quarta-feira, 2 de novembro de 2016

De carro pela Dinamarca: vídeo

Como dizem que uma imagem vale mil palavras... Aqui vai um vídeo com um pouco do que vimos na Dinamarca e que descrevi nas últimas semanas. Aí está a saída de Copenhague, as estradas dinamarquesas, a ilha de Ærø, o show da Eivør, Den Blå Planet (e os puffins)... Com um fundo de música dinamarquesa, é claro. Aproveitem!



segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Aalborg, Aarhus e a relação dos dinamarqueses com a letra 'a'

Photo: Eduardo Trindade
É verdade: ao sair de Nibe, estávamos (o Puffin, Renata e eu) em êxtase. Tínhamos assistido a um show único, com músicas lindas, e feito novos amigos. O que mais poderíamos esperar daquela viagem?
Também é verdade que tínhamos alterado o roteiro previsto justamente para acomodar o festival de Nibe (e, claro, o show da Eivør) na nossa programação. Foi assim que Aalborg surgiu em nosso caminho, literalmente: como uma cidade próxima a Nibe onde poderíamos passar a noite.
Aalborg lembra um pouco Copenhague, com ruas, avenidas e prédios num estilo parecido. Mas o que mais nos chamou a atenção foi quando nos refugiamos do burburinho urbano no Kildeparken, o parque municipal. Numa área ali dentro encontramos o Parque da Música. É uma tradição de Aalborg que músicos, ao visitarem a cidade, plantem uma árvore no parque. Assim, o lugar contém dezenas de árvores plantadas por nomes diversos, de Bryan Adams a Jhetro Tull e de Shakira ao (agora Prêmio Nobel) Bob Dylan. Mais ainda, ao pé de cada árvore há um pedestal que, além da indicação do artista e da data em que a muda foi plantada, contém um botão. Apertando-se o botão, ouve-se uma canção daquele músico. Ou seja, trata-se de um bosque em que as árvores cantam músicas de alguns dos grandes artistas internacionais! Definitivamente, o norte da Dinamarca ficará marcado em nós como um lugar bem musical!
Seguimos depois para Aarhus, a segunda maior cidade do país (300 mil habitantes). Como já estávamos voltando em direção ao sul, a viagem começava a ter um tom de despedida, de últimos dias. Mesmo assim, acabei gostando bastante de Aarhus, uma cidade bonita e fácil de se conhecer a pé, com uma interessante mistura de áreas urbanas e parques arborizados.
É em Aarhus que está Den Gamle By, uma espécie de museu ao ar livre que é simplesmente fantástico. Den Gamle By ("A Cidade Antiga", literalmente) é um conjunto de dezenas de casas históricas, muitas com séculos de idade, que foram reunidas, restauradas e mobiliadas cuidadosamente. Assim, ao se caminhar pelas ruas do complexo e entrar nas casas, tem-se a impressão de estar vivendo uma época antiga - a rigor, o complexo é dividido em três áreas que retratam períodos diferentes, o primeiro entre os séculos XVI a XIX, o segundo nos anos 1920 e o terceiro nos anos 1970. Ocasionalmente, pessoas perfeitamente caracterizadas de acordo com o ambiente passam por nós - um ferreiro, um cocheiro, um músico de realejo. Infelizmente, em alguns momentos Den Gamle By parece ter visitantes demais, especialmente quando se entra em algumas das casas mais antigas (e apertadas); mas este é um mal comum às grandes atrações.
Photo: Eduardo TrindadeE, enfim, estando em Aarhus vindo de Aalborg e tendo visitado antes Faaborg, não poderia me passar despercebida a relação dos dinamarqueses com a letra a. Ou, mais precisamente, com o dígrafo aa. O curioso é que, desde 1948, a ortografia oficial dinamarquesa estabelece que o encontro de duas letras a seja escrito como å - ou seja, o "a com bolinha" é a versão nórdica da nossa crase. Acontece, entretanto, que, embora este å seja de uso corrente desde então, cidades que historicamente tinham aa como parte do nome não gostaram da ideia da mudança. E se apegaram à grafia antiga!
Bem, depois de nossos dias na terra das letras a, a viagem estava definitivamente chegando ao fim. Só nos restava dirigir diretamente para o aeroporto de Copenhague e esperar pelo nosso voo. E é aqui que acaba entrando a última dica desta viagem, e eu diria que valiosa. Já havíamos passado algumas horas de conexão naquele aeroporto antes e, mesmo ele não sendo pequeno, a espera nunca é agradável. Pois descobri que a cerca de um quilômetro do aeroporto fica Den Blå Planet ("O Planeta Azul", e vejam aqui o å dando as caras). É o maior aquário da Dinamarca e daquela região, com várias espécies de peixes, crustáceos, moluscos e outros animais, incluindo lontras-marinhas e os inconfundíveis puffins. Uma bela maneira de terminar essa viagem de encontros, reencontros, casamento e lua-de-mel.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Eivør!

