a comparação se faz mais gritante. No Kosovo e na Albânia, o que se vê é de entristecer: rios lindíssimos, de águas azuis cristalinas, salpicados de lixo. Cães de rua revirando sujeira. Prédios abandonados. Parte o coração, e fica-se pensando o quanto disso tudo é culpa (ou consequência) da guerra. Afinal, um país que tem poucos recursos e precisa se reconstruir deve estabelecer prioridades... Mas, ao mesmo tempo em que essa contingência não ajuda em nada, é difícil acreditar que se trate só disso e não de algo mais profundo. Assim como o hábito balcânico de fumar sempre e em todo lugar, difícil de aceitar para quem não está acostumado.
A Suíça, por outro lado... é a Suíça. Não à toa virou exemplo de organização, pontualidade e limpeza para boa parte do mundo.
Comida
A culinária do Kosovo, como de outros lugares dos Bálcãs, reflete muito da antiga ocupação turca: no café da manhã (e no próprio café), no burek, na bebida à base de iogurte (ajran), no croquete (ćevapi)... São coisas que, embora saborosas, chamam-nos a atenção, antes de tudo, por serem levemente exóticas. Já na Suíça a comida não é exótica, pelo contrário: é a terra de alguns clássicos que eles sabem executar à perfeição e entre os quais reinam supremos o fondue e o chocolate ao leite.

Preços
Claro, é quase injusto comparar: os preços no Kosovo são bem mais baixos que na Suíça e ainda mais que em Liechtenstein. Quer dizer que estes últimos são países caros? Depende. Recebe-se pelo que se paga: serviços de primeira qualidade, transporte público farto, confiável e impecável (e, em alguns casos, gratuito); qualidade de vida. No Kosovo as coisas são mais baratas, mas é triste ver obras inacabadas, estruturas precárias, museus subutilizados... E, no final das contas, isso é o que dói mais: saber que a corrupção e a ineficiência privam muita gente de ter acesso a coisas que seriam básicas em outros lugares.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Escópia, a surpreendente capital da Macedônia

Čaršija, o centro antigo
Escópia, a capital da Macedônia, é uma das cidades mais surpreendentes que já visitei. Por mais que cada cidade dos Bálcãs (uma região particularmente diversa) tenha suas peculiaridades, a capital macedônia atual encontrou uma forma única de se diferenciar.
Ao que parece, a cidade - chamada de Skopje ou Скопје nas línguas locais - era um lugar relativamente cinza e sem graça durante a maior parte das últimas décadas. Em 1963, um terremoto arrasou a cidade. O desastre, porém marcou a região de duas formas talvez inesperadas. A primeira delas, política: foi um grande exemplo (ou oportunidade, ou pretexto) para o Marechal Broz Tito, o poderoso presidente da Iugoslávia, usar sua diplomacia visando a atrair investimentos da comunidade internacional. Em plena Guerra Fria, a Iugoslávia gozava de uma posição ímpar: um país não-alinhado, o que tornou possível que o esforço de reconstrução da cidade fosse feito com ajuda tanto do bloco ocidental quanto do bloco dito comunista. Até hoje, muitos logradouros de Escópia têm nomes que homenageiam doadores que ajudaram na reconstrução: a rua México, o quarteirão russo, os blocos sueco e finlandês.
Ponte das Artes sobre o rio Vardar
Mesmo assim, a cidade reerguida dos escombros não deixava de ter a cara da arquitetura socialista iugoslava, ou seja, continuava um tanto cinza e sem graça.
A coisa toda mudou radicalmente há poucos anos, quando a prefeitura resolveu executar um grande plano de reurbanização, enchendo a cidade de monumentos, pontes e prédios grandiosos. O conceito de arquitetura neoclássica foi levado às últimas consequências em colunas, fachadas e outros elementos que lembram nitidamente a antiguidade da região. Algumas das construções impressionam pelo tamanho, outras pelo realismo, outras ainda por um ar, digamos, kitsch - um exemplo é o inacreditável hotel em que ficamos, erguido sobre pilares cravados no rio para imitar um barco. Inusitado, sem dúvida. O hotel-navio disputa a atenção dos passantes com fachadas cheias de colunas, pontes repletas de estátuas e monumentos como o de Alexandre, o Grande. Isso sem contar que em fevereiro de 2017, quando visitamos, a cidade continuava com diversos canteiros de obras a anunciar futuros acréscimos à paisagem.
Uma das muitas estátuas
Não faltam críticos a essa política de urbanismo. Alguns dizem que se trata de desperdício de dinheiro para um povo que não é exatamente rico. Outros dizem que as construções não são "autênticas" ou que deixam de lado a oportunidade de valorizar o trabalho de artistas de vanguarda. Há quem fale que estão transformando Escópia numa Las Vegas dos Bálcãs. Eu particularmente acho as críticas exageradas. Pode haver controvérsias, sim, mas não me resta dúvidas de que todas essas obras fazem da capital macedônia um lugar muito bonito - e quem não gosta de viver num lugar bonito? E as partes antigas da cidade - como as ruínas do forte, o velho centro e os templos - estão sendo preservadas. As novas obras trazem consigo corrupção e desvio de verbas? Provavelmente sim, infelizmente, duma forma que nós brasileiros ja estamos (vergonhosamente) acostumados. Mas é claro que o embelezamento da cidade não é o culpado pela corrupção e não deve ser atacado por isso; não culpemos os frutos sadios pela parte podre. Enfim, o fato é que é difícil ficar indiferente quando se visita Escópia e, ao mesmo tempo, vê-la pessoalmente ajuda muito a entendê-la - como sói acontecer com as cidades, principalmente as longínquas.

