Diz a sabedoria popular: "antes tarde do que nunca" e "a vida é muito curta para se comer e beber mal". Sendo assim, puxem uma cadeira que o almoço está servido. No cardápio, o Guia Puffin de Gastronomia 2024, publicação que, desde 2015, inspira e reconhece a boa comida!
terça-feira, 31 de dezembro de 2024
Guia Puffin de Gastronomia 2024
terça-feira, 12 de março de 2024
Sítios maias em Belize
Belize pode não ser o país com o maior número de sítios arqueológicos maias, mas, dado o seu tamanho, é provavelmente o que tem a maior concentração deles, e com o bônus de que são, em grande parte, facilmente acessíveis para visitantes como nós.
A maioria destes sítios está localizada no distrito de Cayo, no centro-oeste do país; não por acaso, é a região que fica na fronteira da Guatemala e que teve mais influência da colonização espanhola. Cruzando a fronteira estão as antigas cidades maias do lado guatemalteco, entre as quais se destaca a gigantesca Tikal. Cabe esclarecer que os maias não tinham uma organização como um império centralizado; pelo contrário, o que havia era um conjunto de cidades-estado que compartilhavam uma cultura similar, comercializavam e (ó ambição humana!) guerreavam entre si. Tikal foi, durante muito tempo, uma das mais poderosas destas cidades. Sua maior rival era Caracol, no lado belizenho (curiosamente, Guatemala e Belize também se envolveram em disputas diplomáticas por essas mesmas terras).
Caracol é, hoje, o maior sítio maia de Belize. É também um dos que têm acesso mais difícil. Chega-se lá através de uma estrada de 83 km a partir da moderna (para os padrões belizenhos) cidade de San Ignacio. Enquanto que metade dessa estrada é asfaltada, a outra metade é de terra ou de asfalto com buracos. Os relatos são um tanto assustadores: dizem que é impossível atravessá-la sem um bom 4x4, e os contratos das autolocadoras em geral proíbem que se dirija carros comuns neste trajeto. Por via das dúvidas, alugamos um 4x4 para esse dia. No final das contas, a estrada é melhor do que outras que já vimos no Brasil - qualquer carro alto e/ou com suspensão boa daria conta, ao menos durante a época de seca em que estávamos. O bom de alugar um carro em vez de contratar um passeio é que, além de sair mais barato, também tivemos liberdade para paradas adicionais ao longo do caminho: há belas cachoeiras e uma caverna de tirar o fôlego. Quanto a Caracol em si, não é tão grande quanto Tikal, mas é igualmente impressionante. Os templos e estruturas se misturam com a selva, e o coração da gente bate mais forte quando caminhamos no meio daqueles séculos de pedra.
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| Estrada para Caracol |
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| Caracol |
Bem mais próximo de San Ignacio fica outra antiga cidade maia, Xunantunich, que é o sítio arqueológico mais visitado de Belize. Uma de suas particularidades são os belíssimos frisos em relevo do templo principal. E o próprio trajeto para se chegar lá também é peculiar: mesmo sendo de fato perto e fácil de chegar, é preciso atravessar um rio numa balsa movida a manivela!
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| Xunantunich |
De acesso ainda mais fácil são as ruínas de Cahal Pech, situadas numa colina dentro da cidade de San Ignacio. Cahal Pech é sensivelmente menor; enquanto que Caracol ou Xunantunich eram centro urbanos completos e bastante elaborados, Cahal Pech lembra mais um palacete construído para a elite - algo como um Alphaville maia.
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| Cahal Pech |
Saindo um pouco de San Ignacio, acessível de barco pelo rio, chega-se a Lamanai, uma das localidades maias mais longevas - foi habitada continuamente por mais de três mil anos. A posição ao longo do rio dá um toque especial a Lamanai - além da beleza dos templos pode-se avistar uma fauna bastante variada dentro e fora d'água.
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| Lamanai |
Relativamente próximo a Belize City (a maior cidade do país) fica o sítio maia de Altun Ha. Este foi uma cidade de tamanho médio e está hoje muito bem cuidado e conservado. Visitamo-lo ao final da tarde, momento em que a luz torna a paisagem particularmente bonita.
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| Altun Ha |
E, para completar o roteiro maia-belizenho, temos Actun Tunichil Muknal (ATM). Ao contrário dos outros lugares citados, este não é uma cidade antiga, mas uma imensa caverna semi-inundada utilizada pelos maias (ao que tudo indica) para cerimônias religiosas, incluindo sacrifícios humanos. Adentrar esta caverna é quase uma aventura, uma experiência realmente única. Uma visita a ATM envolve mais de uma hora dentro da caverna, na maior parte do tempo com água pela cintura, eventualmente com água no pescoço. Na parte mais profunda se encontram antigos artefatos, como vasos e tigelas, e ossadas humanas.
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| No caminho para a entrada de Altun Tunichil Muknal |
Tudo somado, tem-se um vislumbre de uma cultura quase esquecida por nós hoje em dia, e que no entanto ainda é muito presente na América Central.
