domingo, 18 de novembro de 2012

Puerto Iguazú

E já que a fronteira é tríplice... Como perder a oportunidade de visitar o terceiro país em três dias? A programação, quase implícita, estava feita: tomaríamos um ônibus em Foz que cruzasse o rio Iguaçu e desceríamos na Argentina (um trajeto que duraria, quando muito, uma hora). Então, conheceríamos a cidade de Puerto Iguazú, sem preconceitos nem expectativas.
O que sabíamos de Puerto Iguazú: lá fica o parque argentino das cataratas (porém longe do centro; como não tínhamos tempo e já havíamos estado no lado brasileiro, tomamos a difícil decisão de não visitá-lo) e lá também tem um grande duty free shop, que planejamos visitar na volta.
Rio Paraná separando a Argentina do Paraguai.
E aqui a introdução que ditou o tom pitoresco do dia. A pousada em que estávamos em Foz do Iguaçu era tocada por um casal de argentinos: a Maria, simpática e sorridente (daquelas pessoas que a gente custa a acreditar que podem sorrir tanto, o dia inteiro, e com tanta espontaneidade), e o Luis, sempre solícito, atencioso e cheio de dicas para dar. A questão é que o Luis era atencioso demais e as dicas soavam quase como imposições. De manhã cedo: o que pretendem fazer hoje? Tal coisa. Ah, mas tal coisa não é bem assim, melhor é fazer aquilo outro.
Pois é... É bom ter alguém que conhece o lugar e que tenha alguma informação que economize tempo ou dinheiro, mas eu gosto de escolher por conta própria! Já na primeira noite, pedi algumas sugestões de lugar para jantar, e o Luis falou de uns tantos restaurantes. Perguntei sobre um outro que tínhamos visto cujo preço era um terço das indicações dele. No, no, no, torceu a cara. Um pouco por birra, resolvemos contrariá-lo indo justamente no restaurante barato e, quer saber? não nos arrependemos.
Dessa vez, já quase saindo, o Luis nos perguntou para onde iríamos. Ouvindo que planejávamos visitar Puerto Iguazú, começou o discurso. Que tínhamos escolhido o dia e a hora errada (para não dizer o destino errado). Que, como era domingo, as ruas estão vazias e as lojas fechadas, iríamos encontrar uma cidade-fantasma de faroeste e voltar dizendo que ele tinha razão. Que melhor seria ir ao parque. Ou ir no final do dia, quando há uma feira na cidade, poderíamos ver e comprar coisas, todo mundo vai para lá visitar a feira. Que isso, que aquilo...
Abaixamos a cabeça e não nos demos ao trabalho de explicar que nossa intenção não era comprar coisas, apenas queríamos conhecer a cidade, não é sempre que se pode escolher "em que país vou passar o dia hoje?" apenas cruzando pontes. Lá fomos nós a Puerto Iguazú.
Verdade que a cidade (pelo menos no centro) não é lá muito bonita. Pareceu um tanto empoeirada, com cor de barro. Uma pequena vila esquecida nos confins da república, não uma fervilhante cidade de fronteira (como é o caso de Ciudad del Este, no Paraguai). E, sim, Puerto Iguazú estava tão vazia quanto tinha previsto o Luis: faltava apenas algumas bolas de feno passarem rolando. Brincando, chegamos a cogitar que ele, tal qual os antigos traficantes cariocas, teria dado alguns telefonemas mandando fechar o comércio da cidade, pois estávamos indo para lá... Não demos o braço a torcer e saímos caminhando, a começar pela margem do rio - ou melhor, dos rios, o Iguaçu (fronteira com o Brasil) e o Paraná (fronteira com o Paraguai).
Aos poucos, porém, algumas lojas foram abrindo as portas, encontramos um mercado (lá fui eu angariar mais erva-mate para minha "coleção"), o movimento de gente nas ruas deu um salto gigantesco - onde antes só se viam duas pessoas (nós, os dois brasileiros a perambular por Puerto Iguazú) já devia ter uma meia dúzia, de vez em quando acontecia até a extravagância de um carro passar pela avenida central. Vimos o povo saindo de uma igrejinha e concluímos que as famílias da cidade e dos arredores deviam estar todas reunidas lá.
Quando os ponteiros do meu relógio se aproximaram do meio-dia, quisemos almoçar para depois seguir caminho. Mas os restaurantes que víamos estavam vazios, para não dizer fechados. Ora, como pode? As pessoas também almoçam aos domingos, não? Por fim, achamos um lugar que, embora vazio, tinhas as portas abertas (lá dentro, terminavam de varrer o chão e de arrumar as mesas), entramos e acabamos comendo uma pizza.
Depois, saímos novamente a caminhar, percorrendo os cerca de dois quilômetros que nos separavam da fronteira (nosso único verdadeiro erro: o dia estava muito quente e quase derretemos debaixo do sol!). Cruzamos a alfândega a pé - aqui sim ganhamos carimbos nos passaportes, diferentemente do que aconteceu no Paraguai - com uma sensação bastante curiosa, de novidade para quem está acostumado a visitar países de avião ou, quando muito, de ônibus ou carro. Ainda iríamos caminhar alguns metros até o duty free (não tão grande quanto eu pensava, mas bonito e, o melhor de tudo, com ar condicionado!) e foi então que uma súbita explicação me ocorreu. Ao contrário do Brasil, a Argentina não estava no horário de verão! Tínhamos chegado realmente cedo a Puerto Iguazú, num dia de domingo, e quando procuramos um restaurante ainda não era 11 horas para eles, embora para nós já estivesse perto do meio-dia... Não espanta que tenhamos tido dificuldade para achar um lugar aberto!
Enfim, no final voltamos de ônibus para Foz do Iguaçu. A verdade é que, a despeito de tudo, tínhamos nos divertido. A única coisa que eu não queria, ao chegar da pousada, era topar com a cara de triunfo do Luis a nos perguntar o que tínhamos achado de Puerto Iguazú. Bem, o Luis estava ocupado com algum outro hóspede e mal nos viu entrar. Mas quer saber? Tínhamos aproveitado muito bem o dia.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ciudad del Este: o passeio da família brasileira

