terça-feira, 31 de maio de 2011

The magic of traveling

The magic of traveling is all about meeting people.* Há lugares que sei que são lindos mas que para mim não tiveram graça porque eu estava sozinho Há também lugares que poderiam passar em branco mas que a presença de alguém torna inesquecíveis.
Faz 15 anos, fizemos as contas. Há 15 anos, eu e Darko começamos a nos corresponder - ele na Croácia, eu no Brasil. Tornamo-nos amigos, trocamos histórias sobre nossas vidas e nossos países (quão pouco se ouve falar da Croácia por aqui!). Nosso meio eram as cartas, cartas mesmo, só bem recentemente passamos a nos escrever pela Internet.
E, mais recentemente ainda, o que era um convite vago se tornou real: estive finalmente na Croácia, Darko e sua família me receberam com tudo que alguém poderia querer.
Foi uma mescla de novidades e de (re)encontro com o que já me era familiar. Conversamos muito, lembramos histórias, vimos fotos. Mas estar com alguém pessoalmente sempre é diferente de se corresponder à distância, e neste ponto não me decepcionei. Darko tem quase que exatamente a mesma idade que eu, é interessante descobrir o quanto nossas vidas, em países distantes, são ao mesmo tempo parecidas e diferentes. A casa é uma joia, a cidade é pequena e encantadora (e quase colada a outras cidades um pouco menos pequenas e ainda mais encantadoras).
A família não poderia ter me tratado melhor. A comida... Comi muito, de tudo. Parece que ainda tenho no céu da boca o sabor daqueles almoços, o cheiro daquelas palačinke (panquecas!), a frescura daquela salada de frutas... Sim, comi até não poder mais. E como poderia ser diferente se, mesmo quando eu já estava satisfeito, aquela gente simpática ficava insistindo para eu comer mais e mais?!
Os pais dele falam bem pouco de inglês. Uma dificuldade? Talvez, porque afinal eu não sei tanto de croata quanto gostaria. Mas sobretudo uma experiência riquíssima na prática do pouco que sei da língua. E, mais do que isso, para descobrirmos que a amizade vai muito além de qualquer possível barreira. Acho até que a questão da língua, no final, das contas, ajudou: criou laços, como sempe se criam laços quando vemos alguém se dedicando a entender a nossa cultura.
Espero voltar lá. De preferência, com um vocabulário um pouco maior de croata (foi o que prometi). Também adoraria recebê-los em casa, no Brasil. Sei que tudo isso é difícil. Mas há ainda tanto a ver, a viver, a falar!
Trouxe para o Brasil três livros em croata. O primeiro é um livro de receitas: já que estou longe, quem sabe não relembro um pouco do país ousando recriar alguns de seus sabores na minha cozinha? Outro é um livro infanto-juvenil, não muitas páginas com letras relativamente grandes e algumas ilustrações. Ótimo para iniciantes no idioma como eu! E o terceiro livro é também indispensável: um dicionário para me socorrer na leitura dos outros dois...

* A magia de viajar é toda uma questão de conhecer pessoas. Com o perdão da língua portuguesa (que eu amo), esta frase fica tão mais bonita em inglês...