Hotel Senigalia, construído num (falso) navio

terça-feira, 16 de maio de 2017

A Antiga República Iugoslava da Macedônia - e o que há por trás deste nome

SkopjeA atual República da Macedônia é um país de história bem peculiar, história essa se reflete na sua cultura, arquitetura, política e modo de vida. Assim como acontece com o Kosovo, é preciso uma certa dose de pensamento não-linear para entender os acontecimentos que levaram a Macedônia a ter a cara que tem hoje.
Para começar, algo básico: o nome. Parece uma questão simples, mas o nome “Macedônia” é objeto de uma disputa ardente entre políticos da própria República da Macedônia e da Grécia, que também possui uma região interna homônima. Os gregos bateram (e ainda batem) tão firme nesta tecla que, ao ganhar independência, o país só foi aceito internacionalmente com o nome de Antiga República Iugoslava da Macedônia – como quem diz, cheio de dedos: “olha, eu me chamo Macedônia, mas isso não quer dizer necessariamente que sou a mesma Macedônia dos gregos ou aquela Macedônia de Alexandre, o Grande, que vocês conhecem”.
No século XIX, o território do que hoje é o país era literalmente disputado por todos os seus vizinhos – sérvios, búlgaros, gregos e albaneses. Já os macedônios propriamente ditos, que viviam ali, era um povo que ninguém sabe dizer exatamente como surgiu: todas as versões são influenciadas por um viés político bem forte. Mas, basicamente, os macedônios são um povo eslavo que habitava uma região periférica de fronteira entre antigos impérios. Tinham similaridades com outros eslavos de religião ortodoxa (búlgaros, sérvios e gregos), mas desenvolveram uma identidade própria. Ao final da Primeira Guerra Mundial, a Macedônia passou a fazer parte da Iugoslávia; separou-se em 1991 – naquela época de guerras nos Bálcãs, foi a única das ex-repúblicas iugoslavas a conseguir independência de forma pacífica. Desde então tenta se firmar, apesar da desconfiança da Grécia e da Bulgária e do fluxo de refugiados albaneses que entraram no país durante a Guerra do Kosovo.
SkopjeComo parte da estratégia para se firmar como nação, foi adotada uma política de identificação do atual país com o antigo Reino da Macedônia através de símbolos como a bandeira, as cores e a própria figura de Alexandre, o Grande. Acontece que a Macedônia antiga era uma região maior e ainda menos homogênea que chegou a englobar bons pedaços das atuais Grécia, Bulgária e Turquia, além da Macedônia propriamente dita. Daí parte da implicância dos vizinhos com o uso do nome e destes outros símbolos. Temem, entre outras coisas, futuras demandas de território.
Bem, e como isso tudo se reflete no dia-a-dia? Definitivamente não dá para generalizar dizendo que uma pessoa comum na Macedônia odeia os gregos ou coisa do tipo. Assim como o nome do país é só um nome e não faz muita diferença na hora em que cada um vive sua vida. Mas a dificuldade de integração internacional (o país tenta há anos ser aceito na União Europeia e na OTAN, por exemplo, mas conta com veemente oposição grega) tem, sim, consequências econômicas. E há o fator dos albaneses, que formam uma “grande minoria” e protagonizam disputas políticas com os eslavos. Em certos momentos, isso fica bem evidente, como, por exemplo, no dia em que resolvemos assistir a uma partida de futebol pelo campeonato local no belo estádio da capital. O jogo era entre Vardar, o maior time do país e identificado com a etnia macedônia, e o Shkëndija, equipe de fortíssima identificação com a etnia albanesa. Em função da rivalidade, foi um jogo de torcida única: para evitar conflitos, os simpatizantes do Shkëndija estão proibidos de assistir a jogos na capital. Em volta do estádio, forte policiamento militar. Dentro, os dois times (primeiro e segundo colocados no campeonato) fizeram uma bela partida diante de arquibancadas quase desertas. É uma pena que nem todas as diferenças possam ser resolvidas pelo esporte.