Claro que, estando em Foz do Iguaçu, não perderíamos a oportunidade de cruzar a fronteira com o Paraguai. A famosa Ponte da Amizade! Impossível não lembrar de todas as histórias de gente que ia fazer compras no Paraguai, de gente que fazia encomendas, de gente que ganhava a vida cruzando o rio... e das bugigangas que podiam até ser de qualidade duvidosa, mas eram o máximo num mundo pré-globalizado e pré-compras-pela-Internet. Hoje já não se fala tanto em viagens de compras ao Paraguai, mas basta um pulo em Foz do Iguaçu para perceber que o lado de lá da ponte continua bem concorrido.
O curioso, porém, é que fomos sem estar particularmente interessados em mercadoria alguma. Queríamos conhecer a ponte, a cidade, ver o movimento. O que pensávamos trazer? Carimbos nos passaportes! Para mim, seria o vigésimo-segundo país visitado: uma marca e tanto!
Lá vamos nós diante da ponte, cruzar a fronteira. Vemos gente que vai e vem, sacolas, ônibus, motos. Gente, gente, gente. Entre eles, vamos a pé, e logo descobrimos que essa foi a decisão acertada: deixamos para trás os ônibus e automóveis que se espremem num tedioso, barulhento e enfumaçado congestionamento. Na alfândega do lado brasileiro, ninguém nos para. Tampouco no lado paraguaio. Nada de carimbos nos passaportes! Essa fronteira é, definitivamente, uma bagunça.
Eis Ciudad del Este. Avançamos umas tantas quadras ao longo de uma grande rua de comércio, entre camelôs e lojas populares. Uma espécie de 25 de Março misturada com Uruguaiana. Quando as lojinhas parecem escassear e a cidade de verdade começa, julgamos que chegamos simbolicamente ao Paraguai e, na falta de carimbos da alfândega, brindamos com um aperto de mãos.
Já é tarde e ainda não almoçamos. Como temos fome, resolvemos entrar num shopping para comer. Num shopping principalmente porque ali as chances de aceitarem cartão de crédito são maiores. Eu fora ao Paraguai despreocupado: sem um níquel da moeda local e sem saber sequer a cotação dela. Arriscamos um lugar na praça de alimentação que anuncia asaditos - são uns espetinhos de carne e de queijo. Antes de pedir, pergunto qual o tamanho dos espetinhos, que custam 3 mil guaranis cada um. O atendente responde com uma risada franca dizendo que não são muito grandes, como eu posso perceber pelo preço. Ele não imagina que eu não tenho ideia de quanto vale um guarani. Pergunto quantos asaditos alimentam uma pessoa, ouço que uns três ou quatro. Peço quatro asaditos para duas pessoas, mais uma porção de arroz, outra de salada e outra de batatas fritas. A porção de batatas fritas custa 15 mil guaranis, o que, pela lógica dele, faz supor certo grau de fartura. O menu também oferece sucos Caricia, resolvo experimentar, pergunto de que sabor é o suco e tenho como resposta: ora, é suco Caricia.
Sentamo-nos. A espera demora mais do que se poderia supor. O suco Caricia está em falta, então acabamos trocando o pedido por um refrigerante. O balconista entrou por uma porta e voltou com avental de cozinheiro. Mais adiante, senta outro casal. A comida deles vem antes da nossa. Dali a pouco vem o balconista-cozinheiro-garçom e traz as porções de arroz e de salada e dois espetinhos. Digo que tínhamos pedido quatro, ele pede desculpas e vai correndo conversar com o casal da outra mesa, aparentemente metade do nosso pedido foi parar lá por engano. Vêm os espetos que faltavam e também um outro pedido de desculpas porque as batatas ainda não estão prontas.
Terminamos nosso frugal almoço sem ver a cor das batatas. Levanto-me para pagar, torcendo para que aceitem cartão de crédito. Quando mostro o cartão, o balconista-garçom-cozinheiro-caixa faz cara de quem vê pela primeira vez aquele objeto estranho, dá de ombros e, sem uma palavra, deixa claro que terei de pagar em dinheiro ou lavar pratos. Felizmente trabalham com moeda brasileira. Diante da conta irrisória (11 reais para duas pessoas, bebida incluída), o que comemos já não me parece tão pouco. Saímos, tomamos um café e seguimos a exploração de Ciudad del Este.
Próxima parada, um supermercado (faz parte de meus rituais, a cada lugar diferente, visitar um supermercado). Lá começamos nossa faina de compras no Paraguai - entre outras coisas, erva-mate e (por puro impulso) um pacote do famoso suco Caricia, que afinal nada mais é do que um desses pós para refresco artificial.
Seguimos. Aos poucos, quase sem perceber, somos tomados por uma (quase) inocente febre consumista. Um perfume, cosmético, garrafa de espumante, garrafa de pomelo, cuia de mate. Uma mala, mais do que apropriada para colocar tudo isso dentro. Nada que chegue a comprometer nossa cota ou a nos classificar como muambeiros inveterados. Mas, entre o vaivém de gente com sacolas, descobrimos que as compras no Paraguai fazem parte da diversão de se visitar esse lugar.
O dia vai chegando ao fim, faz calor e estamos empapados de suor, é hora de voltar. Vamos na direção da ponte através do longo camelódromo, é impossível arrastar a mala num lugar assim, então carrego-a na mão. Eis a alfândega paraguaia (adeus Paraguai, adeus esperança de carimbo!), a Ponte da Amizade (não resisto e faço uma foto incorporando todo o meu espírito muambeiro recém adquirido), a alfândega brasileira (uma rápida olhada na mala e nos deixam passar, enquanto os ônibus, carros e motos esperam na fila). Tomamos um ônibus que desce a duas quadras da nossa pousada. Já longe do burburinho, antevendo um bom banho, dou-me ao luxo de largar a mala no chão e começar a arrastá-la. Uns poucos metros e... plof! Uma das rodinhas se solta e vai parar na sarjeta. Incrédulo, não consigo sentir raiva e começo a rir. Ah, a mala paraguaia! Precisava ser assim tão fiel à fama das mercadorias do seu país? Não durou nem uma viagem! Pelo menos nos divertimos. E, para que não tivéssemos dúvidas das lições aprendidas, quando depois, já chegando no Rio, retiramos a mala da esteira de bagagem, ela tinha perdido outra das rodas - nunca mais comprar mala de barbada numa rua do Paraguai, a não ser que esteja com vontade de me sentir numa cena de filme pastelão. Pelo menos demos boas risadas, afinal mais vale uma mala sem rodas que outra sem alças.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Planeta Água