domingo, 29 de maio de 2011

O judeu errante e a mais estúpida de todas as histórias

Praticamente não há trens na costa croata. Em compensação, os ônibus são eficientes e confiáveis.
Tomei um deles, portanto, para ir de uma cidade a outra. Embarquei, procurei meu assento. Ao meu lado, havia um senhor de idade, relativamente magro, de roupas escuras e barba espessa. Após uns instantes, ele puxou assunto (uma fala arrastada, quase gaguejando, e um sotaque incomum) dizendo que estava indo até Trieste (parada final daquele ônibus). Perguntei ingenuamente se ele era italiano ou croata e ele me respondeu o que eu já devia ter desconfiado: era um israelense de Jerusalém, mas nascido na Rússia. Chamava-se Hanoch.
Foi tagarelando a viagem inteira. Sobre todos os assuntos possíveis. Já havia passado por uns tantos países da Europa e agora ia para outro. Aproveitava umas longas férias. E tinha como principal passatempo o estudo de línguas.
Logo percebi que ele sabia falar pelo menos o básico de inúmeras línguas. Bem pouco de português, que quando tentava falar ele confundia com espanhol (uma confusão bastante comum), mas em compensação parecia saber tudo sobre detalhes de pronúncia, sotaques e variações linguísticas do nosso idioma. Deu-me uma verdadeira aula sobre as possíveis pronúncias de "leite quente" em diferentes partes do Brasil. Mas seu interesse maior era por línguas e dialetos realmente pequenos, daqueles conhecidos apenas por um punhado de gente. Falou sobre o basco e o galego, mas estas acho que ainda eram grandes demais para ele. Falou sobre o aragonês. Falou sobre línguas usadas apenas em pequenas aldeias e do quanto gostava de percorrer a Europa visitando esses lugares... Falou, falou...
Lá pelas tantas, pedi licença e adormeci. Quando acordei, ele estava numa acalorada conversa com um australiano do outro banco e mais o cobrador do ônibus, croata... Falando em iídiche!
Até então eu havia evitado puxar algum assunto que tocasse na questão religiosa, ainda que por alto. Quando ele falou de comida, por exemplo, controlei-me para não dizer o quanto eu adoro o presunto que se encontra em toda essa região do Mediterrâneo. Mas, instigado pelo australiano, Hanoch confessou que, nesta viagem, havia comido carne de porco... Contou, também, que o único realmente religioso da família é seu irmão, que tem 11 filhos! (A religiosidade está em levar a sério o preceito de "crescei e multiplicai-vos".)
Cheguei ao meu destino, despedi-me e desembarquei. Enquanto Hanoch seguia sua peregrinação particular, eu penetrava mais fundo no coração da Croácia.
Croácia que tem uma cultura rica - na arquitetura, língua, danças, música, comida - e que, também, tem algo que nós brasileiros não temos: uma história permeada por inúmeras guerras, algumas delas bem recentes.
É preciso dizer algumas coisas para que não passem por naturais ou caiam no esquecimento. Praticamente não vi gente pobre nas ruas por onde andei, mas vi alguns homens de meia idade usando muletas ou algo do tipo e pedindo esmola. Inválidos da última guerra, pensei logo. Vi fotos e mapas de bombas lançadas há 20 anos sobre Dubrovnik - patrimônio histórico da humanidade. Visitei um memorial com fotos de gente que perdeu a vida nesta guerra - garotos nos seus 18 anos, que teriam família, namorada, sonhos. Vi um dos abrigos anti-bombardeio usados no passado e que hoje é um local fértil para a coleta de trufas - provavelmente úmido e nada salubre para humanos, portanto. Vi prédios abandonados, hotéis que abrigaram refugiados e depois nunca mais voltaram a abrir as portas. Encontrei um amigo croata e conversei com a avó dele, hoje uma senhora de 79 anos, que devido às bombas lançadas sobre sua cidade perdeu a audição e parou de estudar quando era uma menina da quinta série. O mesmo amigo me contou outras histórias de guerra. Sonhei com minas terrestres - talvez a face mais estúpida de todas as histórias estúpidas que a guerra traz.
E o porquê de tudo isso? Bem, os povos desta região são histórica e culturalmente bem parecidos, falam praticamente a mesma língua e viveram bastante tempo sobre a mesma bandeira... Até alguém concluir que, sendo uns católicos, outros ortodoxos (mas também cristãos!) e outros muçulmanos, não podiam viver sobre o mesmo teto - ou que isso pelo menos poderia servir facilmente para alimentar um ódio mortal. A quem interessa esse ódio? Prefiro não responder. Ora, se eu posso viajar lado a lado com um judeu, se este judeu pode se dar ao luxo de comer carne de porco uma vez na vida sem se achar condenado ao inferno, e tantas outras coisas... Não temos todos coração, não sentimos dor e sangramos quando feridos, não sorrimos e choramos, não crescemos, envelhecemos e nos reproduzimos da mesma maneira? Será tão importante assim a maneira como reverenciamos o nosso deus (que, afinal, é o mesmo deus para todos)?
Meu amigo tem confiança no futuro, acredita que as coisas serão melhores. Passaram-se duas décadas desde a última guerra. Éramos crianças! Eu sou otimista e gosto de pensar que ele pode estar certo. Gente como ele e terra como essa não merecem novas cicatrizes. Gente como nós, merecemos paz.