Eivør Pálsdóttir é uma cantora faroesa, dona de uma das vozes mais bonitas que já ouvi. Sim, pode ter sido o fato de ter conhecido suas músicas num lugar tão especial, e de tê-las como trilha sonora em alguns dos passeios de carro que fizemos por lá. O fato é que, desde o começo, a música faroesa me conquistou, e Eivør é um dos seus pontos altos.
Aliás, poucos lugares são tão propícios a viagens de carro quanto os países nórdicos, e nada melhor do que viajar ouvindo a música local.
Foi nesse contexto que, lá em Tórshavn, durante as últimas férias, descobri que Eivør faria uma apresentação na Dinamarca. Eu e a Renata somos, no mínimo, bastante preguiçosos no que se refere a ir a shows, temos inclusive anedotas particulares a esse respeito. Mas ambos sabíamos que Eivør era alguém que queríamos muito ver cantando e que dificilmente teríamos outra oportunidade.
Então toca pesquisar, planejar e replanejar. Não seria uma simples apresentação dela, mas sim um grande festival de música - o Nibe Festival, um dos maiores da Dinamarca. Exigiria um desvio de 200 km ao norte de onde pretendíamos ir mas, e daí? Repeti a mim mesmo: dificilmente teríamos outra oportunidade. Compramos ingressos, mudamos a reserva do hotel e, quando saímos de Ribe, nosso destino era o festival.
Acabamos não vendo nada da cidade de Nibe propriamente dita, um lugar pequeno pertencente ao município de Aalborg. Aliás, a Dinamarca andou sabiamente reformando o seu sistema administrativo, reduzindo o número de municípios de 270 para 98. Foi nessa reforma que Nibe perdeu o status de município. Bem diferente do que é comum acontecer no Brasil...
Então, enfim, o festival de Nibe. À primeira vista, não é tão diferente de outros eventos similares no Brasil - e que, tenho de admitir, estão longe de gozar da minha simpatia. Mas aos poucos fomos percebendo algumas diferenças: uma, a quantidade de famílias e crianças; outra, a educação das pessoas. Todas empolgadas com os músicos tocando no palco principal, e que não eram de forma alguma ruins. Quando chegamos, quem tocava era aparentemente algum clássico do pop rock dinamarquês; mas quem nos interessava era uma certa faroesa que iria se apresentar no palco lateral!
Quando Eivør chegou, não havia muita gente, e pudemos ficar bem perto do palco. O show começou pontualmente (mais uma diferença com relação ao Brasil).
E... Eivør é fantástica. O show é lindo, limpo, a sonoridade é absolutamente fiel às gravações. Ela canta em diferentes línguas, o que causa um dilema curioso: embora nós obviamente entendemos muito melhor as letras cantadas em inglês, tínhamos dois motivos para preferir as canções em feroês - além de a própria sonoridade da língua ser um atrativo a mais, eram as músicas que conhecíamos de antemão dos discos comprados nas Ilhas Faroe. Para quem tiver curiosidade de ouvir, é fácil achar vídeos dela no Youtube. Além disso, eu mesmo já usei música da Eivør num dos vídeos que publiquei (aqui tem a nossa canção favorita).
Mas voltando a Nibe... Não parou por aí. No meio da apresentação, um rapaz puxou assunto. Logo descobrimos que se tratava de um faroês que havia nos tomado por conterrâneos seus! Ele acabou ficando maravilhado quando contamos nossa história - modéstia à parte, não é todo dia que ele deve encontrar um casal de estrangeiros que foi até a sua terra para casar à moda faroesa e, de quebra, saiu na capa do jornal. Em poucos minutos, estávamos íntimos dele e dos seus amigos dinamarqueses.
Quando terminou a apresentação, Frode, o faroês, de repente virou para nós e lançou:
- Vocês querem falar com ela? Com a Eivør? Sim, vieram até aqui por causa dela, seria uma pena se não falassem com ela!
Eivør at Nibe FestivalE, dali a pouco, lá tinha ido ele conversar com algum segurança ou organizador do festival, depois com um dos músicos, depois com a própria Eivør, com a naturalidade que a gente mal consegue ter na nossa própria casa. Gesticulava, apontava para nós, logo começou a nos chamar.
Estávamos cara a cara com a Eivør.
Assim, inesperadamente, nem soubemos o que dizer! Pouco mais que o óbvio, apenas, mas consola-nos saber que ela deve ter se sentido prestigiada por ter dois fãs vindos de tão longe.
No final, o dia passou rápido. Quando percebemos, estávamos seguindo até Aalborg, onde iríamos pernoitar, como se tivesse sido tudo um sonho - lá estava a música de Eivør saindo pelo auto-falante do carro, mas o CD estava autografado e tínhamos novos amigos na lembrança e histórias para contar na bagagem.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

De carro pela Dinamarca: Ribe e Vejle

Da ilha de Ærø, seguimos para a Jutlândia, a península que concentra a maior parte da Dinamarca em termos de área. A travessia, mais uma vez, fizemos num dos confortáveis ferries dinamarqueses.
Chegamos assim à pequena cidade de Ribe, a mais antiga do país. O centro pode ser facilmente percorrido a pé. Mesmo assim, ficamos com a sensação de não ter dedicado tempo suficiente a Ribe. Sim, andamos pela acolhedora rua principal. Cruzamos uma antiga ponte sobre o rio. Atraídos pela vitrine, entramos numa convidativa padaria. Vimos a grande catedral (a igreja mais antiga de toda a Dinamarca) e as ruínas vikings.
Por outro lado, muito do que vimos foi rapidamente, sem o tempo adequado que cada detalhe pede para apreciá-lo, digeri-lo ou torná-lo familiar. Assim: não vimos o interior da igreja; não visitamos o museu viking da cidade; não fomos ao parque natural de Wadden, que fica perto, mas demandaria tempo para ser explorado.
De Ribe, seguimos para Vejle, no lado oriental da península. Ao contrário de Ribe, Vejle tem ar de cidade grande (embora, com 100 mil habitantes, seja grande apenas para os padrões dinamarqueses) e arquitetura mais moderna. Daí que a passagem por lá acabou sendo interessante como forma de sair um pouco do roteiro de cidades pequenas e pitorescas que vínhamos fazendo há alguns dias. Mas também não tivemos muito tempo em Vejle, apenas o suficiente para caminhar pelo centro e almoçar. Embora viéssemos rodando mais ou menos à toa (como boas férias merecem), tínhamos um objetivo bem especifico de estar no extremo norte do país antes do final do dia. Motivo esse que é assunto para o próximo capítulo!

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Os Jogos Olímpicos dentro de casa

De certa forma, este blogue nasceu por causa dos Jogos Olímpicos - precisamente em 2008, quando fui à China para conhecer o país e acompanhar de perto o evento de Pequim. Daí seria natural falar, agora, dos jogos do Rio de Janeiro.
Bem, para começar, preciso dizer que muito do que envolve a cidade costuma despertar em mim emoções intensas e contraditórias. A Olimpíada do Rio foi boa? Sim, foi muito boa. Poderia ter sido incrivelmente melhor? Sem dúvida.
Ver tanta gente diferente, dos mais diversos cantos do planeta, é sempre fascinante. E os Jogos Olímpicos são perfeitos para isso, ainda mais que a Copa do Mundo. Acho que nenhum outro evento reúne tantos participantes e espectadores de praticamente todos os países. Esse é, sem dúvida, o ponto alto. E assim, talvez influenciados pela nossa recente viagem a terras nórdicas, a Renata e eu assumimos uma forma um tanto faroesa de acompanhar os jogos: escolhíamos sempre um time ou atleta de nossa simpatia e torcíamos ferrenhamente por ele, mesmo que não fosse brasileiro e não houvesse brasileiro algum em ação. Qualquer detalhe vale para um país conquistar nossa simpatia: que seja terra de gente querida; que tenhamos visitado anteriormente; que tenha uma história inspiradora; que não tenha tradição no esporte; que tenha cores bonitas, ou um hino bonito... O importante é se envolver. Sou da opinião de que é muito mais divertido acompanhar qualquer esporte quando se tem alguém para torcer!
Isso acabou acentuando o contraste (e o choque): enquanto a atitude entre as torcidas estrangeiras era, invariavelmente, de respeito e de amizade, o lado brasileiro era marcado por algumas atitudes desrespeitosas, egoístas, agressivas e barulhentas. Nem preciso citar a polêmica das vaias durante os jogos. Mesmo que não fossem as vaias, a quantidade de gente se levantando durante as partidas, furando filas nos intervalos e gritando e xingando o tempo todo era constrangedora. Uma pena.
Mas não nos deixamos abater por isso, nem pelo fato de que a maioria das instalações ficava realmente longe do centro. Fomos, vimos, torcemos, perdemos e vencemos. Presenciamos momentos emocionantes, como decisões nos últimos segundos no handebol e na vela. Na natação, levamos nosso puffin e ele mais uma vez roubou a cena. Vimos gols, defesas, saltos, corridas, braçadas, pódios, bandeiras, lágrimas e júbilo. Como tem de ser uma boa Olimpíada. Isso posto, quem esperava um desastre viu um grande sucesso, e o fato de que o país, com sua conturbada situação econômica e política, tenha feito o maior dos eventos no pior dos momentos não é pouca coisa. Nesse ponto, palmas para nós.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A ilha dos casórios e o Grande Schnauzer