Como assunto para histórias de viagens, as cataratas do Iguaçu são decepcionantes.
Antes que me atirem pedras, eu explico: histórias de viagens se sustentam com causos divertidos, pitorescos, engraçados. Com programas de índio. Com a pequena desgraça alheia ou, melhor ainda, com a pequena desgraça de quem conta o causo. E acontece que não vivi nada disso nas cataratas.
Lugares bonitos, em geral, não rendem boas histórias. Não se fisga leitores ou ouvintes com descrições da natureza ou da arquitetura. Menos mal, para a sobrevivência das cataratas nessas Cartas, que existem as fotos.
As cataratas do Iguaçu são esplêndidas! Não confiem somente em mim; vejam as fotos! Um lugar daqueles talhados à perfeição. Nem é preciso dizer muito. Acrescento apenas, quase à guisa de legenda, que não nos contentamos com vê-las de perto e do chão: fizemos um sobrevoo de helicóptero. Valem ainda mais a pena vistas do alto, e olhem que eu normalmente prefiro ter meus pés na terra (ou no mar).
De perto, molha-se mais do que eu pensava (saímos ensopados). Do alto, sacoleja-se um pouco, mas isso faz parte da emoção do passeio.
No coração do planeta água.
Histórias do passeio? Não muitas, confesso. Mas, para o bem do blogue, elas vieram no dia seguinte, fazendo de um roteiro quase prosaico um dos mais divertidos dos últimos tempos. Conto em breve!
Uma visão quase geral das cataratas, entre Brasil e Argentina.


Garganta do diabo vista do alto!
Um dos muitos quatis que habitam o parque.