domingo, 23 de abril de 2017

Montenegro

Montenegro, como os outros países da região, tem uma história bastante conturbada. Já foi ou fez parte de diferentes impérios, reinos, federações. Hoje é uma república relativamente pacífica (paz é um conceito relativo nos Bálcãs).
Em termos de geografia, Montenegro é um país pequeno dividido em duas regiões: o interior é bastante montanhoso e guarda afinidades históricas com a Sérvia; o litoral é onde estão os atrativos turísticos mais famosos do país e, assim como a Croácia, sofreu influência da antiga República de Veneza.
Ficamos hospedados em Podgorica, a capital, uma cidade não muito grande com uma mistura de estilos arquitetônicos onde se destacam as ruelas do antigo bairro otomano e os blocos e avenidas da época iugoslava. Em Podgorica, estávamos a cerca de 50 quilômetros do litoral e nos planejamos para alugar um carro, com o que poderíamos explorar o país no pouco tempo que teríamos por lá.
Saindo da capital em direção ao sudoeste, a estrada passa pelo belo lago Skadar e atravessa um túnel até chegar nas cidades do litoral. É um trecho rápido e agradável, que permite explorar o sul de Montenegro. Lá descobrimos, por exemplo, que entre os séculos XVI e XVIII a cidade de Ulcinj foi uma base de pirataria famosa (e temida). Dizem que foi em Ulcinj que Miguel de Cervantes foi prisioneiro e escravo após a batalha de Lepanto; dizem ainda que o próprio nome de Dulcinea seria uma referência a Dulcinium, o antigo nome latino de Ulcinj. A história é interessante e quase desconhecida fora de Montenegro. Já a cidade em si tem uma atrativa parte antiga, toda murada, que se eleva num promontório com vista para as belas águas do mar Adriático.
Um pouco mais ao norte está Budva, outra cidade litorânea cercada por antigas muralhas que vale a visita. No caminho entre as duas está Sveti Stefan (Santo Estevão), figurinha fácil nos cartões-postais de Montenegro. É uma pequena ilha que foi ligada ao continente por um istmo e que chama a atenção de longe. Eu já vira imagens de lá e tinha muita curiosidade de conhecer o lugar, embora não soubesse nada da sua história. Daí que fomos até lá. Na entrada do istmo havia uma guarita. Eu fui caminhando em direção à ilha enquanto a Renata, inibida pela guarita ou talvez pressentindo algo, parou. Pois foi só eu dar uns passos na elegante passarela que leva à ilha que fui chamado - e impedido de continuar - pelo segurança. A ilha inteira é propriedade privada - é um hotel ou, melhor dizendo, um exclusivo resort de luxo! Tive de recuar com o rabo entre as pernas. Mais tarde, pesquisando, descobri que o lugar era originalmente uma vila fortificada e que, durante o breve Reino da Iugoslávia, foi usado como residência de verão da família real. Com a chegada da república, virou um complexo de luxo - e, mesmo com algumas mudanças de dono, é o que continua sendo até hoje.
Seguindo mais ao norte (e assim terminando nosso recorrido por praticamente todo o litoral montenegrino) está a baía de Kotor, cujo ponto principal é a cidade de mesmo nome. Kotor é mais uma antiga joia veneziana no Adriático e, na minha opinião, a cidade mais bonita que visitamos em Montenegro. As ruas e praças são lindas, assim como o entorno. Kotor tem até um museu dedicado aos gatos! Pena termos ficado pouco tempo lá.
Bem, fizemos esse passeio pelo litoral ao longo de dois dias. Ao final do primeiro dia, seguimos o GPS para voltar a Podgorica. No caminho, ainda nos demos ao luxo de oferecer carona. A estrada subia por um caminho bem mais íngreme e estreito que o da ida - não se trata apenas do nome, Montenegro é um país realmente montanhoso. Mas o pior não era isso: aqui e ali havia obras na estrada que deixavam apenas uma faixa disponível ao tráfego, o que gerava pequenas paradas até que pudéssemos seguir em frente. Em certo ponto, já com mais de metade do caminho percorrido, chegamos a uma estrada grande e razoavelmente plana. Respirei aliviado, achando que o pior já havia passado. Porém: oh, ilusão! Logo adiante nesta mesma estrada havia um bloqueio (certamente mais alguma obra) e uma fila de dezenas de carros esperando, motores desligados, motoristas caminhando e fumando no acostamento... Não tivemos escolha senão esperar uma boa meia hora até que o trânsito começasse a andar - e descobrir que sairíamos da estrada para enfrentar uma íngreme descida de terra até praticamente os subúrbios da capital.
Kotor bay
No dia seguinte, já sabíamos que, não importa o que dissesse o GPS, aquele era um caminho a ser evitado. Assim, para ir até Kotor, no litoral norte, demos toda uma volta pela parte razoavelmente plana do litoral sul. Na volta, não resisti e resolvi pegar outro caminho (mais uma vez recomendado pelo GPS) que passava por Cetinje, a antiga capital. Bem, o asfalto até que era bem conservado, mas a subida era ainda mais acentuada que a do dia anterior e pontuada por dezenas de curvas acentuadas - cotovelos de quase 180 graus. A belíssima vista da baía de Kotor nos consolava, até que, em certo ponto, topamos com mais um bloqueio. Não havia muitos outros carros mas, como o trânsito não andava, resolvi descer e perguntar. A resposta foi breve: "Bum, bum! [fazendo sinal de quem explode algo] Do četiri." Minha interpretação: a obra envolvia dinamitar alguma coisa mais à frente e deveríamos esperar mais quatro (četiri) minutos. Mas se passaram quatro, cinco, dez minutos, e nada. Foi só então que compreendi o que ele literalmente dissera: até as quatro [horas]. Olhei para o relógio e vi que não faltava muito (pudera, já estávamos esperando há algum tempo). Quando andamos, foi para mergulhar num dejà vu: perto de Cetinje, demos novamente carona (desta vez, para uma senhora montenegrina); mais adiante, uma nova bifurcação nos levou à mesma autoestrada do dia anterior. Ou seja, a mesma fila de carros, a mesma espera, o mesmo "atalho" pelo barranco de terra. Foi já bem cansados que chegamos em casa. O país pode ser pequeno, mas tem caminhos que o fazem parecer tão grande!

