quarta-feira, 19 de agosto de 2009

As casas de Neruda

Um dos muitos motivos para se conhecer o Chile é o poeta Pablo Neruda.
Verdade que, quando se trata de um escritor, não é necessário ir ao seu país para começar a entendê-lo. Mas as ondas do Pacífico, a cozinha chilena, as pessoas – ah, as pessoas! – o país inteiro ganha um novo ar aos olhos do poeta. Assim como os seus versos ganham um novo significado quando contemplamos o entardecer do alto de um dos tantos cerros sorvendo um mote con huesillos, o curioso refresco chileno de trigo e pêssego.
E há, ainda, as casa de Neruda. Andando pelo Chile, tem-se a impressão de uma inédita familiaridade com o poeta, pois três de suas moradas estão preservadas e abertas à nossa visita.
São casas belas e interessantíssimas mesmo para quem não é fã do poeta. Repletas de curiosidades, como convém à habitação de uma mente criativa. A começar pelo fato de que algumas delas têm nomes próprios: La Chascona, em Santiago, La Sebastiana, em Valparaíso. La Chascona é a casa onde morou Matilde, amante e depois esposa de Neruda. La Sebastiana é uma pitoresca casa com amplas janelas para o mar. Mas a minha preferida é, sem dúvida, a casa da Isla Negra.
Isla Negra, para começar, não é uma ilha, mas um pequeno balneário e vila de pescadores. Das três, esta casa é a mais distante da capital, mas também a de visita mais recompensadora.
A própria vista que se tem do lugar é fantástica. Para quem leu ou viu O Carteiro e o Poeta, é impossível não imaginar Neruda contemplando este mesmo oceano. Mas o que mais chama a atenção é mesmo a casa. Comprida e estreita como os vagões de um trem (o pai de Neruda foi ferroviário), como um navio (a paixão pelo mar é patente na casa e na obra do poeta), como o próprio Chile. Tudo ali são referências. Há carrancas de proa. Há coleções de coleções: o poeta era muito criativo na arte de reunir objetos (ele mesmo se dizia um “coisista”). Há o “cavalo mais feliz do mundo”: um boneco que chegou a ganhar vários presentes de visitantes diversos, incluindo entre os presentes três rabos postiços. Viajar pela casa é deliciar-se com o inusitado. E descobrir que as palavras de Neruda não foram à toa:
"Em minha casa tive brinquedos pequenos e grandes, sem os quais eu não poderia viver. O menino que não brinca não é menino, mas o homem que não brinca perdeu para sempre o menino que vivia nele e que lhe fará muita falta. Por isso, edifiquei também minha casa como um brinquedo e brinco nela da manhã à noite."
Fotografia: parte da decoração nerudiana da Isla Negra e a vista para o Pacífico.