
Tomemos as planícies do Azerbaijão, coração da Transcaucásia, o que por si só já é uma região longínqua para um observador brasileiro. Agora peguemos um dos sinuosíssimos caminhos que sobem montanha acima, de preferência de carona num Lada Niva. Durante séculos, a cada invasão de armênios, russos, europeus ou mercenários diversos, o povo de lá só tinha uma saída real: fujam para as montanhas! No alto, um entre um punhado de vilarejos, está Xinaliq, ou Khinalug. A 2400 m de altitude, Xinaliq, de tão inóspita, foi poupada de todas os grandes massacres históricos - passou despercebida aos invasores, ou talvez estes tenham cogitado que não valia a pena subir a montanha até o pico pedregoso e nevado.
Hoje Xinaliq é uma cidade de menos de 2000 habitantes, na teoria já não tão isolada: uma estrada foi construída há poucos anos, ligando-a à capital da província, Quba. Mesmo assim, a tal estrada pode ser muitas coisas, mas não é fácil de se percorrer - e definitivamente não por forasteiros. Quem se arrisca, porém, é brindado com o privilégio de uma paisagem deslumbrante, de tirar o fôlego.

Como não poderia deixar de ser, a pousada em que ficamos é rústica, para dizer o mínimo. Pertence a dois jovens irmãos, que recebem os poucos hóspedes com chá e uma aula básica da língua local. Depois de instalados, saímos a conhecer o pequeno vilarejo, o que não é difícil de fazer a pé, apesar das ruas íngremes. Há dois pequenos museus, mas o mais interessante mesmo é observar as casas, a paisagem de montanhas ao redor e as pessoas indo e vindo. Eventualmente, tem-se a impressão de estar num mundo totalmente diverso. Por exemplo: espalhadas pela cidade há várias pilhas de... estrume. Posto para secar ao sol, ele forma blocos compactos que depois são utilizados como combustível. No fundo, é muito melhor do que usar lenha!

No final das contas, passar uma noite sem banho não é tão terrível e vale a pena se for o preço para conhecer um lugar tão bonito e autêntico; mas é difícil não pensar em como é a vida deles, acostumados a este tipo de coisa dia após dia.
Voltamos a Quba no mesmo Lada que havia nos levado, dirigido por um dos dois irmãos. No caminho, o telefone tocou: era um outro estrangeiro interessado em passar a noite em Xinaliq. Sem largar a direção, o rapaz me passou o telefone e, no inglês quase monossilábico em que nos comunicávamos, pediu que eu ajudasse a negociar o preço e as condições da estadia. Assim, com uma aula prática de como pechinchar à moda asiática (e, coisa rara, estando do lado de quem vende e não de quem compra), desci de Xinaliq. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.