segunda-feira, 26 de abril de 2010

Suvenires: hulusi, a flauta chinesa

Há algum tempo sinto vontade de falar sobre os suvenires de viagem que tenho guardado. Sendo um coisista compulsivo (o termo, até onde sei, é do Neruda, patrono dos coisistas), material não falta. O difícil talvez seja escolher por onde começar; sinto que o assunto rende não uma crônica, mas uma coleção completa delas.
Começo divagando, explicando que não gosto muito da palavra suvenir. No dia-a-dia, costumo falar lembrança, ou mesmo recordação, mas tanto uma quanto outra têm o inconveniente de não deixar claro se nos referimos àqueles objetos que trazemos de determinado lugar ou situação ou da própria sensação que eles nos evocam. Fiquemos, pois, com a palavra suvenir, que é a pequena lembrança material, símbolo daquela outra lembrança maior, imponderável.
Um desafio é trazer suvenires que fujam do óbvio. Verdade que, muitas vezes, os objetos mais prosaicos já me dão um prazer imenso. Mas, ah, aqueles que são originais, seja pela criatividade ou pela história que guardam, são incomparáveis!
Então vamos lá: eis a hulusi, uma espécie de flauta tradicional chinesa praticamente desconhecida no Brasil, mas não muito difícil de encontrar por lá. Tem um som doce e levemente anasalado e não é um instrumento complicado - tanto que até eu, com limitados dotes musicais, consigo me arriscar razoavelmente a tirar alguns sons dela.
Encontrei algumas hulusi em diferentes cidades da China, desde as mais simples, de plástico, para crianças, às mais sofisticadas. E gostei mesmo desta, feita de bambu e porongo entalhado (sim, porongo, quem diria!) com um bocal de osso. Adquiri-la foi toda uma divertida experiência: pus à prova minhas habilidades de pechinchador no mercado de Panjiayuan, em Pequim. Mesmo normalmente não gostando de pechinchar, na China é quase impossível não fazer isso. Pois fiz, e saí orgulhoso com minha compra a um preço razoável depois de muito regatear.
Outro ponto curioso é que qualquer estação de metrô de lá, talvez por causa dos Jogos Olímpicos, tinha uma forte segurança, com detectores de metais e guardas austeros. Que, ao me ver com aquele estojo a tiracolo, invariavelmente ficavam ressabiados e perguntavam o que eu estava levando. Quando respondia que era um instrumento musical, as reações eram divertidas, com a seriedade muitas vezes deixada de lado em troca da deferência a quem, como chegaram a dizer, atravessara meio mundo para levar consigo um pouco daquela cultura.

domingo, 18 de abril de 2010

Conversa de aeroporto

Viagens, mesmo as mais singelas, rendem histórias. Crianças também. Imaginem agora juntar, na mesma cena, uma viagem e uma criança...
Eu estava no aeroporto, já no finger, ou seja, na ponte que leva até o avião. Prestes a embarcar, mais uma vez, para minha querência. Foi quando notei que, também prestes a embarcar, estavam uma mãe e sua filhinha. A guria não parava de correr para lá e para cá. Numa dessas, desvencilhou-se da mãe por uns instantes e veio para o meu lado. Olhamo-nos uns instantes, eu entretido e curioso, ela com olhos brilhantes e talvez mais curiosos ainda. Aproveitei e perguntei:
- Vais para Porto Alegre?
E ela:
- Não. - o que me intrigou, pois eu sabia qual era o destino do avião. Já imaginando alguma conexão incomum, voltei a perguntar:
- Ah, é? Vais para onde?
A menina:
- Para o avião, ora!
Óbvio, não é? Mesmo assim, não me dei por satisfeito:
- E o avião vai para onde?
- Para o céu, voando, não sabia? - respondeu a menina, enquanto voltava a correr para os braços da mãe e me deixava em suspenso, rindo e sorrindo sozinho.