Ao chegar à ilha de Ærø, tivemos instantaneamente a certeza de estar num lugar idílico, talvez um dos mais bonitos de toda a Dinamarca. A ilha tem pouco mais de 30 quilômetros de ponta a ponta e pouco menos de 10 mil habitantes no total. Percorrê-la é atravessar campos de trigo avistando lebres e coloridos faisões. Mas a parte mais pitoresca talvez seja mesmo as casas antigas e bem conservadas de vilas como Ærøskøbing.
Aliás, nossa acomodação em Ærøskøbing por si só já foi bem curiosa, pois chegamos e o dono estava literalmente de saída: instalou-nos no melhor quarto, entregou-nos a chave da pousada e despediu-se de nós apressadamente, pois tinha de pegar o barco. Alugáramos um quarto e acabamos ficando com o prédio inteiro para nós!
Logo descobrimos outra particularidade sobre a ilha: Ærø é conhecida como a ilha dos casamentos, alguns a consideram uma espécie de "Las Vegas europeia"! Constatar isso foi bastante curioso, até porque nós mesmos tínhamos acabado de nos casar. Em Ærø, eles têm agências especializadas em organizar os casamentos, incluindo viagem, cerimônia, recepção e papeladas, e tem-se a impressão de que a todo momento está acontecendo um casamento em algum ponto da ilha. As igrejas tocavam o sino e nunca tínhamos certeza se estavam apenas chamando para a missa ou se tratava de mais um casamento!
Outra particularidade de nossa passagem pela ilha - esta, longe de ser exclusividade de Ærø - foi o encontro com o Grande Schnauzer. "O Grande Schnauzer" é como chamávamos Netto, a rede de supermercados dinamarquesa que tem como símbolo justamente um cão schnauzer. Dado que nossa pousada tinha uma cozinha nova e bem equipada, ir ao supermercado comprar ingredientes para cozinhar nossa própria comida acabava sendo um programa bem convidativo. Mas não foi só em Ærø que fizemos isso: em outras cidades também buscávamos onde nos abastecer, principalmente com o insuperável iogurte de laranja local, e quando víamos o simpático cachorrinho já corríamos para ele: o Grande Schnauzer!

domingo, 14 de agosto de 2016

De carro pela Dinamarca: Faaborg e o castelo de Egeskov

A ideia original era ir de Odense até Faaborg, mas não resistimos a uma passagem por Egeskov, que fica a meio caminho entre as duas cidades. O atrativo de lá é o castelo de Egeskov, que chama a atenção por ser muitíssimo bem preservado, além de bonito, com elementos góticos e renascentistas que, no fundo, têm tudo a ver com a imagem que temos dos castelos de cinema.
A história do castelo é interessante. Construído originalmente para defesa de seus moradores, foi reformado e transformado em museu pelos donos mais recentes: para sorte dos visitantes, vale mais a pena abrir as portas e cobrar ingressos do que manter o castelo fechado. Mesmo que o investimento com as instalações não tenha sido, de forma alguma, pequeno! Mais do que o castelo em si, o complexo contempla um verdadeiro parque com jardins, árvores, espaços para jogos ao ar livre e diferentes (e sofisticados) museus. Dá para passar facilmente um dia inteiro lá. Vimos muita coisa e, ao consultar a página do castelo na Internet, ainda descobri que deixamos de lado muitas outras atrações. De qualquer forma, merecem destaque as coleções de veículos antigos (carros, motos, bicicletas e até aviões), brinquedos, roupas, objetos... E o castelo propriamente dito, é claro. Um castelo desses, cercado de água e de verde, enche os olhos de qualquer um.
Saindo de lá, rumamos para Faaborg, uma pequena cidade e porto no sul da ilha. O centro da cidade é compacto e repleto das casas antigas e bonitas que (estávamos descobrindo) se encontram em praticamente toda a Dinamarca. A verdade é que, tendo nos concentrado em passear pelo complexo de Egeskov, não tivemos muito tempo em Faaborg. Mas a cidade também é um ponto de partida para a travessia, em barco, até a pitoresca ilha de Ærø. Que é história para o próximo capítulo.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

De carro pela Dinamarca: primeira parada, Odense

A dimensão do país, a geografia plana e as estradas impecáveis e bem sinalizadas fazem da Dinamarca um lugar excelente para se conhecer de carro. Foi o que fizemos durante uma semana (tempo que, se fosse mais longo, teria nos permitido conhecer o país melhor e com mais calma, mas é o que tínhamos), saindo de Copenhague para visitar o interior do país.
Aliás, interior é modo de dizer, pois não há uma separação clara entre uma faixa litorânea e o interior continental. A Dinamarca é composta por uma península, a Jutlândia, e um complexo arquipélago interligado por inúmeras pontes e travessias de ferries. Copenhague fica numa das ilhas (a Zelândia), já bem próxima da Suécia. De lá, não seria difícil chegar ao extremo oposto do país com algumas horas de carro. Sair da Zelândia em direção à Fiônia já é espetacular, pois as duas ilhas são ligadas por um complexo de pontes impressionante que inclui o maior vão livre da Europa.
Fazendo a travessia, chegamos a Odense, terceira maior cidade da Dinamarca, que fica no coração da Fiônia. Apesar de grande para os padrões dinamarqueses, Odense, no Brasil, seria considerada uma cidade média. O mais legal da cidade (cujo nome é uma referência ao deus nórdico Odin) é que ela é a terra natal de Hans Christian Andersen, o pioneiro dos livros infantis. Referências ao autor, que nasceu numa família pobre e aparentemente conseguiu ascender graças ao seu sucesso com a pena, estão por toda parte. Pegadas amarelas cruzando o centro de Odense levam a pontos notáveis na biografia e na bibliografia de Andersen. Lá estão duas das casas em que ele morou quando criança, hoje ambas transformadas em museu e muito bem conservadas. Uma delas, aliás, é hoje parte de um complexo maior inteiramente dedicado ao autor. Espalhadas pela cidade também estão diversas esculturas representando Andersen ou alguns de seus personagens mais famosos.
Independentemente de gostar da obra de Andersen (a verdade é que muitos de seus contos seriam considerados trágicos demais para as crianças de hoje, acostumadas às versões mais açucaradas da Disney), o passeio rendeu algumas descobertas interessantes. Como o fato de que o personagem que conhecemos por Soldadinho de Chumbo é, no original, um soldadinho de estanho. A verdade (num daqueles fascinantes casos de influência da química na história e na língua) é que ligas de ambos os metais foram usadas na fabricação dos brinquedos, apresentando cada um diferentes períodos de apogeu e declínio. Quando começaram a ser feitos, na Alemanha e logo na Inglaterra, usava-se estanho - daí na língua inglesa ter se popularizado tin soldier e, no dinamarquês de Andersen, tinsoldat. Mais tarde, brinquedos deste tipo começaram a ser feitos na França a partir de chumbo, que então era mais barato por aquelas bandas. O resultado é que as línguas latinas adotaram soldat de plomb (francês), soldadito de plomo (espanhol), soldadinho de chumbo e suas variantes. O que é curioso, já que, para a criança, realmente o importante era o brinquedo e não a matéria-prima de que ele era feito (e à qual retorna o soldadinho, no conto). O fato é que assim, seguindo pegadas, descobre-se muitas histórias em cada história.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Copenhague, Copenhaga, Copenhagen, København

