segunda-feira, 25 de março de 2019

Cidade da Guatemala

Estando assentada em terras vulcânicas, a Guatemala tem uma história pontuada por terremotos. Um dos mais famosos aconteceu em 1773 e atingiu a então capital do país, Santiago de los Caballeros de Guatemala. Esse evento fez com que a povoação fosse transladada a uma nova localização, surgindo assim a cidade de Nova Guatemala - atualmente conhecida como Cidade da Guatemala, enquanto que a anterior é hoje Antigua Guatemala.
Quem visita a metrópole que é atualmente a capital não tem muitas pistas deste passado nômade, assim como não é óbvio que o topônimo Guatemala - que deu nome à(s) cidade(s) muito antes de o país existir - signifique "lugar de muitas árvores" em língua indígena.
Quem vai à Cidade da Guatemala, certamente, não encontra um lugar lotado de turistas. A maioria dos que chegam ao país segue para Antigua Guatemala, que é certamente mais fotogênica e mais preparada, mas também menor e provavelmente menos autêntica.
Um dia na Cidade da Guatemala - Guate para os íntimos - começa cedo: bem antes do nascer do sol, os braços que movem o país já estão de pé e se preparando para mais uma jornada de trabalho. É um povo que acorda cedo para ganhar a vida em serviços diversos, mercados e tortillerías que funcionam los tres tiempos (café da manhã, almoço e jantar). Talvez por isso, e como tudo, no final das contas, gira em torno da comida (o milho era sagrado para os maias: o homem foi feito do milho, o que é muito mais elegante e simbólico que ter sido feito do barro, convenhamos), há uma fartura de lugares vendendo café da manhã pela cidade. Alguns são de grandes redes nacionais (Pollo Campero) ou internacionais, outros são pequenos empreendimentos. A gastronomia tem muitos elementos em comum com a do México, porém combinados de forma ligeiramente diferente. Um café da manhã guatemalteco, conforme aprendemos, tipicamente tem um tamal (massa de milho aparentada da pamonha e normalmente recheada), frijoles (feijão), banana e tortillas. Nossa primeira refeição assim foi um tanto por acaso, e foi interessante provar tanta coisa diferente no café da manhã enquanto o senhor sentado ao nosso lado no balcão conversava e puxava assunto.
O que é outro aspecto da Guatemala: o povo sempre simpático. Têm bastante curiosidade sobre o Brasil, país que, em geral, admiram, mesmo só sabendo de nós o básico: futebol, carnaval, praias. E, claro, sempre querem saber o que já vimos do país deles e qual a nossa impressão.
A verdade é que a Cidade da Guatemala não tem tantas atrações turísticas no sentido tradicional (estas estão espalhadas por outras cidades do país). Há um interessante mercado, dividido em uma parte de comidas e outra com artesanatos - destaque para os belos e coloridos tecidos locais. Há a praça central que, seguindo a tradição hispânica, é o coração da cidade e em torno da qual giram palácio, catedral, biblioteca e feira. Uma rua de comércio ao estilo da Rua da Praia de Porto Alegre. Saindo do centro, alguns museus e um bairro que concentra lojas e restaurantes de luxo. Para se locomover, ônibus coloridos e tuk-tuks. Como boa capital, a Cidade da Guatemala é onde o país é mais diverso. Menos "raiz" e mais cosmopolita, é uma boa antecâmara para o "mundo maia" que aguarda quem se aventura no interior.

quinta-feira, 21 de março de 2019

Guatemala, muito prazer

Ah, Guatemala! País tão pouco conhecido pela maioria dos brasileiros. Tão obscuro, aliás, que até as placas de carros da região indicam, junto com o nome do país, o do continente - Centroamérica. Como se explicassem a quem é de fora onde fica o país. Pois a Guatemala compreende aquela porção terra imediatamente ao sul do México que o separa dos demais países da América Central. Um lugar que figura nos jornais pelas notícias de imigrantes ilegais que tentam chegar aos Estados Unidos e nos livros de história pela civilização maia do passado.
É um país de contrastes, de raízes indígenas e colonização ibérica, em muitos aspectos muito parecido com a nossa familiar república de bananas. Convivem com o mesmo tipo de problemas que nós: de pobreza (exacerbado pela má distribuição de renda), de violência (agravado por um histórico recente de guerra civil e de guerrilhas), de um governo alheio às necessidades da população. A despeito disso, é um daqueles lugares em que as pessoas são genuinamente acolhedoras.
Os guias de viagem falam da violência na Guatemala num tom de meter medo. E não ajuda perceber, logo de cara, que muitas lojas são totalmente gradeadas - atende-se o público por trás das grades, literalmente. Outros estabelecimentos não têm grades mas colocam, em seu lugar, seguranças armados de ameaçadoras espingardas. Principalmente na capital, Cidade da Guatemala, que aliás a maioria dos turistas parece simplesmente evitar. Num caso e no outro, sutis exageros: a violência certamente existe (todo o aparato não seria à toa), mas não vimos nada e me arrisco a dizer que não é muito diferente do Brasil; quanto à capital, ela não é a parte mais bonita do país, mas como conhecer de verdade a Guatemala sem sequer passar por sua maior cidade?
Deixando-se levar pelo país, vamos descobrindo mais sobre ele. Boa parte dos carros que circulam são trazidos, usados, dos Estados Unidos. Mas topamos também com uma revendedora Maseratti, não por acaso ao lado de uma loja Montblanc. Nosso mundo é mesmo uma terra de contrastes.
Aprendemos que os guatemaltecos têm para si um gentílico informal: são chapines, com muito orgulho. Já a sua moeda é o quetzal, nome tomado emprestado da exuberante ave nacional. O que não falta na Guatemala são palavras interessantes, de dar gosto falar. Algumas delas são de raiz francamente indígena, outras são apenas predileção por uma variante menos popular do espanhol. Línguas de colonizados e de colonizadores - ah, mundo de contrastes. A Guatemala é um dos países americanos com a maior e mais notável população indígena, reconhecível pela fisionomia, pelas roupas e por falar uma das dezenas de línguas maias reconhecidas. Mesmo colonizados e, em grande parte da história, marginalizados, a influência maia vai além, em aspectos como a cultura e a comida.
E como não dizer que a Guatemala, com uma população dez vezes menor que nosso Brasil, deu ao mundo dois prêmios Nobel? Um, de Rigoberta Menchú, justamente em razão da luta pela inclusão dos povos indígenas; o outro, de Miguel Ángel Asturias, escritor que mesclou aspectos de realismo mágico, da cultura maia e de um estilo inovador para fazer uma crítica social incisiva. É minha atual leitura de cabeceira, uma das tantas descobertas que trouxe dessa tal América Central, tão nossa desconhecida.