domingo, 16 de abril de 2017

A histórica Prizren

Eduardo TrindadeDe Pristina, seguimos caminho até Prizren - esta acabou sendo, na minha opinião, a mais bonita das cidades que visitamos no Kosovo. É também, sem dúvida, a cidade em que o passado otomano da região é mais visível.
A espinha dorsal de Prizren é o rio Bistrica, cortado por belas pontes e ladeado por cafés, restaurantes e calçadas de pedestres. Mesquitas (e também algumas igrejas cristãs) pontuam a cidade e suas ruas. Dominando a paisagem, no alto, está a fortaleza de Prizren.
Quando falo do passado otomano, no entanto, não quero dizer hegemonia cultural. Pelo contrário: trata-se dos Bálcãs, do Kosovo... Uma região de muitas misturas. Claro que a influência albanesa, turca e muçulmana está por toda parte - a começar pelas mesquitas cujos minaretes se avistam de longe. Mas, por exemplo, basta sentar num dos cafés na margem esquerda do rio para encontrar doces com uma certa inspiração vienense (a Áustria também já dominou essas terras). Por outro lado, o café em si pode muito bem ser tirado à moda balcânica (ou turca), com um pó grosso decantado num bule de cobre, e não coado. Para matar a fome, quem quiser vai encontrar a universal pizza, mas também pode provar o tradicionalíssimo burek com iogurte ou ayran. Um legítimo burektore é um estabelecimento simples, sem cardápio, que só vende isso mesmo: burek que vem a ser uma espécie de pastel de massa folhada, acompanhado de ayran (iogurte diluído e salgado) ou de iogurte natural puro. Muito barato e saboroso, exceto pelo fato de que não consigo me acostumar à ideia de uma bebida salgada, como é o ayran.
Do outro lado do rio, ruas antigas, estreitas e sinuosas convergem para a čaršija - centro antigo, bazar e rua de comércio (onde, aliás, comprei um belo canivete artesanal do Kosovo).
Afastando-se do centro, há construções mais modernas, como a universidade, um parque para exercícios e um surpreendente supermercado com arquitetura inspirada na Casa Branca (os kosovares realmente amam os Estados Unidos).
No sopé do monte e seus arredores, construções sérvias: capelas e igrejas ortodoxas. Subindo (uma caminhada íngreme, porém curta), chega-se às ruínas do velho forte, de onde se tem uma vista maravilhosa da cidade e de todo o vale. Indo além, pode-se descer pelo outro lado, numa trilha em meio à natureza que aparentemente é bastante utilizada pelas pessoas da cidade em seus exercícios matinais. Como tudo o mais em Prizren, a trilha encontra o rio e segue ao lado dele. A cidade tem alguns museus - notadamente o Museu da Liga Albanesa de Prizren e o Museu Arqueológico - mas, como em outros lugares do Kosovo, o acervo não é grande. Foi só depois, em livros e na Internet, que pude descobrir o que era a Liga Albanesa de Prizren (um movimento que pretendeu lutar pelos direitos e eventual independência da maioria albanesa no século XIX). No Museu Arqueológico, instalado num antigo banho turco, fomos recebidos com simpatia por um funcionário que nos guiou pelas salas quase vazias. No final das contas, a história estava do lado de fora, no rio que corre, no ar cortado pela voz que emana das mesquitas e nas ruas repisadas por pés anônimos.