Tanto em nossa primeira passagem pela Dinamarca quanto na última, ficamos hospedados em Copenhague, que é a porta de entrada natural do país. E nossa relação com a cidade, em ambos os casos, acabou sendo ambígua: não é que não tenhamos gostado de lá, mas também definitivamente não morremos de paixão por Copenhague.
O problema, na verdade, não é difícil de entender: usamos Copenhague como uma parada intermediária para visitar as Ilhas Faroe. E competir com esse arquipélago é simplesmente uma covardia. Perto de lá, Copenhague acaba sendo uma cidade grande demais, impessoal demais e com verde de menos. O que é uma pena pois, livre da comparação, ela certamente seria digna de nota.
A primeira coisa que chama a atenção, em Copenhague, é a quantidade de bicicletas. A forma como elas são disseminadas como meio de transporte, a quantidade de faixas para ciclistas e a educação destes (e dos motoristas de carros) chega a dar inveja. Depois descobrimos que, nesse sentido, Copenhague é o pináculo do que acontece na Dinamarca em geral: as pessoas usam bicicleta o tempo todo, e isso é fantástico.
Também tem a estátua da Pequena Sereia (o autor, H. C. Andersen, era dinamarquês), um dos cartões-postais mais famosos da cidade. Bem... Na minha opinião, a estátua da Pequena Sereia é sem graça. Não que seja feia ou desagradável, apenas acho que é uma obra relativamente simples e que não justifica a fama que tem (e muito menos as hordas de turistas se acotovelando para vê-la). O que me surpreende é que Copenhague tem muitas outras esculturas bem mais impressionantes, sendo fácil citar várias dentro e ao redor da Gliptoteca, ou a própria estátua de Andersen em frente à prefeitura, ou a minha preferida, a da fonte de Gefion. Esta última, por ironia, fica bem perto da Pequena Sereia, mas é muito menos disputada... Enfim, Copenhague é uma cidade linda para quem gosta de esculturas, mas a sereiazinha não é o melhor exemplo disso.
Copenhague tem parques, mar, estrelas Michelin, um belo jardim botânico, um centro vibrante e até mesmo uma outra cidade dentro de si (Frederiksberg fica dentro de Copenhague assim como o Vaticano fica dentro de Roma). Mas onde nos divertimos mesmo foi no Tivoli! O Tivoli é um parque de diversões clássico, daqueles à moda antiga. Com roda-gigante, montanha-russa, carrossel, algodão-doce, sorvete e tudo o mais que não pode faltar. Consta que é o segundo parque de diversões mais antigo do mundo. A entrada é um tanto cara para quem pensa em reais, mas é o padrão escandinavo: pode não ser barato, mas é de primeiríssima qualidade. Passamos uma tarde lá e demos boas risadas - no meu caso, isso não é pouca  coisa, dado que normalmente parques assim não me animam muito!
No final, a impressão que fica é a de uma cidade capaz de agradar a diferentes paladares - uma cidade múltipla como seus nomes: Copenhague para os brasileiros, mas Copenhaga para portugueses, Copenhagen para anglófonos e, esbanjando elegância, København para os próprios dinamarqueses.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Nossa vizinha, a rainha

As coisas em Tórshavn não acontecem da mesma forma que em outros lugares. Saímos de casa de manhã cedo; ao passar pelo que parecia ser uma escola, vimos a rua toda decorada com balões coloridos e as crianças usando coroas de papelão. Lembrava vagamente uma festa infantil, e chegamos a calcular em que dia do mês estávamos, na hipótese de ser algum feriado junino.
Adiante, havia mais gente que se reunia e convergia para a praça em frente à catedral. Eram crianças com coroas feitas à mão e agitando bandeiras faroesas e dinamarquesas, mas também muitos adultos (bem, muitos, para os padrões faroeses, não chega a uma centena). Alguns vestiam o magnífico traje típico nacional. No centro, um grupo tocava música. Paramos para assistir. Logo após algumas canções, alguém se apresentou para discursar e vimos passar uma senhora elegante, impecavelmente vestindo também o traje faroês.
Tínhamos acabado de presenciar a chegada da rainha da Dinamarca às Ilhas Faroe e a sua recepção pelo Primeiro Ministro e pelo povo da capital.
Depois soubemos que é uma tradição da rainha visitar as ilhas durante o verão; e que, desta vez, ela viera sem a companhia de outros membros da família real, o que, segundo o jornal, causou um leve desapontamento entre os faroeses, que esperavam ver não só a rainha mas também alguns dos príncipes.
Foto: Renata Teixeira
Também soubemos que o lindo barco que havíamos visto no porto é o histórico navio real, que serve à rainha em viagens como esta.
E, de quebra, ficaram esclarecidos dois fatos que haviam chamado a atenção: a quantidade de bandeiras dinamarquesas hasteadas e a quantidade de policiais nas ruas. Eu não lembrava de ter visto um policial sequer nas viagens anteriores e ficara um pouco triste com a presença deles (mesmo em quantidade minúscula para qualquer cidade brasileira, eram muito mais do que eu esperava em Tórshavn), mas concluí que estavam lá por causa da rainha, tanto que, depois da visita, sumiram todos. Quanto às bandeiras, bem, sempre houvera mais bandeiras faroesas que dinamarquesas. Mas essas estavam lá também por causa da rainha, e chegamos a brincar que a população devia guardar umas bandeiras dinamarquesas no fundo do armário para usar apenas nessas ocasiões, quase como uma criança que quer se mostrar obediente quando a mãe chega em casa. A história, porém, talvez seja ainda um pouco mais singela, pois, uns dias depois, a cidade foi tomada por bandeiras islandesas (em prédios oficiais, casas e até nos ônibus) e, passados mais uns dias, foi a vez das bandeiras groenlandesas. Intrigado, levantei uma suspeita e a confirmei: as bandeiras tinham sido exibidas exatamente nos dias de feriado nacional da Islândia e da Groenlândia. Que forma mais simpática de homenagear os vizinhos nórdicos!
Mas a nossa história com a rainha não tinha terminado ainda. Em outra ocasião, estávamos chegando, de carro, em nossa casa no coração da cidade. Havia alguns policiais e fomos parados. Perguntei o que havia e recebi a resposta:
-É que nossa rainha está indo embora!
Paramos rapidamente o carro (ao saber que estávamos hospedados ali, o policial nos deixou passar) e saímos para a rua com uma missão particular: encontrar a rainha! Havia poucas pessoas por ali, mas a presença dos policiais permitia supor qual o caminho que a rainha usaria. Então vimos um carro preto parado em frente a uma casa, a poucos metros de nossa própria casa; a rainha chegou, entrou no carro e passou exatamente do nosso lado, com um sorriso que só as rainhas sabem ter, e passou acenando para nós. Nossa vizinha, a rainha da Dinamarca.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Na capa do jornal: foi incrível! (2/2)

Aqui vai a continuação da postagem anterior, com a conclusão da matéria de Áki Bertholdsen.

