Eu sei que nem o Brasil nem país algum tem obrigação de disputar - que dirá ganhar - todas as finais de Copa do Mundo. Também sei que sempre haverá algum fracasso, e de todos os fracassos algum terá de ser o mais incisivo, e nem por isso ele será motivo de vergonha.
Apesar disso, a derrota para a Alemanha doeu em mim. Doeu e continua doendo como quando a mais inocente das crianças tem de confrontar a realidade.
Eu sei que havia a FIFA, os políticos, os desvios de verba, as obras inacabadas, as promessas mal cumpridas ou não cumpridas. Como sempre houve, com ou sem Copa do Mundo, e não só no Brasil. Mas, dessa vez, havia a Copa, em casa, e um desejo de vivê-la, de receber gente, de acolher visitas. A Copa, no Brasil, seria do Mundo.
E, apesar dos percalços, foi - está - estava - sendo maravilhosa.
Antes mesmo de começar, encontrando e interagindo com visitantes estrangeiros na própria esquina de casa.
E então, primeiro, no Mineirão, estávamos eu e a Jéssica - o plano era estar a Renata também, mas ela é tão competente no trabalho que um convite irrecusável afastou-a de nós e do estádio. Tivemos pelo menos o consolo de um bom provocante (provolone crocante), de um belo jogo e das palavras trocadas com a Renata pelo celular.
Depois, o Beira-Rio, porque nenhum outro estádio seria a minha casa tanto quanto ele.
Em seguida, o Mineirão de novo. O plano agora era nos reunirmos; a Renata veio e o pai dela também, mas a Jéssica não conseguiu decolar de Porto Alegre e acabou sendo a ausência do dia.
Fomos então a Salvador. Local e partida inusitados, entre um desclassificado e outro quase, mas havia o desejo de ver a Bósnia-Herzegovina e torcer por ela. Fomos a caráter; a Renata passou por bósnia na televisão e, juntos, nós dois não tivemos coragem de acabar com a ilusão de quem pensava sermos estrangeiros - posamos para fotos e tudo o mais.
De lá fomos para Pernambuco - no mata-mata que teria uma equipe do "grupo da morte", acabamos vendo justamente a Costa Rica. Mas tudo bem, era Copa do Mundo. Ainda pudemos encontrar amigos no inusitado restaurante Kovačić e, como se não bastasse isso, descobrimos também um grupo de faroeses que ficou espantado com o carinho que tínhamos pelo país deles.
Então, Salvador de novo. Não estava nos planos originais, mas foi o que sobrou como última alternativa para nos reunirmos os três - eu, a Renata e a Jéssica - depois dos desencontros em Belo Horizonte. Deu certo e foi bastante divertido. Afinal, era Copa do Mundo. A Copa do Brasil.
Tudo tão bom, uma rotina tão fora da rotina, pequenas loucuras tão impensáveis (como colecionar copos da Coca-Cola ou embarcar espontaneamente num voo de madrugada) que parecíamos crianças. Numa Copa assim, nada poderia dar errado.
E foi exatamente por isso que a derrota doeu tanto. Não é que eu acreditasse ou idolatrasse desmesuradamente a seleção brasileira. Não é que o futebol seja a coisa mais importante do mundo para mim. Nem se tratava de um desejo febril de vingar o Maracanazo. Acontece que essa Copa, a nossa Copa, eu queria guardá-la com as lembranças boas que ela estava proporcionando. E, de repente, eis que ela ameaçava ficar na memória como a Copa dos sete a um.
Então eu lembrei de quando o Brasil perdeu para a França, em 1986, na primeira lembrança que tenho de uma Copa do Mundo. Naquele dia, eu me recusei a acreditar na derrota e fui para meu quarto brincar - na minha brincadeira, o Brasil era o campeão. Assim, voltando a 2014, percebi que a Copa do Brasil não era uma ilusão, nem apenas um sonho de ver meu país (mais uma vez) campeão. Era a nossa Copa, de tantos gols que vimos ao vivo e pela televisão, de encontros e desencontros, da camisa que ritualmente escolhíamos a cada jogo, da chuva que nos surpreendeu em Salvador, do sorvete que tomamos após a classificação suada nos pênaltis e de pagar promessa pela mesma classificação suada, dos sotaques mineiro, gaúcho, baiano, pernambucano, colombiano, argentino, francês, faroês, bósnio, grego... Era a nossa Copa de todos os sotaques, e que placar conseguiria tirar isso de nós? É a nossa Copa.