domingo, 9 de abril de 2017

Da velha Iugoslávia ao jovem Kosovo: Pristina

Sendo a capital e maior cidade do Kosovo, Pristina é também a mais famosa. Assim, havia também uma expectativa para finalmente conhecê-la. Por coincidência, chegamos a Pristina no dia 17 de fevereiro, aniversário da declaração de independência do país - algo bastante significativo para um estado que ainda está tentando se firmar política e economicamente. Encontramos o centro lotado de pessoas marchando, música, crianças com cartazes e as ruas decoradas com bandeiras. Mas foi no dia seguinte, com a cidade mais calma, que pudemos conhecê-la melhor.
Com 200 mil habitantes, a cidade tem um bom tamanho - uma longa e bonita rua de pedestres (a Bulevardi Nënë Tereza), universidade, estádio, shopping center, teatro, restaurantes, monumentos. É, ao mesmo tempo, precária: o estádio (interditado, em obras) oferece uma triste visão; há muito lixo nas ruas; a estação de trem está abandonada; os museus (apesar da boa vontade de quem trabalha lá) contam com exposições um tanto decepcionantes. Sem contar que não há sinal da presença sérvia por lá (a maior igreja ortodoxa do centro está abandonada e em ruínas). Além disso, parece que os serviços públicos são notoriamente pouco confiáveis: dizem que há ou havia falta de energia elétrica (se é verdade, não presenciamos) e de água (isso sim experimentamos onde ficamos hospedados).
Kosovo National LibraryAliás, o apartamento em que nos hospedamos acabou sendo parte importante da nossa experiência em Pristina (e, por que não dizer, no próprio Kosovo). Era um apartamento num velho prédio residencial da época iugoslava a poucos passos do coração da cidade. Exceto pela localização, não podíamos dizer que era luxuoso. Apesar disso, cada detalhe (da programação da televisão aos cortes de água que aconteciam toda madrugada e que, conforme apurei, são uma precária maneira de minimizar o desperdício que ocorre devido a vazamentos nas linhas da cidade) nos deixava com a sensação de ainda estar vivendo em plena época da Guerra Fria - ou da antiga Iugoslávia. Não podíamos ter experiência mais autêntica que essa, e não nos arrependemos por um instante. Sem contar que da nossa própria sacada tínhamos a vista da Biblioteca Nacional - provavelmente o prédio mais chamativo do país. A biblioteca já foi acusada de ser um dos prédios mais feios do mundo mas, a despeito disso, eu realmente a considero de uma beleza peculiar, ainda mais depois de ponderar que suas cúpulas, além de funcionais (permitem a entrada de luz natural) remetem aos típicos chapéus albaneses da região e que o interior é mais bonito ainda que o exterior.
Isso tudo posto, claro está que há também vários pontos da cidade que realmente valem a visita. Há principalmente duas outras instituições chamam a atenção no Kosovo. De um lado, as mesquitas, que, como em outras regiões de população muçulmana, estão por toda parte, com seus minaretes que chamam os fiéis para a oração. De outro lado, o chamado mais mundano das ëmbëltore - as confeitarias locais. Há várias delas, todas oferecendo doces irresistíveis a preços irrisórios. Para acompanhar, outra instituição local: o café, de preferência preparado à moda balcânica (nítida influência turca). Não nos faltaram doces na nossa experiência da capital kosovar.