Embora estejam há poucos dias nas Ilhas Faroe, eles já têm ligações com vários faroeses. Os faroeses são hospitaleiros, amistosos e autênticos, diz Eduardo.

O clima não é problema
Muitas vezes, estrangeiros recém-chegados dizem que as Ilhas Faroe são frias demais. Eduardo e Renata discordam:
-No Rio de Janeiro é tão quente que chega a ser desconfortável, preferimos um clima mais ameno, dizem eles.
Contudo, eles gostariam que aqui houvesse um pouco menos de chuva e de vento:
-Realmente há bastante vento e chuva, e o tempo muda constantemente nas Ilhas Faroe.
Outra coisa que os maravilha é haver tantas horas de claridade durante o verão:
-Houve uma noite em que acordei e achei que tinha perdido a hora, e levei um momento até lembrar de olhar para o relógio e descobrir que ainda era madrugada, apesar da claridade lá fora.
Apesar disso, eles dizem que as Ilhas Faroe parecem ser um bom lugar para viver, e imaginam que seriam felizes se morassem aqui.
Eles ainda não tiveram oportunidade de experimentar muitas comidas faroesas mas, nesta viagem, foram a um restaurante perto de Tórshavn onde provaram ræst [carneiro seco].
-É um prato forte, mas bastante saboroso.
Dentre as coisas que ainda não viram mas têm vontade de conhecer, citam o Ólavsøka [Dia de Santo Olavo] e o festival de Gøta.
Eles têm vontade de aprender feroês, mas dizem que isso não é fácil, pois a língua é difícil e não há professor no Brasil. Mesmo assim, compraram um livro e estão se empenhando em ler, começando por algumas frases simples como "hvussu eitur tú", "góðan dagin" e "hvussu góngur".

Eles formavam um casal feliz e sorridente ao sair da igreja após a cerimônia.

Chocados com o grindadráp
Eduardo diz que não há muitas pessoas no Brasil que já ouviram falar nas Ilhas Faroe:
-Então, quando nós mostramos fotos das Ilhas Faroe, as pessoas ficam encantadas. Chegam até a duvidar de que exista um lugar assim.
Ele diz também que, quando as pessoas procuram pelas Ilhas Faroe na Internet, ficam um tanto chocadas com as imagens de grindadráp [caça a baleias-piloto] que aparecem na tela.
-As pessoas se chocam quando veem fotos disso, e comentam, nós mesmos já demos algumas explicações sobre o grindadráp lá.
-Eu mesmo, na primeira vez em que vi fotos de grindadráp, fiquei um tanto chocado. Mas é preciso entender a origem de tudo isso. Com o tempo, passei a entender melhor a questão cultural que há por trás. A maioria das pessoas come muita carne, mas não mata animal algum, então não vê sangue. Não comem baleias, mas comem vacas e porcos. Assim como comem galinhas e outros animais. Aqui nas Ilhas Faroe, o animal que sempre houve, historicamente, é a baleia. Por uma questão de sobrevivência, em cada lugar sempre comeram o que havia disponível, considera Eduardo.
Ele mesmo, entretanto, não provou a carne de baleia.
-Não provei baleia. Nem houve oportunidade, para falar a verdade. Também não presenciamos nenhuma caçada. Mas nossa experiência aqui tem sido tão rica em outros aspectos, e isso é o mais importante, diz ele.

O casal recém-casado. O buquê de Renata é um puffin.

O bem mais valioso
Eduardo e Renata dizem que, quando resolveram se casar nas Ilhas Faroe, não sabiam como a ideia seria recebida. Quando escreveram para Jónsvein Bech, o sacerdote, assim como para alguns outros faroeses, ficaram aliviados com a boa acolhida que tiveram de todos. Da mesma forma, elogiaram a presença de todos na igreja e a forma como cada dificuldade foi sendo resolvida.
-A cerimônia foi perfeita e inesquecível, realmente nunca nos esqueceremos disto. Queremos agradecer a todos vocês, a todas as pessoas que nos ajudaram - com o penteado e maquiagem da noiva, com as roupas faroesas, levando-nos para lá e para cá, e tantas coisas mais.
Eles se mostraram especialmente emocionados com o sacerdote, que celebrou a cerimônia praticamente toda em inglês, desejando-lhes muitas felicidades e expressando o quando todos nós ficamos felizes e agradecidos por terem vindo de tão longe para se casar aqui.
-Isso é o mais valioso. Nós já sabíamos que os faroeses eram simpáticos e hospitaleiros, mas agora descobrimos que o são ainda mais do que podíamos imaginar, dizem Eduardo e Renata.
Eles vão embora das ilhas no final de semana:
-Vamos levar os papéis ao consulado brasileiro em Copenhague, para que possam ser aceitos no Brasil.
Eduardo mantém um blog na Internet onde escreve sobre vários lugares. Ele já escreveu lá sobre suas os outras viagens do casal às Ilhas Faroe. Para os leitores que tenham algum conhecimento de português, o endereço do blog é http://cartas.edutrindade.com
Quem quiser ver mais fotos deste fantástico casamento em Tvøroyri pode ir à página www.in.fo, clicar em Myndasavn e procurar lá pelo álbum [link direto aqui].

Eduardo e Renata disseram ter ficado emocionados no momento em que o padre os declarou marido e mulher.

domingo, 3 de julho de 2016

Na capa do jornal: foi incrível! (1/2)


Pois é! Sabíamos que, no nosso casamento, havia um jornalista falando conosco e tirando fotos. Esperávamos um pequeno parágrafo no jornal, como parece ser o costume quando as pessoas se casam por aqui. Mas, quando fomos à banca no dia seguinte, descobrimos que estávamos na capa do maior jornal das Ilhas Faroe! Há também uma versão na página online, que inclui várias fotos do casamento.
Eu não podia deixar de traduzir a matéria do jornal. Com limitações e bastante improviso, é claro, mas dá para o gasto. Eis aqui a primeira parte:

Do Brasil para as Ilhas Faroe: Isto foi incrível

Ontem aconteceu um casamento totalmente especial na igreja de Tvøroyri, em que um casal veio desde o Brasil até Tvøroyri para se casar, pois não imaginavam lugar melhor para a sua cerimônia que as fantásticas Ilhas Faroe

