Entramos na lojinha-sorveteria em Tvøroyri, nas Ilhas Faroe, tentados pelo cartaz que anunciava sorvetes.
Enquanto escolhíamos nossos sabores, entrou outra pessoa que nos cumprimentou e falou mais alguma coisa em feroês. Certamente percebeu nossa hesitação, pois, em seguida, já em inglês, perguntou se éramos estrangeiros. Ao respondermos que sim, ele nos fez o convite com total naturalidade:
– Querem vir comigo visitar um amigo? Estou levando flores para ele. – e apontou para uma sacola de plástico com algumas mudas.
Mesmo já tendo tido antes um bom vislumbre da hospitalidade faroesa, não pudemos deixar de ficarmos surpresos. E de seguir o senhor que nos convidava. Atravessamos a rua e chegamos a uma casa grande, no alto e com mais uma bela vista para o fiorde. O dono da casa se entretinha com flores numa longa jardineira e se levantou para cumprimentar o amigo, que nos apresentou e entregou as mudas que trazia.
Fomos convidados a nos sentarmos de frente para a jardineira e para o mar. Ofereceram chocolates. Depois cerveja. O próprio dono da casa não bebe álcool, mas tem cerveja em casa para as visitas. O amigo reclama que a cerveja está velha, mas não perde a oportunidade de beber. Logo se vê que são amigos de longa data. Pedem à Renata que dê um palpite sobre a idade deles e ela, certeira, acerta: têm 67 anos os dois.
O dono da casa, agora aposentado, foi pescador, o que nas Ilhas Faroe é bastante emblemático. Aliás, ele chegou a comandante de navio pesqueiro. Durante o tempo em que conversamos, ele contou da vida no mar, das viagens de pesca à Groenlândia e de como, após seis meses no mar, voltava para casa sem ser reconhecido pelos próprios filhos. Vida dura a daqueles tempos, mas que parece ter conduzido os dois bem-humorados senhores a uma rotina hoje agradável. A casa tem dois enormes congeladores de tamanho industrial repletos de peixe. Nosso anfitrião entende tudo de barcos, de pesca e, claro, de peixes. Bem como de baleias. “Hoje em dia o Greenpeace vive no nosso pé”, diz ele sobre a controversa caça à baleia tradicional das Ilhas Faroe, e é fascinante sentir, nas palavras e nas histórias dele, o outro lado da moeda, aquele que vai além da pesquisa fácil no Google. Conversamos de tudo um pouco. Do clima, de economia, de costumes. Do costume faroês de se ajudarem mutuamente, algo talvez imprescindível à sobrevivência num ambiente inóspito. E de como aos poucos esse costume vai perdendo força entre as novas gerações, com o dinheiro falando cada vez mais alto.
Não importa: no bom e velho estilo faroês, oferecem-nos bacalhau congelado. Como recusamos, insinuam que podemos ficar para jantar... O que, constrangidos, também recusamos.
Então o dono da casa vem, dali a pouco, com um baita livro de fotografias de pesca e de pescadores. Ele diz que tem dois exemplares do mesmo livro (o que tanto pode ser verdade quanto não...). E nos oferece o livro de presente, de uma forma que ficamos sem argumentos para recusar.
Quando nos despedimos, deixamos a promessa de enviar, pelo correio, sementes de flores brasileiras. Eles estão ansiosos para saber se serão capazes de cultivar, lá, algumas das nossas plantas. Já eu fico pensando se, algum dia, seremos capazes de cultivar com tanta naturalidade uma hospitalidade como a deles.