quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Na ilha dos ônibus amarelos


Como preguiçoso eventual, gostei de Malta. A ilha, sendo relativamente pequena, é fácil de ser explorada e não requer esforço. Mais fácil ainda é explorar Valletta, a capital, que pode (e deve) ser percorrida toda a pé.
Eis algo de que eu gosto: conhecer uma cidade a pé, a princípio com um mapa na mão, depois deixando-me levar pelo instinto. Gosto particularmente dos centros, pelo que têm de síntese e símbolo. Ora, Valletta, sendo pequena, é toda ela o seu próprio centro. Daí que é uma delícia caminhar por ela, sentir as ruas, especialmente os calçadões em que não passam carros, entrar nas lojas, observar as fachadas. Valletta é rica de uma bela e multicentenária arquitetura mas, não sendo tão internacionalmente famosa quanto outras capitais europeias, conserva um suave ar de desconhecido que lhe dá ainda mais charme.
Entre uma caminhada e outra, deixo-me guiar pelo olfato e procuro umas pastelarias que são pouco mais que um buraco na parede - lá estão os pastizzi, espécie de folheados simples e irresistíveis. Nada mais tipicamente maltês que pastizzi de ricota ou de ervilha, e um par deles, por €0,50 cada, sacia maravilhosamente.
Refeito o estômago, vou além da cidade. Em frente ao portão de Valletta está a praça que é o terminal rodoviário da ilha e é aí que encontrava o que também parecia ter se convertido noutro símbolo maltês: os estilosos ônibus amarelos. Já havia os de desenho mais moderno, mas os que realmente chamavam a atenção eram os antigos, arredondados por fora e parecendo um bonde de madeira por dentro. Andar por Malta nestes ônibus era prático e divertido, além de barato - a maioria dos trajetos saía por €0,47, valor quebrado que me deixou, ao voltar para o Brasil, com um punhado de pequenas moedas no bolso, autêntico certificado de quem percorreu as ruas e estradas de mão inglesa do Mediterrâneo.
Bem, eu preferiria estar escrevendo no tempo presente, e não no passado, mas descobri que os antigos ônibus foram aposentados apenas dois meses depois que deixei Malta. Uma pena. Podiam não ser modernos ou econômicos, mas eram únicos, não é justo condenar espécies raras à extinção.
Lamento não ter dado a volta completa na ilha a bordo de um desses ônibus. A preguiça não permitiu. Em compensação, numa das viagens, fui parar no que parecia a garagem final onde dormiam os veículos. Lá, aproveitando que eu não tinha pressa, esperei pela saída da próxima condução para Valleta instalado num dos bancos de madeira, entre um cochilo e uma conversa com o motorista, que também esperava. Afinal, nem tudo na vida é passageiro.