sábado, 28 de maio de 2011

Na praia, no Adriático

A Croácia tem paisagens de tal maneira incríveis que parece estranho não termos muita noção disto no Brasil. Apesar de relativamente pequeno, o país tem cenários diversos e agradáveis: montanhas verdes, um litoral bastante recortado com inúmeras ilhas também verdes e um mar que só não é mais verde porque às vezes é de um azul límpido.
Sendo assim, um dos principais atrativos desta região da Europa é o mar, seja para navegar, velejar, olhar ou se banhar. Fui a Opatija, um balneário pequeno e agradável perto de onde estou hospedado. O lugar é calmo, cercado de verde, ladeado por montanhas, ponteado de belas casas. Recebe turistas da Itália, da Eslovênia, da própria Croácia e de outras partes. Todos buscando o mar. Fui, então, ver o mar.
Cheguei à beira-mar, pisei na praia... Praia? A praia, aqui, é feita de concreto! Uma grande área de concreto com alguns degraus - senta-se neles como talvez num antigo anfiteatro. Observa-se o mar, quem quiser entrar na água pode usar uma das escadas de metal espalhadas pela "praia" - como as escadas que usamos em piscinas. No mar, transparente, vai-se pisar mais uma vez no concreto. Como num imenso tanque de água salgada. Avança-se uns degraus mar adentro e só então deixa-se para trás o concreto. O fundo é pedregoso.
Quando quiser sair da água, o recomendável é usar novamente uma das tais escadas. Como o corpo estará molhado, pode-se querer trocar de roupa, então vai-se até uma das cabines de vestuários espalhadas ali perto - como nas nossas praias há umas tantas décadas.
Em vez de entrar na água, uma opção (parece-me que a preferida do pessoal) é simplesmente estender uma toalha no concreto e tomar banho de sol. Guarda-sóis não são muito populares, pois não há como cravá-los no chão, a não ser num dos buracos que aquele rapazinho lá adiante está fazendo com uma furadeira elétrica...
E não estou falando de um cenário incomum. Este é o retrato de um balneário típico por aqui. Na verdade, de um dos mais conhecidos da região! E como ele há outros. Verdade que nem todas as praias são de concreto: também as há de rocha ou de pequenas pedras, como cascalho. Areia? Cheguei a ver areia numas duas praias que, juntas, devem somar uns 10 metros de extensão e, por algum motivo, não pareciam muito populares, estavam bem vazias.
Verdade, também, que não vim à Croácia para frequentar a praia, então o concreto não me incomodou. Até preferi assim, afinal quem não gosta de se deparar com o inusitado quando viaja?

sexta-feira, 20 de maio de 2011

La Contrada della Civetta

Aqui em Siena, mais forte do que eu esperava é a cultura do Palio, em torno do qual tudo parece girar.
O Palio, em sentido estrito, é uma corrida de cavalos que ocorre na cidade desde a Idade Média. Mas é também mais que isso, porque se trata de uma festa que vai bastante além da corrida propriamente dita. A prova é que ainda faltam meses para o Palio e, apesar disso, já se pode senti-lo em cada rua de Siena.
Pois bem, a cidade é dividida em 17 contrade (paróquias), as quais rivalizam entre si dentro e fora do Palio. Cada contrada tem seu território, suas cores, seu hino, sua história... Além disso, cada uma é ligada, direta ou indiretamente, a um animal-símbolo, quase como um mascote.
Eu sabia de tudo isso, só não sabia que as contrade eram representadas por animais...
Também sabia que, se eu tivesse oportunidade, acabaria criando simpatia por alguma das contrade. Lembrava de uma crônica em que o colorado L. F. Verissimo confessa ter torcido pelo conjunto vermelho e branco (imagino que seja a Contrada della Giraffa) levado pela preferência de cor.
Comigo aconteceu, porém, que já ao chegar no hotel eu me deparei com uma grande bandeira na parede - a bandeira da Contrada della Civetta, onde estou hospedado. E a partir daí comecei a conversar com o recepcionista sobre a bandeira e a contrada.
Ora vejam, civetta, ou gufo, é uma coruja. E conheço uma pessoa que imediatamente criaria simpatia pela civetta: minha mãe, que tem uma coleção de corujas famosa em toda a família e além (é comum, quando um de nós viaja, trazer uma lembrança em forma de coruja para ela), que tem umas tantas fotos de corujas, que é uma mãe-coruja.
Nem preciso dizer que fiquei imaginando qual seria a reação dela ao ver tanta civetta por todos os lados aqui! Nas bandeiras, nos artesanatos... E mais: ao entrar numa viela menos frequentada, topei com o ensaio de um grupo de jovens para o próximo Palio (a festa inclui tambores, música, desfiles e acrobacias); instintivamente quis saber qual era aquela contrada e adorei saber que era justamente a da Civetta... Um pouco adiante, uma apresentação de corais das contrade, e lá estava a Civetta orgulhosamente entre elas.
O bom disso tudo é que se trata de algo que dá vida, cor e movimento à cidade. Sim, envolve turismo e portanto dinheiro, mas as pessoas me pareceram genuinamente envolvidas - um envolvimento que lembra um pouco o dos cariocas com o carnaval.
Enfim, agora já tenho por quem torcer na próxima vez em que vier a Siena...