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024
Um país chamado Belize
Um país pequeno e pouco povoado bem no meio da América Central, entre o continente e o Caribe. Um lugar que há não muito tempo era uma colônia chamada de Honduras Britânicas - o que supõe um torcicolo etimológico, dado que as “funduras” (profundezas) de Honduras estão no Pacífico, mas Belize só tem costa no Atlântico.
O antigo nome tomado de empréstimo (e que no original, British Honduras, é uma mistura de duas línguas), curiosamente aponta para uma das características marcantes do povo de Belize: a diversidade de culturas. São diferentes etnias, línguas e biotipos convivendo em graus variados de miscigenação e sobreposição. A população negra é maioria no litoral e a ameríndia, no interior. O inglês é a língua oficial e mais falada, seguido de perto pelo espanhol. Também ouvimos distintamente crioulo belizenho, maia e garífuna. Aparentemente todos com quem conversamos são bilíngues ou mesmo trilíngues. Seria Belize a Suíça dos trópicos?
Não em termos de infraestrutura. A de Belize é um tanto precária: casas e vilas extremamente simples (a capital, Belmopã, lembra a menor das cidades do Interior do Brasil), estradas esburacadas (mas com ônibus relativamente frequentes)… E floresta por todos os lados! Dificilmente se está longe do mato, ocasionalmente se está cercado por ele e pela sua fauna. Durante o dia vê-se uma quantidade inacreditável de aves, bugios e outros animais. À noite, o som dos mesmos embala o nosso sono, mesmo na cidade.
No meio da floresta, aqui e ali, ruínas maias. A imagem destas em meio ao verde, com o entrelaçamento das pedras com as raízes das árvores, é de tirar o fôlego. A Guatemala provavelmente tem mais sítios maias, mas em Belize parece que eles estão mais concentrados.
Também no meio da floresta, cavernas, rios e a mistura de ambos (ou seja, rios que correm dentro de cavernas). A natureza foi realmente pródiga aqui. Ainda mais considerando que isso tudo é apenas metade do país: há o mar com suas centenas de ilhas, a maior barreira de corais da América e toda a vida marinha que circula em torno dela. Esta merece toda uma outra viagem (voltada para o mergulho). Diferente, mas de certa forma semelhante: se o azul do Caribe guardar tanta variedade de vida quanto o verde da selva, estaremos bem servidos.
sábado, 23 de dezembro de 2023
Guia Puffin de Gastronomia 2023
Cozinhar bem é uma arte e, como tal, merece celebração. Assim sendo, relevem o injustificável atraso, culpa deste escrevinhador, e deliciem-se com a edição 2023 do Guia Puffin de Gastronomia, que desde 2015 busca novos endereços onde se vivem bons momentos ao redor de uma mesa. Desta vez, trazemos os restaurantes que mais se destacaram nos dois anos anteriores. Ei-los:
ecer menus que intercalam o melhor das duas culturas. Como se não bastasse, a comida fica ainda melhor harmonizada com sucos.
Uma casa que faz jus à saborosa atmosfera de Budapeste, Comandado por Szilárd Tóth, o restaurante nos convida a conhecer aspectos da cozinha tradicional húngara, passando pela infância do chef, mas sem esquecer as referências internacionais. Os avaliadores ficaram encantados com o menu de 15 etapas harmonizado com sucos da casa!
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023
O amor nos tempos de pandemia
"Nel mezzo del cammin di nostra vitami ritrovai per una selva oscura"
Estivemos atravessando tempos tumultuosos, de emergência sanitária e política. Época de poucas viagens e muitas leituras; de medos e esperanças; tempo de absoluta depuração. Contexto difícil para falar de travessias, ainda mais que até os blogues parecem ter morrido e este talvez seja um dos poucos sobreviventes. Assim, este espaço ficou mudo.
Mas, enfim, estou de volta; estamos de volta nós que sobrevivemos. Saudações a quem estiver na escuta!
E quindi uscimmo a riveder le stelle." *
"A meio caminhar de nossa vida/ fui me encontrar em uma selva escura"
"Saímos por ali, a rever estrelas."
segunda-feira, 13 de abril de 2020
Comida na Geórgia
Uma coisa marcante quando se senta à mesa na Geórgia é a quantidade de preparações emblemáticas que há no país. A rigor, não se trata de pratos nem ingredientes exóticos, mas sim de receitas que, apesar de possuirem uma inegável identidade distinta, lembram outras encontradas com certa facilidade ao redor do mundo. Herança talvez da rota da seda, que passava pela Geórgia e arredores.
Na parte de sobremesas, encontram-se algumas variantes de baclavas, possivelmente por influência dos países vizinhos, mas com menos frequência que no Azerbaijão ou na Turquia. O doce tradicional georgiano é uma tira de nozes embebidas numa calda de suco de uva engrossada com farinha. Ao esfriar, esse suco solidifica e o conjunto como um todo fica com a aparência de uma espécie de linguiça doce. Definitivamente incomum, mas razoável numa região de uvas abundantes. Por outro lado, há também a confeitaria clássica, de origem franco-russa, que acaba sendo a mais agradável a paladares ocidentais. Assim, fomos apresentados a uma "Georgian cake" primorosa que no fundo era uma torta mil-folhas, com lascas de amêndoas e creme de confeiteiro. DNA francês no coração de Tbilisi.
