Quem nunca esteve numa cidade de maioria islâmica talvez tenha dificuldade para imaginar o chamado dos muezins. Cinco vezes ao dia, a voz deles (ajudada ou não por auto-falantes) enche a cidade convocando para a oração. É muito mais notável que o sino de das nossas igrejas, porque é sincronizado - o chamado está em qualquer lugar e (dizem) também no rádio, não há como não ouvir.
Hoje atendi ao chamado dos muezins e visitei uma mesquita no momento da oração.
É uma experiência interessante, que eu recomendo a todos os que têm mente aberta. Eu já havia entrado em algumas mesquitas para conhecê-las por dentro, mas entrar para acompanhar um pouco do ritual muçulmano é outra coisa.
Primeiro, há uma fonte para as abluções, ou seja, a purificação ritual do corpo com água. Não é muito fácil se molhar assim, ao ar livre, no inverno turco!
É preciso tirar os sapatos. No caso das mulheres, é preciso também cobrir a cabeça, mas os homens estão dispensados disso (não precisam ou não devem cobrir a cabeça? Fiquei em dúvida ao lembrar da quantidade de gente com toucas e chapéus para se proteger do frio. Pois alguns homens cobrem a cabeça na mesquita, mas com uma touca simples de significado religioso.).
Entra-se na mesquita propriamente dita através de uma cortina. Uma das coisas que mais chamam a atenção é a estrita separação: homens na frente, mulheres num nicho à parte. Dependendo da mesquita, um nicho bem escondido, que não as deixa ver nem serem vistas. Mesmo entre os homens, há uma separação que não entendi bem - uns na frente, outros numa área mais ao fundo (onde procurei ficar, o mais discretamente possível). Por toda a volta, pequenas prateleiras de madeira onde os fiéis colocam os sapatos.
De vem em quando, algum atrasado chega apressadamente e se junta aos outros. Lá na frente, um imã faz a oração em voz alta. No meio das suas palavras, reconheço o tempo todo "Allahu akbar" - Deus é grande. É a senha para todos se prostrarem. O tempo todo fica-se ajoelhando, prostrando-se, levantando-se. O imã não está de frente, mas de costas para os fiéis. Todos voltados na direção de Meca, certamente.
Da decoração da mesquita, muita coisa chamou minha atenção. O tapete, quente, cobrindo todo o chão como um consolo aos nossos pés descalços. Ao lado do "mihrab" (o nicho onde se posta o imã), um relógio de pêndulo, desses que estamos acostumados a ver na casa da avó mas não num templo religioso. Mais atrás, ao lado de onde eu estava, uma estante de livros - detalhe simpático, nem sempre os livros ganham a posição de destaque que merecem.
Aliás, a recepção aos não-muçulmanos varia, dependendo de uma série de fatores, da indiferença à simpatia. Não me atrevi a visitar um templo imponente como a famosa Mesquita Azul na hora da oração. Numa mesquita menor, considero que fui mais bem recebido do que esperava, por um senhor que me indicou onde eu deveria ficar e corrigiu uma gafe que quase cometi (ao não saber onde largar os sapatos). Quando saí, agradeci a ele em turco, usando uma das poucas palavras que aprendi nessa língua. Ele sorriu e respondeu também em turco, não entendi nada, mas sorri também.
No final das contas (e de uma cerimônia muito mais curta que uma missa católica), só fiquei com pena das mulheres, separadas sem poder ver nada. Mas suponho que estejam acostumadas e que elas enxerguem algum sentido nisso. Este momento, para os muçulmanos, parece mais uma culto individual que uma cerimônia coletiva em que se vê e é visto, tanto que, ao final, as pessoas vão saindo aos poucos, cada uma no seu momento.
Mas sabe o que foi que eu fiquei pensando? É que todo padre devia entrar em uma mesquita de vez em quando. Assim como todo imã devia entrar em uma igreja.