PS1: A foto é de um ensaio da Contrada della Civetta.
PS2: Entre os animais que representam as outras contrade, há uns curiosos, como a tartaruga e o caracol, uns imaginários, como o dragão, e uns menos surpreendentes (heraldicamente), como a águia e o lobo.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Sob o sol da Toscana

Cada lugar pode ser visto de diferentes formas. Tudo depende do que prestamos atenção, da nossa experiência prévia e de que maneira reagimos.
Um dado interessante sobre a Toscana é que ela permite, de uma maneira bastante natural, esta multiplicidade de olhares. Eu, por exemplo, comecei por Florença - que, como escrevi, parecia-me grande mas acabou se mostrando não tão grande. Mesmo assim, é um ótimo lugar para conhecer gente, pois não faltam pessoas de toda parte com interesses similares. Não estou falando de virar a noite em festas intermináveis, mas simplesmente de trocar histórias de viagens. E, às vezes, histórias de vida (não será tudo a mesma coisa?).
Saindo de Florença, é uma delícia descobrir as cidades menores que há em volta, umas mais turísticas e outras nem tanto. O ritmo é mais lento, convida à contemplação e à degustação. Caminha-se sem a obrigação tácita de visitar museus imperdíveis ou de enfrentar filas.
O que não quer dizer que não haja museus, com ou sem filas. Quem quiser poderá dedicar facilmente um bom tempo a explorar tesouros renascentistas, medievais e até mesmo etruscos.
De um lado a outro, o trem é bastante conveniente. E passa-se por paisagens marcantes, campos, lagos e plantações. As mesmas paisagens que são deliciosas de se avistar do topo das colinas que aqui há aos montes, cada uma com um antigo povoado fortificado. Que, de forma quase paradoxal, hoje recebe os visitantes com os braços abertos.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Binários

"...são só dois lados da mesma viagem..."
("Encontros e Despedidas", Geraldo Pereira)

A história que vão ler agora é uma pequena confissão de ignorância deste cronista que vos escreve...
Quem viaja de trem pela Itália logo aprende que, para tomar a composição certa, é preciso saber de qual das plataformas da estação ela sai. Aqui na Itália, cada uma destas posições nas plataformas é chamada de "binario".
Desde o começo, eu fiquei me indagando de onde terá vindo este termo, binário. Os binários não aparecem aos pares: contam se às dezenas nas estações maiores. Verdade que, em muitos casos, se agrupam dois a dois, mas isso não faz muito sentido para batizar a posição do trem como binário, ainda mais que há exceções.
Um trem que vai e volta, que chega e sai, que anda nos dois sentidos, daí o nome de binário? Pouco provável.
Mas por que diabos "binario"?
Hoje tive o estalo: andando de trem, observava o avanço mais ou menos monótono dos vagões sobre a paisagem, a linha férrea... E não é que me dei conta do que todo mundo sabe, isto é, que o trem corre por um par de trilhos? Um binário de trilhos, portanto! E nas estações, claro, há vários destes pares de trilhos - vários binários - correspondendo, cada um, a uma composição prestes a chegar ou a partir...

