sexta-feira, 15 de abril de 2016

Somos todos iguais, braços dados ou não

 Uma reflexão necessária sobre a situação atual do país, ainda que fuja um pouco ao tema do blogue.
"Quem vive nos Bálcãs acaba passando por pelo menos duas guerras." Um dia, um amigo nascido nos Bálcãs me falou isso, em tom de provérbio iugoslavo. Esse amigo, que tem a mesma idade que eu, morou em quatro países diferentes sem mudar de cidade. Já o pai dele passou por sete países. Melhor dizendo, sete países passaram por ele: é o que acontece quando se fica no mesmo lugar mas as fronteiras oscilam ao sabor das guerras e as nações se juntam e se separam ao sabor dos acordos políticos (aqueles que, como se sabe, são como as salsichas).
Nos últimos cinco anos, visitei três vezes os Bálcãs. Sempre que a discussão pendia para assuntos de economia, política e qualidade de vida, acabávamos concluindo que a situação do Brasil era muito melhor do que a de qualquer país da ex-Iugoslávia e que, dentre vários possíveis motivos para isso, um se destacava: a ausência de guerras no período recente. Era flagrante o quanto o Brasil, a despeito de sua diversidade, tinha um senso de união e de convivência pacífica invejável. Não digo que fosse perfeito, nós sabíamos das dicotomias norte/sul (ou sudeste/nordeste), pretos/brancos, ricos/pobres, mas nada chegava aos pés das sangrentas tensões balcânicas. Meu amigo invejava essa nossa paz, como invejava a pujança econômica, a oferta de empregos, invejava até mesmo nossa Copa do Mundo e nossos Jogos Olímpicos.
Hoje, porém, se saio para a rua em meu país ou faço uma busca rápida na Internet, vejo um ódio que não está tão longe daquele estopim perigoso dos Bálcãs. É algo que nunca vi antes, não no Brasil. Que extrapola enormemente a simples discussão de ideias políticas ou a disputa democrática por poder (por mais que estas já fossem, em seu cerne, menos edificantes do que as palavras podem fazer parecer). O que se vê é uma troca de acusações e ameaças que se distanciou demais dos alegados combate à corrupção, de um lado, e respeito à instituição democrática, de outro. Ora, não me venham dizer que o que está em jogo é a corrupção (até porque sequer é esse o foco do julgamento do impeachment da presidente). Também não venham negar o crescimento econômico do país: para citar um exemplo, eu mesmo vivenciei um momento, há 15 anos, em que engenheiros saíam da universidade mendigando um emprego, e outro momento, há uns três anos, em que empresas iam à universidade disputar a tapa engenheiros que sequer tinham se formado. Não serei ingênuo a ponto de afirmar que é tudo mérito exclusivo de Lula ou Dilma, mas também não me venham dizer que é apenas coincidência ter acontecido durante seus mandatos.
Agora, passado o ápice daquele momento econômico, instaurou-se uma disputa de poder que faz uso de um componente perigoso: o ódio. Na disputa pela cadeira do Palácio do Planalto, alimenta-se a ideia de que o Brasil está dividido entre grupos que seriam, estes sim, irreconciliáveis: honestos e corruptos, o bem e o mal. Com a presidente literalmente impedida de governar, e isso deste o início do mandato, utiliza-se o país como moeda de troca. O velho e anedótico "é dando que se recebe" assume proporções assustadoras. Passageiros e tripulantes do navio se digladiam enquanto este vai a pique, consolando-se com a pobre ilusão de culpar o adversário pelo naufrágio.
Abro o jornal e penso o que aquele meu amigo ex-iugoslavo diria. Nas manchetes, vejo que em Brasília constroem um muro para separar os dois lados do campo de batalha; nas estradas, manifestantes fazem barricadas queimando pneus; novamente em Brasília, um deputado comemora não estar mais na lista de procurados da Interpol (mas era pegadinha do malandro: ele continua com mandato de prisão... e continua deputado). Em meio a tudo isso, em São Paulo, os supostos representantes da nova política brasileira tomam decisões importantes: discutem a participação de uma cópia simplória do Fofão para alegrar a festa do impeachment. E essa é a parte menos pior da história, pois é a que nos permite rir, nem que seja da própria desgraça. Palhaço por palhaço, é difícil não lembrar do Tiririca: "pior do que tá não fica". O nobre deputado, quem diria, era um otimista.

Um comentário:

Renata Teixeira disse...

Sou muito pessimista quando o assunto é política. Sou pessimista pois só consigo acreditar na boa política se esta for feita com honestidade e para qualquer coisa ser feita com honestidade tem que obrigatoriamente ser feita por gente honesta. Na minha opinião não existem ações honestas realizadas por gente desonesta. É contraditório demais. E não conheço político honesto no Brasil. Nunca vi nem ouvi falar de algum político honesto. Talvez porque os políticos brasileiros venham do povo brasileiro (será que poderiam vir de outro lugar? De outro sistema solar, talvez... Seria uma esperança!) e o povo brasileiro tem orgulho de ser um povo esperto, um povo do “jeitinho”. Levar vantagem aqui é sempre motivo de orgulho. Ganhar um jogo de futebol, mesmo com gol roubado, é motivo de orgulho. Honesto é praticamente sinônimo de otário. “Rouba, mas faz” é uma frase usada para indicar um “bom político”. Não, nunca vou acreditar em boa política nesse país. Corruptos nunca vão combater a corrupção, pois vivem dela, se enriquecem com ela. E ela está enraizada na cultura brasileira.