domingo, 2 de abril de 2017

Primeiros passos no Kosovo: Peja

Entramos no Kosovo vindos de Montenegro, num ônibus que cruza a fronteira montanhosa dos dois países. A expectativa era grande até mesmo para as formalidades de entrada: como o Brasil não reconhece a independência do Kosovo, a situação diplomática de visitantes brasileiros costumava ser nebulosa (aliás, esse foi um fator que nos fez adiar a decisão de visitar a região). Pois bem, apesar da situação ainda confusa, o Kosovo aparentemente tem hoje a política de receber todos (ou pelo menos os não-sérvios) de braços abertos. Assim, empreendemos a travessia sem maiores contratempos que o estado lamentável de sujeira do ônibus em que viajamos.
Curiosamente, havíamos comprado passagem para Peć e chegamos em Peja. Não é que o motorista tenha se equivocado ou mudado de ideia quanto ao destino; Peć é o nome sérvio da cidade, como ela é conhecida em Montenegro e nas demais regiões eslavas; Peja é o nome albanês. Entrando no Kosovo, logo duas coisas ficam claras: que os kosovares são basicamente de etnia albanesa, e que a língua é o principal elemento distintivo desta etnia. (A propósito, o albanês é bem diferente de qualquer outra língua que eu conhecia, mas é interessante como vai-se familiarizando com ela aos poucos).
Peja não é uma cidade opulenta; pelo contrário, já saindo da rodoviária se vê bastante lixo, cães de rua, camelôs e mendigos. Por outro lado, é uma cidade de tamanho médio em que a vida transcorre normalmente. A cidade fez parte do Império Otomano e a influência turca é bem visível nas mesquitas (a absoluta maioria da população é muçulmana), na arquitetura e na força do comércio. Além do tradicional bazar no centro da cidade, há uma profusão de lojas e todas expõem seus produtos na calçada: máquinas, móveis, sapatos, frutas, berços decorados e quinquilharias diversas. Já o bazar, além de roupas coloridas, tem muitas joalherias: os kosovares são historicamente famosos como ourives e conta-se que seu trabalho adornou não poucas coroas europeias.
Peć PatriarchateA cidade tem alguns prédios antigos e bonitos, embora seja preciso sorte para conseguir visitá-los por dentro: mesmo aqueles que supostamente são museus ou espaços públicos ficam fechados e não há indicação sobre horário de abertura ou alguma forma de contato. Mas, quando conseguimos (num centro cultural onde a pessoa responsável nos viu e foi buscar a chave para nos abrir o prédio), fomos tratados com a maior amabilidade possível. Coisa de gente simples e hospitaleira, que mal fala inglês e não sabe onde é o Brasil, mas tem carinho com quem vem de fora. Descobrimos que há uma tentativa incipiente de impulsionar o turismo na cidade, com a criação de um roteiro a pé que permite ver todos os prédios históricos do centro da cidade (mesquitas, um banho turco, um antigo moinho, casas de pedra) - em geral ligados ao passado albanês e turco-otomano de Peja. Significativamente, o ponto mais isolado do roteiro, dois quilômetros fora do centro, é o Patriarcado de Peć. Trata-se do principal ponto de visitação da cidade segundo os guias estrangeiros e um dos maiores pontos de discórdia do conflito sérvio-kosovar. O Patriarcado é a sede espiritual da Igreja Ortodoxa Sérvia, ou seja, guardadas as proporções, Peć/Peja está para os sérvios como o Vaticano para os católicos. Claro que a Sérvia não engoliu bem o fato de a sede do Patriarcado ter ficado em território do Kosovo. A propósito, desde a guerra, o patriarca vive não em Peć mas em Belgrado, numa singular forma de exílio ao contrário.
Para chegar ao Patriarcado, precisamos passar por dois postos de guarda policial (não é fácil ser minoria numa região em litígio), mas a visita é agradável. Não vimos outras pessoas, a não ser umas poucas monjas. Suponho que o local fosse mais frequentado antes de os sérvios terem ido embora (fugido ou expulsos), mas o fato é que agora não há como não sentir a calma e o silêncio que convêm a uma bela igreja medieval.
No final das contas, Peja não seria o que é se também não fosse Peć, e Peć não seria o que é se também não fosse Peja.

terça-feira, 7 de março de 2017

Entendendo o Kosovo

Não espanta que o país mais novo da Europa fique nos Bálcãs, uma região famosa pelos conflitos políticos, militares, econômicos, étnicos, religiosos... Tudo contribui para que que seja difícil entender a história e a geografia deste novo país (aqueles que dizem que "o Brasil não é para principiantes" não devem conhecer os Bálcãs e certamente não andaram visitando o Kosovo).
17 de fevereiro de 2017,
9º aniversário da declaração de independência do Kosovo
Bem, nós visitamos. E, ansiosos por conhecer o ponto de vista deles, perguntamos a um kosovar se ele nos recomendava algum livro a respeito. Recebemos a indicação de "Kosovo: a short history", de Noel Malcolm. Porém, acabamos nos assustando ao descobrir que o livro tinha quase 500 páginas de letras pequenas - se a short history é grande assim, imaginem a versão longa! Enfim, já sabíamos, o tema é mesmo complexo. (No final, acabamos comprando outro livro sobre o Kosovo, quase do mesmo tamanho mas englobando aspectos de geografia e economia, além de "The Balkans: nationalism, war and the great powers", de Misha Glenny, jornalista que, depois de cobrir a queda do comunismo na Europa e as guerras da Iugoslávia, sintetizou a história balcânica em "apenas" 800 páginas).
Na época da Iugoslávia, dizia-se que o país tinha 7 fronteiras, 6 repúblicas, 5 nações, 4 línguas, 3 religiões, 2 alfabetos e 1 dinar (a moeda). Uma mistura, convenhamos, de fazer corar qualquer pretensa diversidade de outros países. Pois bem, o problema do Kosovo é que, embora fizesse parte da Iugoslávia, ele não estava representado nesta anedota (e nem em outros aspectos do país). Iugoslávia significa, literalmente, o "país dos eslavos do sul" (bósnios, croatas, eslovenos, macedônios, montenegrinos e sérvios, todos povos de origem eslava). Já o Kosovo é uma região de população em grande parte albanesa (não-eslava), que fala uma língua completamente diferente das demais. Note-se que é, mais uma vez, uma situação bem diferente do Brasil: para nós, a noção de nacionalidade está ligada basicamente à porção de terra em que se nasce, mas, nesses lugares de fronteiras frágeis e cambiantes, o sentimento de nacionalidade está ligado à família e aos laços étnicos (cultura, língua, religião); o local de nascimento é quase irrelevante. Assim, na maioria dos casos, um kosovar é um albanês em quase todos os aspectos e, andando pelo país, vê-se tantas bandeiras albanesas quanto kosovares.
Durante a existência da Iugoslávia, pode-se dizer que havia uma convivência relativamente pacífica entre as diferentes etnias; com o esfacelamento do país, cada uma das antigas repúblicas (eslavas) foi se separando, em geral à custa de sangue. O território do Kosovo era reclamado pela Sérvia por razões históricas (aquelas foram terras eslavas durante períodos que os sérvios consideram relevantes, e importantes igrejas sérvias se encontram lá), embora a maioria da população fosse kosovar-albanesa.
E aí o xis da questão: culturalmente, os kosovares têm muito mais em comum com os albaneses que com o restante dos ex-iugoslavos. Assim, o Kosovo lutou e conseguiu sua independência - não sem derramar sangue. Porém, é uma soberania relativa: a Sérvia não aceita a independência e continua reclamando seu direito sobre o território. É apoiada pela Rússia, que por sua vez é seguida pelos demais BRICs (incluindo o Brasil) e por alguns outros aliados. Do outro lado, o grande apoiador do Kosovo é os Estados Unidos, que vêm na história toda uma oportunidade de uma base de influência naquela região de confluência entre a Europa e a Ásia. Como os Estados Unidos, naturalmente, são ladeados por países do bloco ocidental (particularmente os da OTAN), pronto: tem-se uma reedição em miniatura da Guerra Fria.
Na prática, ao caminhar pelo Kosovo, não se vê marcas de guerra tão intensas quanto as que ainda estão presentes na Bósnia; por outro lado, vê-se muitos prédios abandonados, em ruínas; vê-se a desconfiança mútua entre sérvios e albaneses (igrejas e bolsões sérvios são cercados e protegidos pela polícia); e vê-se um país que está claramente começando a engatinhar na experiência da independência. Como criança recém-nascida, a precariedade da sua condição e a necessidade de ajuda externa são gritantes. Há muita sujeira nas ruas. E, no entanto, há um orgulho contido, uma vontade de crescer e uma cultura definitivamente rica.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Guia Puffin de Gastronomia 2017

