Na Noruega, comida (como de resto qualquer outra coisa) é algo extremamente caro para os nossos padrões.
Acontece muito em viagens: nos primeiros dias, assustamo-nos com o preço das coisas e nos privamos delas; aos poucos, vamos nos acostumando (e "esquecendo" de converter os preços), pois só assim é possível aproveitar os passeios...
Mesmo assim, aprendemos logo que a Noruega não é um país onde visitantes brasileiros podem ir a restaurantes e sair impunes: a conta da mais simples refeição é suficiente para fazer doer o estômago! Claro que em um ou outro momento nos permitimos extravagâncias, até porque não faria sentido viajar para não aproveitar plenamente o lugar... Mas, no geral, precisávamos de outra estratégia que não fosse confiar em comer fora todos os dias.
Havia ainda outro fator: a Renata é vegetariana, e nem sempre é fácil encontrar opções vegetarianas em lugares onde o clima não é dos mais propícios à agricultura. A Noruega é um país carnívoro.
A solução exige certa dose de trabalho e de planejamento, mas (talvez por isso mesmo) acaba permitindo um componente personalíssimo: preparar nossas próprias refeições. Mais do que à alta cozinha, dedicar-se à "auto-cozinha". Acaba sendo lúdico. Nem sempre é viável, claro, pois às vezes ficamos hospedados em lugares onde não há cozinha. Aí pelo menos montamos algum sanduíche para comer com suco ou iogurte. (A propósito, adoramos as máquinas de fatiar pão! Comprávamos pães e mais pães quase que só para cortá-los na máquina...)
Foi só quando chegamos em Ålesund, depois de já estar viajando há alguns dias, que ficamos num albergue que oferecia cozinha. Já chegamos ansiosos: preparar comida de verdade! A primeira coisa que fizemos em Ålesund foi, naturalmente... procurar um supermercado aberto para comprar víveres! Voltamos ao albergue com todos os ingredientes para um autêntico risoto de cogumelos e aspargos e - dito e feito - foi o que comemos naquela mesma noite. Enfim, tínhamos à nossa disposição uma cozinha razoavelmente equipada, e com modernos fogões a indução. O problema passava a ser outro: dali a pouco estaríamos voando para outra cidade, então não podíamos nos dar ao luxo de deixar sobrar muita comida. A logística da viagem ganhava um componente gastronômico!
Fomos para Lofoten e lá tínhamos à nossa disposição o que de melhor podíamos esperar: uma cabana com cozinha equipada inteira para nós! Não que tivéssemos toda noite uma refeição muito elaborada mas, do omelete clássico francês a legumes com molho de queijos, alguns pratos interessantes saíram daquela cozinha. No meio tempo, descobríamos produtos típicos noruegueses, como o brunost - um queijo de cor castanha e sabor adocicado. E também itens prosaicos como Lion em sua versão cereal matinal - Lion é um chocolate da Nestlé que, além de saboroso, tem valor sentimental para nós.
De um canto para outro da Noruega, viajamos de avião, ônibus, barco, carro. À medida que os dias passavam e nos aprofundávamos no país, nossa despensa itinerante ficava mais complexa: chegamos a carregar itens como pão, queijo, azeite, leite, suco e até cenouras em nossas andanças. Debaixo do temor de que alguma embalagem estourasse, fazer e desfazer a mala envolvia sempre fortes emoções.
O bom era chegar em algum lugar e saber que o quarto possuía frigobar. Mas às vezes não tinha. Então tratávamos de empilhar os itens mais sensíveis na janela, garantindo assim que o próprio frio exterior os mantivesse gelados. Quando visitamos Piramida, vimos que os prédios do local dispunham de "geladeiras naturais" - buracos nas paredes que um desavisado poderia confundir, à distância, com instalações para pequenos aparelhos de ar-condicionado, mas que serviam para gelar alimentos aproveitando o frio polar. Como invejamos aquelas "geladeiras"!
Ao chegar a Oslo, nossa última parada, já estávamos nos comportando quase como locais: guardávamos as latas de refrigerante vazias para encaminhá-las para a reciclagem, colocando-as nas máquinas próprias para disposição de embalagens que devolviam uma coroa por cada lata depositada. Nessa altura, também, depois de passar por vários mercados de diferentes cidades, estávamos viciados num item bem específico: muffins do Bunnpris! Assim: Bunnpris é uma rede norueguesa de supermercados, e muffin é o bolinho que conhecemos por muffin mesmo. Havíamos descoberto que a maioria dos supermercados da rede Bunnpris vendia uns muffins deliciosos, com recheio farto e textura perfeita, capazes de satisfazer os mais exigentes padrões de gordice. Bem, em Oslo não tínhamos mais cozinha nem frigobar (e, além disso, não fazia muito frio, o que inviabilizava nossa "geladeira natural" na janela do quarto), então não havia mais muito o que comprar nos mercados, só cozinharíamos novamente quando voltássemos ao Brasil. Mas continuávamos nosso roteiro das gôndolas (de supermercado), procurando agora algo bem específico: um Bunnpris que vendesse tais muffins! Não era tão fácil assim, porque vários Bunnpris de Oslo simplesmente não tinham aqueles doces... Aparentemente a rede é maior e mais forte no centro e norte do país que no sul. Acabamos achando os muffins num supermercado já não tão perto de nosso hotel, mas que valia a caminhada: passear por Oslo já seria um prazer, ainda mais com aquele prêmio saboroso no final do caminho. No outro dia, nosso último dia na Noruega, demos um jeito de passar novamente lá por perto para nos reabastecermos de muffins. Acabou sendo um pouco decepcionante: havia bolinhos, mas dava para perceber que não eram frescos e sim os que haviam sobrado do dia anterior. Uma pena. Pareciam indicar que, inegavelmente, já era hora de voltar para o Brasil.