Foi incrível!
É o que dizem Eduardo Trindade e Renata Teixeira.
Eles são do Brasil, mas percorreram todo o caminho até as Ilhas Faroe com um objetivo especial, o de se casarem, pois não conseguiam imaginar lugar melhor para concretizar sua união.
Eles se casaram na igreja de Tvøroyri ontem à tarde numa cerimônia que, nas próprias palavras dos noivos, foi incrível, melhor ainda do que haviam sonhado.
-A emoção foi muito grande, especialmente quando o padre falou de nós e de como tínhamos nos conhecido, isso foi muito especial, disseram eles.
Um longo tempo pensando nas Ilhas Faroe
O engenheiro químico Eduardo Trindade, de 36 anos, e a bibliotecária Renata Teixeira, de 39 anos, ficaram completamente encantados com a natureza, as pessoas e a cultura das Ilhas Faroe. Eles se mostram positivos até com relação ao clima, tendo pego muito pouca chuva, embora o dia ontem estivesse nublado.
A primeira vez que eles ouviram falar das Ilhas Faroe faz alguns anos. Eduardo havia lido um livro de um famoso aventureiro brasileiro, Amyr Klink, escrito após uma viagem de veleiro em que Klink visitou a Antártica em 1989 e rumou em seguida para o Ártico. A viagem durou um total de 642 dias e, no meio do caminho, o velejador passou pelas Ilhas Faroe.
-No livro, ele escreve que, de todos os lugares que havia visitado naquela viagem, o que mais o havia tocado era as Ilhas Faroe, diz Eduardo.
-Assim surgiu a ideia de que, quando possível, deveríamos vir até aqui e ver com os próprios olhos esse lugar.
A oportunidade de fazer a longa travessia do Brasil para cá surgiu em 2013, quando viajaram para alguns dos países nórdicos.
Antes disso, Eduardo e Renata haviam se conhecido num ônibus no Rio de Janeiro.
Sem saber, eles tomavam todo dia o mesmo ônibus para ir ao trabalho. Até que, certa ocasião, sentaram um ao lado do outro no ônibus e começaram a conversar. Então passaram a se ver mais vezes e foram descobrindo mais afinidades.
E um dia surgiu a oportunidade de passar férias na Escandinávia e de aproveitar para conhecer pessoalmente as Ilhas Faroe. Quando o fizeram, foi no inverno, em fevereiro, como eles contam:
-Ficamos aqui por apenas dois dias, mas foi o suficiente para ficarmos encantados pela paisagem, e tivemos certeza de que precisávamos voltar com mais tempo.
No verão de 2014, então, retornaram às Ilhas Faroe. Nesta ocasião, acabaram ainda mais encantados com o lugar que da primeira vez. Ficaram por cerca de uma semana e, dentre outros lugares, visitaram Suðuroy.
-Nós ficamos encantados com a receptividade das pessoas, em Suðuroy conhecemos pessoas incrivelmente amigas e hospitaleiras.
Não há lugar melhor que as Ilhas Faroe
Eduardo e Renata são cada um de partes diferentes do Brasil e moram no Rio de Janeiro, ou seja, num terceiro estado.
-O Brasil é um país muito grande e seria difícil reunir todas as duas famílias numa cerimônia de casamento. Então resolvemos fazer da nossa maneira, do jeito que seria melhor para nós dois, e para nós não havia lugar melhor que nas Ilhas Faroe.
-As Ilhas Faroe têm um significado muito especial para nós. Desde a primeira vez, ficamos encantados com o quanto o lugar é bonito e o quanto os faroeses são simpáticos, diz Renata.
Eles ficaram realmente encantados com isso, e dizem que os faroeses são incrivelmente hospitaleiros e amistosos.
-Mesmo quando um faroês nos encontra pela primeira vez, é como se já nos conhecesse a vida inteira. A experiência foi tão boa, tão incrível, que resolvemos que deveríamos voltar às ilhas para poder ficar mais tempo.
-No Brasil temos uma reputação de sermos um povo receptivo, mas os faroeses são ainda mais simpáticos e hospitaleiros, e são bastante abertos com os estrangeiros. Quando um faroês fala algo ou faz um convite, mesmo para alguém que acabou de conhecer, percebe-se que é sincero, do coração. As pessoas no Brasil nem sempre são assim, diz Eduardo.

(continua na próxima postagem)

sexta-feira, 24 de junho de 2016

E então nos casamos!

No fundo, quando pensávamos em como seria o domingo 19 de junho de 2016, o que vinha à cabeça era algo relativamente simples. Por mais que houvéssemos planejado e sonhado com esse dia, sabíamos que teríamos pouquíssimos convidados (por uma escolha nossa, já que, sendo de dois diferentes estados e morando num terceiro, havíamos escolhido não privilegiar nenhum destes lugares e fazer uma cerimônia à nossa maneira). E, até o dia se aproximar, não sabíamos nem como seria exatamente a recepção destas mesmas pessoas.
Quando amanheceu o domingo, nossas últimas horas de solteiro voaram. Às 11 h, a moça que se oferecera para arrumar a noiva chegou para pegá-la. (Não é tão fácil reservar uma cabeleireira para o domingo nas Ilhas Faroe estando do outro lado do oceano, tanto que cheguei a treinar fazer algumas tranças na Renata, caso fosse preciso eu ajudá-la, e ela mesmo se maquiaria. Mas Vígdis, a filha dos donos da casa em que nos hospedamos, ofereceu-se e acabou fazendo um trabalho magnífico.) Eu fiquei sozinho para me arrumar, vestindo com cuidado cada uma das peças da roupa nacional faroesa que Mirjam nos havia preparado.
Uma meia hora antes das duas da tarde, Tróndur estava esperando do lado de fora da casa, pronto para me levar à igreja em seu carro novíssimo (um de seus orgulhos). Chegamos antes de todo mundo. Na igreja vazia, confesso que eu estava bastante nervoso. Dali a pouco, veio o senhor responsável por abrir as portas e acender as velas. Cumprimentou-me e paramos os três na frente da igreja, que fica em posição elevada, olhando para a rua. O senhor começou a tocar os sinos da igreja e foi incrível, como num sonho ou num conto de fadas. Quase no mesmo instante avistamos os carros subindo a rua, chegaram todos ao mesmo tempo - o padre, os convidados, e Renata, a noiva mais linda que já existiu. Seguindo a tradição faroesa, entramos juntos na igreja (que então já estava bem mais cheia do que poderíamos ter imaginado) pontualmente às duas horas, no exato instante em que os sinos pararam de badalar e o órgão centenário encheu a igreja de Tvøroyri com as notas da marcha nupcial. O padre nos recebeu no altar e conduziu toda a cerimônia em inglês, dava para ver o quanto ele mesmo estava nervoso e feliz pelo momento, certamente depois de ter passado a noite treinando em inglês as palavras que está acostumado a falar em sua língua. Quando convidou os presentes a cantar em feroês, tomou antes o cuidado de nos explicar de que falava cada uma das canções. No pequeno sermão, falou de como a Renata e eu nos conhecemos, e não poderia ter sido mais emocionante.
E veio o momento em que nos aproximamos, recebemos a benção, dissemos o "sim" mais especial de nossas vidas e trocamos alianças. Então nós dois, que estávamos em bancos separados na frente da igreja, sentamos juntos, para não nos separarmos mais. E assim foi de mãos dadas que cruzamos novamente a nave, ao som do órgão que tocava a marcha de Mendelssohn, caminhando lado a lado rumo à vida inteira que temos pela frente e que juramos escrever juntos, capítulo a capítulo, para fazer de nossa história uma linda história de amor, tão linda quanto o sorriso que reluzias naquele domingo. Te amo, Renata, minha esposa para sempre.