Mais um ano se passou e aqui está ele novamente: o Guia Puffin de Gastronomia! Neste começo de 2017, o Guia Puffin chega à terceira edição, sempre com o mesmo nobre objetivo de listar os melhores restaurantes do ano anterior. 2016 foi movimentado em todos os sentidos - inclusive o gastronômico! E é sempre um prazer para mim e para a Renata relembrarmos algumas das refeições mais especiais que tivemos. A propósito, ela é vegetariana, então quem não come carne pode ficar tranquilo que todos os restaurantes listados aqui atendem às exigências de vegetarianos, carnívoros e onívoros!
Foi mantido o critério de deixar de fora os restaurantes que apareceram nas edições anteriores (2015 e 2016) para, assim destacar as novas descobertas. Também como nos outros anos, o Guia Puffin de Gastronomia distribuiu entre uma e três enguias para os estabelecimentos que proporcionaram as mais excepcionais experiências gastronômicas - não só a comida, mas também o atendimento, o ambiente, enfim, a experiência completa. Desta vez, dois restaurantes tiveram o privilégio de se juntar a OlympeLe Louis XV e Maaemo no seleto grupo dos agraciados com três enguias.
Enfim, rufem os tambores que aqui está ele: o novo Guia Puffin de Gastronomia!

Riso Bistrô, Rio de Janeiro - 1 enguia
Cozinha: João Paulo Frankenfeld
O restaurante tem mesas num pátio interno tranquilo e aconchegante que, de cara, impressiona pela beleza. Como o nome sugere, há risotos, mas o cardápio se expandiu e hoje vai bastante além dos pratos com arroz. Perfeito para um jantar romântico com um leve toque de sofisticação, o Riso Bistrô é daqueles endereços que deixam a gente a vontade de voltar mais uma vez.

Tamboril, Brumadinho - 1 enguia
Cozinha: Dailde Marinho
Tamboril é o nome de uma árvore, de um peixe e também de um dos restaurantes localizados dentro do parque-museu de Inhotim. Este, por si só, já vale a visita e faz com que o ambiente da refeição seja dos mais agradáveis. Além disso, sendo um buffet livre, o Tamborim mostra que nosso guia é eclético, com restaurantes que vão do "sirva-se você mesmo" ao menu degustação. Mas não é só isso, a comida é boa, variada e farta. Ou seja, vale a pena!

Koks, Kirkjubøur - 2 enguias
Cozinha: Paul Andrias Ziska
É, sem dúvida, o restaurante de localização mais espetacular que já visitamos. O ambiente tem janelas amplas que aproveitam o melhor da paisagem das Ilhas Faroe, e o sofisticado menu também é claramente faroês, ou seja, bastante peixe, frutos do mar e carneiro. A pouca variedade de vegetais das ilhas poderia ser um problema para o menu vegetariano, coisa que o restaurante contornou com bastante criatividade, exceto por um pecado capital: o menu vegetariano tem um prato a menos que o menu regular. Isso certamente custou ao Koks uma enguia na avaliação final, mas não desmerece as suas outras qualidades, que incluem uma saborosa harmonização do menu com sucos.

