quarta-feira, 17 de outubro de 2012

História de bola rolando

Estádio Centenário, Montevidéu
O destino quis que uma das minhas mais divertidas e memoráveis experiências em estádio de futebol fosse no Uruguai.
Eu e a Renata passaríamos uma semana no país vizinho. Tendo tempo e disposição, surgiu a ideia de aproveitarmos a boa fase do futebol uruguaio e a coincidência de que uma partida do Peñarol pela Copa Libertadores estava marcada para aqueles dias.
É bom que a dimensão disso fique clara. O aurinegro Peñarol é time simpático aos nossos anfitriões. Estes são apaixonados por futebol. E o jogo seria no Estádio Centenário, especial por vários motivos: pela própria arquitetura do estádio, que tem mais de 80 anos; por ter sido o privilegiado palco da primeira final de Copa do Mundo (uma vitória do Uruguai sobre a Argentina); e, no plano pessoal, por ter sido aonde, quando criança, eu acompanhara um grande e saudoso amigo uruguaio.
Desta vez, quem nos acompanharia seria o Guillermo, filho daquele amigo, e sua esposa Claudia, simpaticíssimos ambos. Tudo acertado, ingressos comprados com antecedência, combinamos de nos encontrarmos no dia do jogo. Então, logo no começo do grande dia, a Renata vira para mim e fala o que eu talvez já estivesse pensando e não tinha me dado conta: o divertido mesmo é irmos com a camisa do time, não? onde podemos comprá-la?
Dito e feito. Fomos aos arredores do estádio (que fica dentro de um dos belos parques de Montevidéu) e encontramos onde comprar camisas do Peñarol. Mesmo sem conhecer um jogador sequer do time, lá fomos nós orgulhosos com nossas aquisições, que ostentavam o nome Núñez, número 8, nas costas.
Bola da primeira final de Copa do Mundo
Confesso que, ao entrar no estádio, estava feliz como criança que vai ao circo. Eu não guardava praticamente nenhuma lembrança do Centenário - eu era pequeno demais na última vez que tinha estado lá, mas lembrava que o tio Pepe tinha estado do meu lado, e isso bastava para me emocionar. Além disso, percebi no estádio um ar de saudosismo que mexia comigo. Aquela construção antiga e robusta era em tudo diferente dos estádios brasileiros a que eu estava acostumado. Nas arquibancadas em meio a curiosas plantas aqui e ali, no público com mate a tiracolo (cena que também era comum em Porto Alegre há alguns anos, mas hoje proibida do lado de cá da fronteira), na proximidade com o campo. Estávamos na Platea América, colados ao gramado na altura do círculo central: o mesmo local que o tio Pepe costumava frequentar, informa orgulhosamente o Guillermo.
Quando a bola rola, acompanhamos a torcida em sua cantoria: a música, que vai desde uma versão de Ilariê até tímidos palavrões, lembra, como todo o resto, um futebol de outra época. Apenas nos decepcionamos um pouco ao notar na escalação a ausência do Núñez, que estampava nossas camisas. Uma pena, ainda mais que o tal Núñez deve ser realmente querido, porque pelo menos metade do estádio tem camisetas com o nome dele nas costas. Baita desfalque.
Quando o jogo vai para o intervalo, ainda com o placar em branco, eu aproveito para comprar um bom churros uruguaio de um ambulante. A partida recomeça e então é só alegria: gol do Peñarol! O estádio explode, e nós com ele, cantando Y ya verán, ¡la Copa Libertadores vamos a ganar!
Ingressos para a partida e para o museu
O placar fica nisso, o que é suficiente para a torcida aurinegra. Mas nós ainda teremos uma epifania quando a Renata, tão intrigada quanto eu, chama a minha atenção para o fato de que aparentemente todos os jogadores têm Núñez escrito nas costas. Até o goleiro!? Pergunto ao Guillermo: quem é o Núñez? ele está jogando? A resposta óbvia: Núñez é o nome da empresa de ônibus que patrocina o time!
Réplica da Taça Jules Rimet
Mesmo que a experiência futebolística daquela noite tenha sido, na minha opinião, praticamente completa, ainda tivemos mais no dia seguinte. Com a confiança de quem sabe o nome do patrocinador do time e, mais ainda, tendo descoberto que o camisa 8, ídolo do Peñarol, se chama Pacheco, voltamos ao estádio. Não é dia de jogo, mas nosso interesse agora é visitar o museu do futebol que fica lá. E que bela visita! Certo, os "museus do futebol" têm ficado mais comuns, mas não sei se algum outro merece esse nome tanto quanto o do Centenário, em Montevidéu. Lembrem que estamos falando da cidade onde começou a Copa do Mundo. Já na entrada, a pessoa que nos recebe chama a atenção, com um orgulho uruguaio quase ingênuo, para o desenho dos nossos ingressos: são cópia dos ingressos para a famosa primeira Copa. No museu estão bolas de partidas históricas, camisas, troféus originais ou réplicas... E o mesmo ar de saudosismo que eu já tinha experimentado na noite anterior. O passeio se encerra com nova visita às arquibancadas do estádio, desta vez vazio. Mas não completamente: meus ouvidos parecem captar daquelas arquibancadas um eco de muitos anos de sons, gritos, cantos. No meio desse eco está a voz do tio Pepe e, agora mais do que nunca, também a nossa.