domingo, 19 de junho de 2016

Coisas que acontecem numa ilha distante

O melhor da vida são os encontros. O melhor das viagens, provavelmente, também.
A vida me ofereceu o encontro com a Renata, minha querida companheira, amiga, parceira, amada, namorada e noiva... Mas noiva apenas por mais algumas horas, já que hoje mesmo estaremos entrando na igreja para formalizar tudo o que sentimos um pelo outro e queremos viver juntos. Uma grande responsabilidade e, sobretudo, uma grande felicidade.
Quisemos que este momento fosse especial de todas as formas possíveis, inclusive no lugar escolhido. Antes do inevitável impasse - onde fazer a cerimônia, no Rio, no RS, em MG? - surgiu a semente da ideia de fazer num lugar que fosse bonito e especial para ambos. Incertos da resposta, procuramos contato com o padre, que foi mais que amável em nos acolher. E assim estamos agora em Suðuroy, a ilha que tem provavelmente as pessoas mais amáveis do planeta, prestes a nos casarmos!
O lugar é tão encantador que sua beleza não cabe nas fotos e torna pequenos os melhores superlativos. E as pessoas... Quando chegamos, Tróndur estava lá, sorrindo para nós, de camisa canarinho do Brasil e calça azul (ele de mangas curtas e nós de casaco nos 10 graus do fim de tarde). Levou-nos até o endereço em que ficaríamos hospedados. Lá, sem que esperássemos, o casal dono da casa já havia estacionado um carro para deixar à nossa disposição e foi logo estendendo a chave e falando de um ou outro macete para ligar o carro e passar as marchas.
Tróndur nos mostrou a cidade, levou-nos para jantar, para pescar, abraçou uma grande bandeira do Brasil saída não sei de onde e pediu licença para hasteá-la cerimonialmente hoje.
Jónsvein, o padre, um homem simples que é só sorriso, fez um pequeno treino da cerimônia, que será bilíngue. Mostrou-nos a igreja, contando sua história e a origem de cada peça da decoração.
O irmão de Tróndur, ex-futebolista como ele, apresentou-nos sua casa, onde cultiva um jardim de sonho, pinta quadros e guarda um verdadeiro museu de relíquias, com camisas de times de futebol, troféus, fotos, discos, antigas ferramentas de trabalho do pai e do avô...
Depois, visitamos Einar, que conversou, contou histórias do seu passado de pescador no Atlântico Norte, apresentou-nos sua filha que mora na casa em frente, convidou-nos para um café e chocolates.
Mais tarde, fomos visitados por um repórter do maior jornal das Ilhas que queria nos entrevistar e perguntou se podia ir à igreja tirar algumas fotos da cerimônia. (Todos pedem licença para assistir ao nosso casamento, como se fossem eles os intrusos e não nós.) Ao mesmo tempo, a dona da casa veio nos apresentar sua filha, que se ofereceu para arrumar cabelo e maquiagem de minha noiva, ajudá-la com o vestido e levá-la até igreja. Nisso tudo, quando percebemos, havia sete pessoas (e um puffin) na casa, conversando, contando histórias, rindo. Sim, a vida (como as melhores viagens) é feita de encontros. Havia chance de eu não amar a mulher que vive, sente e pensa tudo isso da mesma forma que eu?

domingo, 5 de junho de 2016

Um livro para viajar e a cidade de Bratislava

Foto: Eduardo Trindade
"A máquina de xadrez", do alemão Robert Löhr, é um livro que eu recomendo. Trata-se de um romance engenhoso, ambientado no século XVIII, que reúne várias das características que me atraem num livro, como o fundo histórico e a narrativa ágil e levemente misteriosa, que prende a gente até a última página. Eu gostaria de falar um pouco mais do livro, mas é difícil fazer isso sem dar com a língua no dentes, então me limito a copiar um pequeno trecho da contracapa: "No século XVIII, o barão Wolfgang von Kempelen encantou o continente europeu com a máquina de xadrez. Um autômato vestido de turco desafiava qualquer humano para uma invencível partida." Isso é estritamente real, está nos anais da história, como vocês podem conferir se tiverem curiosidade. E, a partir desse ponto, o autor escreveu seu livro.
A história se passa em Pressburg - e é aí que ela começa a sair das folhas do livro e da realidade histórica para a nossa realidade. Pressburg é o antigo nome de Bratislava, a atual capital da Eslováquia. A cidade é descrita pelo autor e, mais do que naturalmente, acabou absorvendo parte do meu interesse pelo próprio livro. Acontece: bons livros levam a gente a querer saber mais sobre seus personagens, lugares e segredos! Com "A máquina de xadrez", não foi diferente: demorou um pouco, mas acabei pisando em Bratislava.
Foto: Eduardo Trindade
Que é relativamente pequena para ser capital de um país, mas tem charme de sobra. Bratislava é um típico exemplo de uma cidade nobre do velho império austro-húngaro, tendo assim certos ares em comum com Viena, Praga e Budapeste, mas duma forma, digamos, mais intimista. O rio Danúbio está lá, tocando o centro histórico, que é compacto e muitíssimo bem conservado. Os restaurantes estão por todos os lados. E o que talvez mais chame a atenção são as estátuas bem-humoradas que se espalham por diversos pontos do centro. Estão ali como se quisessem piscar para a gente. Não longe delas, tivemos o privilégio de alugar um pequeno e confortável apartamento - o que acaba sendo mais gostoso do que ficar hospedado num hotel. Quase como se habitássemos as páginas de um livro.