sábado, 10 de abril de 2010

Supermercado


Atrás de mim, na fila do caixa do supermercado, estão uma mulher e uma guria que parece ser sua filha ou sobrinha. Ouço-as conversando e reparo que a mocinha está de olho nas minhas siriguelas. Porque eu estou com uma bandeja de siriguelas fresquinhas entre as minhas compras. E elas conversam sobre isso. Acabaram de voltar de um sítio onde há um pé de siriguelas. A visão das frutas, agora, reacende a vontade e faz com que a menina peça à outra que compre, compre, compre siriguela! A mulher vai e volta com uma bandeja quando já estou começando a passar minhas compras pelo caixa. A tempo de eu ouvi-la dizer que já não havia siriguelas bonitas na prateleira, que bonitas mesmo só as deste rapaz (ou seja, eu) que soube escolher bem.
Uma pena eu não ter tido coragem de me intrometer na conversa, mas lá vou pela rua pensando comigo. Primeiro, que sorte da guria que tinha um pé de siriguela à mão. Segundo, quem diria que alguém, algum dia, iria elogiar minha capacidade de escolher siriguelas! Afinal, eu fui ouvir falar desta frutinha pela primeira vez aos 22 anos, só fui vê-la mais tarde e desde então posso contar nos dedos as vezes em que tive a oportunidade de prová-la.
Ah, em tempo: saindo do supermercado, andando pela rua, não fui em direção a casa. Eu não estava no Rio de Janeiro, muito menos em Porto Alegre. Fui ao hotel. Eu estava em Fortaleza e tomaria um voo no dia seguinte.
Acontece que, sempre que estou em um lugar diferente, principalmente se for um país diferente, um supermercado acaba sendo parada obrigatória. Encontram-se coisas curiosas e outras interessantíssimas, e não só na parte de comidas. Mas principalmente entre comidas e bebidas, o que às vezes acaba criando um desafio: como levar tudo isso para casa, e sem estragar?
Como? Às vezes arrisco, simplesmente, colocar tudo entre as roupas. (Com o cuidado básico de sempre ter à mão umas sacolas plásticas para embrulhar as compras e assim evitar desastres.) Se forem roupas de frio e se a viagem for curta, elas já garantem um isolamento térmico razoável. Uma outra técnica interessante é embrulhar os perecíveis em plástico bolha: funciona incrivelmente bem. Agora, se for preciso mais cuidado, o jeito é apelar para um isopor ou bolsa térmica (tenho uma, dobrável, que vai vazia dentro da mala e volta cheia sempre que visito o Nordeste). Já trouxe até sorvete assim.
Sorvete? Sim, porque a oferta de sorvete não é igual em todo lugar. Assim como a oferta de frutas: a tal siriguela, além de cajá (ou taperebá), açaí (ou juçara), cupuaçu, tamarindo, graviola... São frutas que, no Nordeste e ainda mais no Norte, existem numa quantidade inimaginável a alguém do Sul. Em todas as formas possíveis: além da própria fruta, há polpas, doces, sorvetes, bombons, sucos, iogurtes... Ao menos para mim, fica difícil controlar o impulso de sair comprando tudo.
Se a viagem é para São Paulo, os locais de compra podem ser o Mercado Municipal e o bairro da Liberdade. Na última ocasião, trouxe desde doces até cogumelos. Se estamos falando da Europa, são os queijos, presunto e vinhos. Na América do Sul de forma geral, erva-mate. Isso sem contar, claro, as pequenas surpresas, porque nelas é que muitas vezes está a graça. Encontrar coisas que provavelmente não traremos para o Brasil, como caracóis congelados em Lisboa, só isso já rende uma bela história de viagem. Assim como conversas entreouvidas entre carrinhos de compras.

Nota: siriguela é essa fruta da foto, que já encontrei em diferentes cidades do Nordeste e, particularmente, no supermercado que fica atrás do hotel em que costumo me hospedar em Fortaleza. Como eu nunca fotografei uma siriguela, e não tenho nenhuma à mão, tirei a imagem da Internet - no caso, daqui.