terça-feira, 17 de maio de 2011

Florença

Ainda não cheguei a uma conclusão sobre Florença (ou Firenze, como dizem os italianos): é uma cidade grande ou uma cidade pequena?
No começo, imaginei que fosse grande. Vejamos: foi considerada das mais importantes e poderosas cidades-estado da Itália, recebe uma quantidade espantosa de gente todos os dias, possui um acervo histórico e artístico maior que o de muitos países, é um centro cultural reconhecido...
Por outro lado, é uma cidade espantosamente compacta, a ponto de não ser difícil percorrê-la a pé. Apesar de movimentada pela quantidade de gente que passa por ela, conserva um ar antigo que certamente não combina com uma metrópole. E, o que para mim é o argumento definitivo, conhecidos se encontram nela ao acaso quando caminham por suas ruas.
Sim! Estou em Florença há três dias e isso já me aconteceu algumas vezes. Primeiro, uma senhora me parou na rua pedindo informação (qualquer hora vou escrever sobre a arte de dar informações, bem como a de pedir informações). Um pouco mais adiante, cruzei novamente com a mesma senhora (e aproveitei para complementar a indicação do caminho que ela queria). Minutos mais e nos vimos novamente! Aí foi impossível não parar pra conversar ao menos um pouco, ela era canadense e recém chegada à cidade...
Ontem foi uma moça que vi na pousada onde estou e vi novamente caminhando pela rua. À noite, de volta a pousada, ela me contou que havia passado, por acaso, praticamente pelos mesmos lugares que eu naquela tarde!
Hoje, foi um grupo de argentinos que sentou perto de mim num trem saindo de Florença. Voltei à cidade pela tarde e encontrei o mesmo grupo na entrada de um museu!
Agora me digam: isto tudo não acontece numa cidade grande, acontece?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Ciao!

Uma das coisas mais estranhas de quando se está na Itália é dizer "tchau" no lugar de "oi". Porque o cumprimento mais comum em italiano, ao se chegar a algum lugar, é justamente este, "ciao" ("tchau"). Eu sabia disto e não esperava me surpreender, mas de qualquer maneira é algo que leva certo tempo até a gente se acostumar.
Já para uma série de outras coisas, quase não é preciso saber muito de italiano. Pizza, como se sabe, é pizza mesmo. Fui pedir uma pizza de cogumelos, não conseguia lembrar a palavra até que ela me veio, negritando de tão óbvia: "funghi".
Na cafeteria, a coisa é mais fácil ainda. Enquanto que, no Brasil, os esnobes bebem "caffe macchiato", "marocchino" e outras variantes (pobre bebe quase a mesma coisa, mas com o nome de pingado, cortado etc.), aqui se pode pedir o café de nome mais rebuscado possível e ele será servido com toda a naturalidade (e o grão será, bem possivelmente, brasileiro).
Outras palavras, mesmo que a gente não use no cotidiano, estão no nosso inconsciente: "pomodoro" (tomate), "gelato" (sorvete) e por aí vai. De resto, ao menos nos lugares turísticos (que são quase todos quando se trata de Itália), pode-se passar bem sem o italiano: todos parecem falar inglês e mais um pouco de alguma outra língua. O que é quase uma pena em se tratando de um idioma tão sonoro quanto o deles!

Outra crônica inspirada em Roma: Chapéus

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Questão de tamanho

Malta tem todas as características de um pequeno-grande lugar. Deem uma olhada no mapa. Achem este ponto quase imperceptível e reparem na sua localização: entre a Europa e a África, a meio caminho entre Gibraltar e a Turquia - ponto focal, portanto, de algumas das mais influentes civilizações da história. (E, apesar de ter menos de 50 anos como nação independente, as mais antigas construções pré-históricas do mundo estão em Malta.)
Mais que servir de recheio para enciclopédias, isto ajuda a dar ao país um ar tão fascinante. A mistura cultural começa pela língua: o maltês é intrigante, tem uma sonoridade vagamente árabe entremeada de palavras latinas e anglossaxônicas. A comida também é uma mistura - das massas e dos pastéis à carne de caça, desta ao queijo. A arquitetura é de uma grandiosidade que espanta numa ilha tão pequena - reflexos talvez de uma história conturbada.
Um país lapidado pelos séculos. Assim como seus habitantes, cientes e orgulhosos de tudo o que já se viveu nesta terra arenosa. Alberto Caeiro, quando falava de sua aldeia, bem parecia estar falando como maltês: "porque eu sou do tamanho do que vejo/ e não do tamanho da minha altura".