Duas das estátuas de Bratislava


sábado, 28 de maio de 2016

Festa da Bergamota

Uma coisa que não falta no Rio Grande do Sul são festas dedicadas a alguma fruta ou produto típico. É uma tradição bastante antiga (e não exclusiva do estado) a de festas da colheita. Lá, onde que cada cidade é conhecida por um produto (há a cidade do basalto, da maçã, do vinho...), a mais famosa é a Festa da Uva, em Caxias do Sul, mas há também as festas da maçã (em Veranópolis), do morango (em Bom Princípio), dos doces (em Pelotas), do queijo (minha favorita, em Carlos Barbosa)... E, entre várias outras, a Festa da Bergamota, em São Sebastião do Caí, que visitamos nesta semana.
Bergamota é como chamamos a fruta que em outras partes é conhecida por tangerina, mexerica, mandarins, clementina, laranja-cravo, poncã... Essa prosaica fruta sendo, assim, uma das que têm mais nomes diferentes.
Sendo uma fruta de inverno, a bergamota é bem emblemática dos meses frios no Rio Grande do Sul: não há gaúcho que não tenha lagarteado comendo umas bergas no sol.
Quanto à Festa da Bergamota propriamente dita, ela acontece a cerca de uma hora de carro de Porto Alegre. Pode não ser o maior nem o mais badalado destes eventos, mas é bem agradável (até porque nada precisa ser grande ou badalado para valer a pena). Fomos com pouco tempo e o dia estava chuvoso, mas gostaríamos de ter ficado mais. Teríamos aproveitado com calma a bandinha alemã, os jardins floridos, a feira, a exposição de frutas, os doces e, é claro, as bergamotas. Suculentas, saborosas, convidativas e baratas. Resistir? Impossível. Vai uma bergamota aí?

terça-feira, 3 de maio de 2016

Rothenburg ob der Tauber

Foto: Eduardo TrindadeConfesso que a Alemanha nunca foi meu sonho de viagem. Nada contra o país ou seus habitantes, mas os livros e as histórias que cresci ouvindo acabavam sempre me levando a outros lugares. Assim, quando finalmente visitei a Alemanha, foi sem grande ansiedade. E, de certa forma, pude aproveitá-la com um olhar neutro, relativamente isento de preconceitos.
Descobri que por lá, ligadas pelas incríveis auto-estradas alemãs, há uma série de cidades pequenas e adoráveis. Rothenburg ob der Tauber é uma delas. Trata-se de um daqueles lugares que inspiraram todo um imaginário composto de ruas sinuosas e antigas, serpenteando entre casas com estrutura de madeira e cercadas por um muro medieval. A cara da Alemanha clássica. O mérito de Rothenburg é ter se mantido da mesma forma que era há uns mil anos, o que, convenhamos, não é pouca coisa.
Rothenburg tem o charme das melhores cidades históricas. Tivemos o privilégio de conhecê-la da melhor forma, ficando hospedados numa pousada bastante agradável, jantando num restaurante charmoso (e que funciona juntamente com uma interessante loja de vinhos de fabricação própria), e passeando por ela de dia e de noite. Provamos por lá a schneeball, doce típico da região que, para falar a verdade, decepcionou-nos um pouco por ser mais seco do que parecia à primeira vista; ainda assim, valeu pela experiência. Percorremos a muralha do alto e depois visitamos o impressionante (e macabro) Medieval Crime and Justice Museum da cidade, pleno de instrumentos de tortura.
Mas o que chamou mesmo a atenção foi a beleza de Rothenburg. Assim sendo, é natural que as melhores lembranças estejam nas imagens do lugar. Aqui têm, então, algumas das fotos de lá.

Foto: Eduardo Trindade

Foto: Eduardo TrindadeFoto: Eduardo Trindade

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Somos todos iguais, braços dados ou não

 Uma reflexão necessária sobre a situação atual do país, ainda que fuja um pouco ao tema do blogue.
"Quem vive nos Bálcãs acaba passando por pelo menos duas guerras." Um dia, um amigo nascido nos Bálcãs me falou isso, em tom de provérbio iugoslavo. Esse amigo, que tem a mesma idade que eu, morou em quatro países diferentes sem mudar de cidade. Já o pai dele passou por sete países. Melhor dizendo, sete países passaram por ele: é o que acontece quando se fica no mesmo lugar mas as fronteiras oscilam ao sabor das guerras e as nações se juntam e se separam ao sabor dos acordos políticos (aqueles que, como se sabe, são como as salsichas).
Nos últimos cinco anos, visitei três vezes os Bálcãs. Sempre que a discussão pendia para assuntos de economia, política e qualidade de vida, acabávamos concluindo que a situação do Brasil era muito melhor do que a de qualquer país da ex-Iugoslávia e que, dentre vários possíveis motivos para isso, um se destacava: a ausência de guerras no período recente. Era flagrante o quanto o Brasil, a despeito de sua diversidade, tinha um senso de união e de convivência pacífica invejável. Não digo que fosse perfeito, nós sabíamos das dicotomias norte/sul (ou sudeste/nordeste), pretos/brancos, ricos/pobres, mas nada chegava aos pés das sangrentas tensões balcânicas. Meu amigo invejava essa nossa paz, como invejava a pujança econômica, a oferta de empregos, invejava até mesmo nossa Copa do Mundo e nossos Jogos Olímpicos.
Hoje, porém, se saio para a rua em meu país ou faço uma busca rápida na Internet, vejo um ódio que não está tão longe daquele estopim perigoso dos Bálcãs. É algo que nunca vi antes, não no Brasil. Que extrapola enormemente a simples discussão de ideias políticas ou a disputa democrática por poder (por mais que estas já fossem, em seu cerne, menos edificantes do que as palavras podem fazer parecer). O que se vê é uma troca de acusações e ameaças que se distanciou demais dos alegados combate à corrupção, de um lado, e respeito à instituição democrática, de outro. Ora, não me venham dizer que o que está em jogo é a corrupção (até porque sequer é esse o foco do julgamento do impeachment da presidente). Também não venham negar o crescimento econômico do país: para citar um exemplo, eu mesmo vivenciei um momento, há 15 anos, em que engenheiros saíam da universidade mendigando um emprego, e outro momento, há uns três anos, em que empresas iam à universidade disputar a tapa engenheiros que sequer tinham se formado. Não serei ingênuo a ponto de afirmar que é tudo mérito exclusivo de Lula ou Dilma, mas também não me venham dizer que é apenas coincidência ter acontecido durante seus mandatos.
Agora, passado o ápice daquele momento econômico, instaurou-se uma disputa de poder que faz uso de um componente perigoso: o ódio. Na disputa pela cadeira do Palácio do Planalto, alimenta-se a ideia de que o Brasil está dividido entre grupos que seriam, estes sim, irreconciliáveis: honestos e corruptos, o bem e o mal. Com a presidente literalmente impedida de governar, e isso deste o início do mandato, utiliza-se o país como moeda de troca. O velho e anedótico "é dando que se recebe" assume proporções assustadoras. Passageiros e tripulantes do navio se digladiam enquanto este vai a pique, consolando-se com a pobre ilusão de culpar o adversário pelo naufrágio.
Abro o jornal e penso o que aquele meu amigo ex-iugoslavo diria. Nas manchetes, vejo que em Brasília constroem um muro para separar os dois lados do campo de batalha; nas estradas, manifestantes fazem barricadas queimando pneus; novamente em Brasília, um deputado comemora não estar mais na lista de procurados da Interpol (mas era pegadinha do malandro: ele continua com mandato de prisão... e continua deputado). Em meio a tudo isso, em São Paulo, os supostos representantes da nova política brasileira tomam decisões importantes: discutem a participação de uma cópia simplória do Fofão para alegrar a festa do impeachment. E essa é a parte menos pior da história, pois é a que nos permite rir, nem que seja da própria desgraça. Palhaço por palhaço, é difícil não lembrar do Tiririca: "pior do que tá não fica". O nobre deputado, quem diria, era um otimista.