quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Congonhas e seus profetas

Partindo de Ouro Preto, segui viagem de carro. No roteiro, Congonhas, Tiradentes, São João del Rey.
Primeira parada, Congonhas — não o famigerado aeroporto de São Paulo, claro, mas a cidade a meio caminho do roteiro histórico tradicional de Minas Gerais. Verdade que Congonhas não tem muitos atrativos quando comparada com outras cidades da região, mas já esperava por isto. Por outro lado, havia dois motivos que faziam com que a visita valesse a pena. Primeiro, a localização conveniente: era possível sair de Ouro Preto pela manhã e fazer lá uma parada estratégica, vendo o que há para ser visto, almoçando e seguindo caminho a tempo de alcançar Tiradentes antes do entardecer. Segundo, sem dúvida, os profetas de Aleijadinho, que são talvez a obra mais impressionante da arte barroca mineira.
Não vou me perder em explicações didáticas sobre as estátuas ou sobre a basílica; deixo isto para os guias especializados. Prefiro dividir com vocês as fotos: quem gosta de fotografia pode dedicar um bom tempo em Congonhas a explorar diferentes ângulos, texturas e efeitos em torno dos profetas de Aleijadinho. Quem não faz questão de fotografias, pode simplesmente admirar as estátuas enquanto se desliga da vida. E quem tem fome, como tive, pode apostar que vai encontrar em Congonhas uma boa mostra da inigualável cozinha mineira. Aventurei-me num restaurante ao lado do santuário, praticamente à vista dos profetas. Um casarão amplo em estilo colonial que, talvez pelo horário ou por ser meio de semana, estava quase vazio. Porém, acolhedor: enquanto a comida não vem, é fácil e gostoso conversar com os mineiríssimos donos do restaurante. Quando chega o prato, é difícil lembrar que a gula é um pecado: diante de comida tão abundante e tão saborosa, fartar-se só pode ser um grande prazer. Um dos tantos que se experimenta nestas estradas de Minas.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Você sabe dar nó em gravata?

Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
(Poema da Gare de Astapovo, Mario Quintana)
Rodoviária do Rio de Janeiro. Aquele universo confuso de gente de todos os tipos indo para todos os lugares. Uma sexta-feira à noite. Olhares cansados, distraídos, ansiosos, esperando o fim de semana, a volta para casa, a visita à família. Um gichê e uma fila para comprar passagens. Um banco de madeira a um canto da estação, o meu vagar distraído.
Sentado no banco, um senhor de certa idade tem os olhos fixos na minha direção e acena repetidas vezes.
A princípio, não presto atenção. O senhor, acomodado no banco e vestindo paletó, continua acenando, cada vez com mais insistência. Olho para os lados. Ninguém parece reparar. Encaro o senhor, ele me olha fixamente e balança a cabeça. Levo a mão ao peito, como se dissesse "quem, eu?", e ele se agita, responde silenciosamente com a cabeça "sim, sim!" Resolvo me aproximar.
— Você sabe dar nó em gravata? — pergunta, esperançoso, o senhor. E continua a explicar: ele vai a São Paulo, precisa da gravata, está disposto a passar a noite toda engravatado dentro do ônibus para já chegar arrumado ao seu destino, tendo em vista que não sabe dar nó em gravata.
— Olha, faz bastante tempo que não dou um nó em gravata... — esclareço, surpreso e comedido, lembrando ainda que todos os nós que dei foram em mim mesmo, com a gravata no pescoço e em frente ao espelho, e que ajustá-la no pescoço de outra pessoa pode ser mais difícil do que parece. Mas, nisto, o senhor já tirara do bolso, meio amarrotada, uma gravata em tom amarelo-pastel, e me suplicava para ajudá-lo. Tomo a gravata nas mãos e peço licença para, primeiro, ajeitá-la em mim, é a forma que tenho de relembrar como se faz aquela tarefa um tanto distante da minha rotina. Gravata no pescoço, erro o nó, erro a altura, depois finalmente acerto. Desfaço o nó, e não sei por que minhas mãos tremem quando passam a gravata pelo pescoço do homem. Aquele senhor tão mais velho que eu, encolhido no banco, de repente tem um ar de criança indefesa. E eu não sei lidar com crianças. Cabeça baixa, retraído, talvez envergonhado, o senhorzinho dificulta a minha tarefa. Peço que ele erga o pescoço, olhe para a frente. A postura muda, ele resolve puxar assunto, pergunta meu nome, chamo-me Eduardo, é o nome do filho dele, ele não vai esquecer de mim, e por aí a conversa flui. Tento o nó algumas vezes, definitivamente estou enferrujado, mas enfim acerto. Não é o melhor nó que eu já dei numa gravata, mas está bem aceitável e não vai apertá-lo muito quando ele tentar dormir no ônibus até São Paulo.
— Ficou bom? — interrogam-me os olhos do homem, e eu respondo que ele não vai fazer feio. O senhor sorri. Como despedida, pergunta se a mulher que me acompanha é minha esposa. Digo que não, mas retribuo o sorriso. Ele deseja Feliz Natal e me recomenda a Deus, eu respondo e agradeço. Não sei mais se a postura do homem sentado no banco é de idoso ou de criança, as aparências enganam. Resisto à tentação de abraçá-lo, não sei lidar com crianças, mas sinto que valeu a pena tocar com a mão o ombro daquele menino grande que, afinal de contas, vai enfrentar sozinho uma metrópole estranha.