Trindade, Belo Horizonte - 2 enguias
Cozinha: Fred Trindade
O restaurante tem um clima de bar que combina com Belo Horizonte. Mas não se enganem: é um "bar" primoroso, na verdade um restaurante que sabe recriar clássicos mineiros e apresentá-los de forma elegante e saborosa sem ser pedante. Aliás, convenhamos: quem pega a fina flor da cozinha mineira e consegue melhorá-la ainda mais merece crédito!

Floriano Spiess, Porto Alegre - 2 enguias
Cozinha: Floriano Spiess
O restaurante une referências internacionais, especialmente asiáticas, com ingredientes do sul do Brasil. E a aparente mistura, executada com maestria, funciona muito bem. Além disso, toda a seleção do menu teve um cuidado e um carinho dignos de nota. Embora o próprio Floriano Spiess não estivesse lá na noite em que visitamos seu restaurante, fomos recebidos pelo chef executivo que nos apresentou cada prato e ao final ainda reservou um tempo para conversar conosco, o que valorizou ainda mais a noite.

Oro Restaurante, Rio de Janeiro - 2 enguias
Cozinha: Felipe Bronze
Felipe Bronze e o Oro dispensam apresentações. E, após a visita, podemos dizer que a fama é merecida. É visível o cuidado com os detalhes para fazer uma cozinha de vanguarda onde se percebem diferentes influências internacionais. Uma pequena ressalva é que os pratos do menu degustação vieram rápido demais, sem dar tempo suficiente entre um e outro para que os aproveitássemos. Em compensação, nossa sobremesa teve uma explosão de chocolate particularmente saborosa, perfeita para fechar com chave de "oro" a noite de chocólatras como nós.

Tête à Tête, São Paulo - 2 enguias
Cozinha: Gabriel Matteuzzi
Não é pouca coisa que, dentre as inúmeras opções de restaurantes de São Paulo, o Tête à Tête seja o único privilegiado a figurar na edição deste ano do Guia Puffin. Uma casa elegante e contemporânea como o seu menu. O chef foi pessoalmente à nossa mesa apresentar alguns pratos e falar sobre a escolha de certos ingredientes. Pode não parecer muito, mas é o tipo de cuidado atencioso que valorizamos!

Pujol, Cidade do México - 2 enguias
Cozinha: Enrique Olvera
Na terra da comida de rua por excelência, o badalado Enrique Olvera se destaca com versões requintadas (e saborosas) de clássicos mexicanos. Nossa visita ao Pujol foi uma noite de comida farta e saborosa, onde ingredientes e preparações típicas mexicanas se sucediam para encher nossos olhos (e bocas), todas elas com o toque particular de cozinheiros criativos. Destaque para os pratos acompanhados de tortillas e para as inigualáveis versões do mole poblano de Enrique Olvera - preparação esta que é renovada a cada dia e já tinha mais de três anos quando fomos ao restaurante. Um único porém: ambiente um pouco mais barulhento do que o ideal.

Kokkeriet, Copenhague - 3 enguias
Cozinha: David Johansen
Nossa ida ao Kokkeriet foi uma decisão de última hora. E foi uma das decisões mais acertadas de 2016. O restaurante funciona num endereço relativamente simples e discreto, onde somos recebidos por uma das equipes mais simpáticas que já vimos. Pedimos menu degustação harmonizado com sucos (um requinte que sempre conta pontos na nossa avaliação). Então somos agraciados com horas de uma quase interminável sequência que tem como protagonistas alguns dos melhores pratos da cozinha dinamarquesa contemporânea servidos em apresentações de encher os olhos. Tudo perfeito, digno da nota máxima na escala de enguias do Guia Puffin!

Restaurant Gordon Ramsay, Londres - 3 enguias
Cozinha: Gordon Ramsay
o chef Gordon Ramsay é, sem dúvida, a figura mais conhecida dentre os premiados deste ano e este, que é seu restaurante mais emblemático (flagship restaurant, como dizem os britânicos), é também o mais concorrido, exigindo reserva com certa antecedência. Isso faz com que a expectativa (e consequentemente a exigência) sejam maiores. O ponto é: expectativa e exigência, neste caso, são plenamente atendidas. Por fora, o endereço é discreto. Por dentro, é sofisticado sem ser extravagante. Logo fica claro que a estrela, sem sombra de dúvidas, é a comida - impecável, saborosa, inigualável, trazida e servida no ritmo ideal. Os garçons parecem uma orquestra que se move, elegantemente, em torno da sinfonia gastronômica que os comensais têm o privilégio de experimentar. No final, não resta dúvidas: três enguias e a vontade de aplaudir de pé.