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Primeiras impressões de Malta

Cheguei a Malta ontem e, em um dia e meio, já posso dizer que o país me surpeendeu positivamente. Aliás, é fácil se surpreender aqui, as cidades são lindas e sutilmente exóticas, de um exotismo que deleita os olhos.
O país... Ando descobrindo que gosto mesmo de lugares assim, pequenos, quase escondidos, (talvez por isso) cheios de uma cultura particular. Ao mesmo tempo em que eu levaria tempo para conhecer toda a história, cultura ou língua daqui, com muito pouco seria possível dizer que percorri todo o país, tal a sua pequena dimensão.
Já numa das primeiras conversas, um senhor, ao saber que eu era brasileiro, começou a falar de futebol e do Pelé. Até aí, nenhuma novidade; curioso foi quando ele perguntou, como se fosse natural, se eu era amigo do Pelé. Para alguém acostumado a uma pequena ilha, deve ser difícil até mesmo imaginar um país das dimensões do nosso!
Não por acaso, dizem que a regra dos seis graus de separação não vale na ilha: aqui são dois graus, ou seja, um maltês pode não conhecer diretamente outro maltês tomado ao acaso, mas muito provavelmente conhece algum amigo em comum...

sábado, 7 de maio de 2011

Da Ilha Grande ao Rio de Janeiro


No dia seguinte, mais um nascer do sol primoroso - o Saco do Céu realmente guarda imagens lindas. O nosso coração é que, a esta altura, vivia emoções contraditórias: seguiríamos viagem, mas em direção ao leste, ou seja, já no rumo de volta. Aos poucos, deixaríamos a Ilha Grande para trás e, mais do que isso, enfrentaríamos novamente a desgastante travessia até a cidade do Rio de Janeiro.
Mas uma coisa de cada vez. Ainda tínhamos mais um dia para aproveitar na ilha e o plano era retornar à Enseada das Palmas, passando o dia numa das praias de lá que ainda não havíamos explorado. Foi o que fizemos, e foram momentos agradáveis - a velejada tranquila, a ancoragem nas proximidades da praia, banho de mar, caminhada na areia, almoço num pequeno e pitoresco restaurante-balsa. No final do dia, seguimos para outro ponto no extremo nordeste, já pensando na travessia. Acomodamo-nos, procuramos descansar o máximo durante o tempo que ainda nos restava... e, antes do sol nascer, estávamos novamente navegando, agora voltando para casa. O vento ajudou ainda menos que na ida: no começo praticamente não nos apareceu, obrigando-nos a apelar para o motor. Em compensação, fomos brindados por mais um belo nascer-do-sol no mar.
Quando o vento apareceu, foi pela proa (vento contra), o que nos permitia avançar mas da maneira mais trabalhosa e demorada. Enfim, com um bocado de paciência e tempo mais que suficiente para todo tipo de divagações, aos poucos a paisagem do Rio se descortinava. Na Marambaia, ouvíamos repetidos estrondos - trata-se de uma área militar. Na Barra da Tijuca, via-se a tradicional multidão de guardassóis tomanco conta da praia. Ansiávamos por chegar em casa, mas estávamos mais uma vez sendo pegos pela noite durante a travessia - e ainda mais cansados que na ida. Optamos então por uma parada intermediária: ancoramos entre as ilhas Cagarras, já bem perto da barra da Guanabara, e passamos ali a noite. Acordamos com o sol, um pouco mais descansados, mas cada vez mais ansiosos com a vista de casa (e o vento, fraquíssimo, que não nos ajudava!). Enfim, seguimos. E chegamos. Desembarcamos mais cansados do que esperávamos, mas com todas as marcas indeléveis de férias ricas e intensas. Mil garrafas ao mar não dariam conta do que aqueles dias de mar e sal me acrescentaram.