Finalmente, há as compotas. Enquanto que, no Brasil, é comum chamar de compotas a um doce de frutas em calda, na Geórgia e em outros países a compota é a bebida (extremamente doce) que consiste na calda das frutas. É bem simples: a fruta é deixada "de molho" em água com açúcar e então essa mistura, com a água ao final contendo o sabor da fruta, é servida para ser bebida como acompanhamento da refeição. Nos supermercados, refrigerantes de frutas são também chamados de compotas, mas não se comparam à bebida tradicional. "Modernismos" à parte, se às vezes fica difícil adivinhar onde surgiram as receitas e quem influenciou quem, fácil é se deixar levar pelos sabores oferecidos na Geórgia.
terça-feira, 24 de março de 2020
Estava escrito na Geórgia
domingo, 2 de fevereiro de 2020
Guia Puffin de Gastronomia 2020
O Pico, Fernando de Noronha - 1 enguia

Zazu, Quito (Equador) - 2 enguiasTuju, São Paulo - 2 enguias
ABaC, Barcelona (Espanha) - 3 enguiasquinta-feira, 30 de janeiro de 2020
Xinaliq: mundo mundo vasto mundo
Imaginem o planeta numa época em que, isoladas pela distância e por caminhos inóspitos (ou pela falta deles), comunidades inteiras viviam quase sem contato umas com as outras. Agora imaginem que, mesmo neste nosso tempo de hiperconectividade, há gente que ainda vive assim.
Lá no alto, além da vista do vale e das montanhas, outra surpresa: o contato com uma cultura única no mundo. As casas de pedra, a criação de ovelhas, o trabalho da lã. Um povo com uma língua própria, que só é falada naquele canto da planeta e que é totalmente diferente do que se fala no resto do país. Aliás, a comunicação é um desafio vencido com boa vontade: o inglês é apenas a quarta língua, atrás do xinaliq, do azéri e do russo. Apesar disso, praticamente todas as crianças com quem cruzávamos nos presenteavam com um sorriso e com umas palavras básicas (Hello! How are you?), orgulhosas do inglês que aprendem na escola.
Falando nisso, o clima lá varia bastante e pode chegar a fazer bastante frio! Enquanto que em Baku estávamos de mangas curtas, o casaco mais pesado não era exagero em Xinaliq. Pior que isso, porém, é que por alguma insondável conjunção zoroastrista, nosso quarto na pousada parecia ter o metro quadrado mais frio da cidade. Quiçá do país! Não consigo explicar exatamente o motivo - o sol que não batia, as paredes pouco isolantes... O quarto era tão frio que, à noite, dava medo pensar em ter de entrar nele. Adiar um pouco o sono não foi de todo ruim, pois nossos anfitriões ofereceram um jantar de superar as expectativas. Quando enfim nos recolhemos, foi para entrar de calça e tudo debaixo de todas as cobertas possíveis e evitar ao máximo qualquer movimento, a única forma de combater o frio. Ah, e claro, o fato de o banheiro ficar fora da casa, num anexo, também implicava que tomar banho àquela altura estava descartado e qualquer incursão noturna só seria feita se fosse absolutamente indispensável.sábado, 21 de dezembro de 2019
Quba: encruzilhadas no Cáucaso
Porém, o texto de hoje não é para falar especificamente da rota da seda e sim de nossas andanças, bem mais modestas, por alguns dos caminhos que hoje ocupam o seu lugar. Até onde pudemos comprovar, o Azerbaijão compartilha com outros ditos "países em desenvolvimento" um problema crônico: a precariedade da infraestrutura de transporte. Enquanto que na Europa Ocidental as estradas e os trens são um convite a viajar, no Cáucaso é preciso tempo e paciência. A começar pelos terminais de ônibus, que são um tanto confusos (e onde a lingua franca é o russo, e não o inglês). Além de ônibus e marshrutkas (vans ou miniônibus), há frequentemente a opção de se dividir um táxi: os taxistas ficam esperando em frente aos terminais e fazem a rota entre as principais cidades por cerca do dobro do preço e metade do tempo do ônibus, saindo assim que conseguem lotação completa para seu carro.
Umas tantas mesquitas, mas nenhuma tão imponente quanto as que se encontram nas grandes cidades do mundo islâmico. Algumas chegam a passar quase despercebidas no começo. Não muita gente na rua durante o dia, talvez por causa do sol inclemente que brilhava.
Um museu cheirando a novo a exaltar a bondade da pátria-mãe, com histórias de mártires de guerra e uma gigantesca bandeira do Azerbaijão. Quba foi cenário de um dos inúmeros massacres de gente inocente que nosso planeta já presenciou, e o governo aparentemente usa este fato para apontar o dedo à vizinha Armênia, com quem mantém uma relação conturbada. A visita ao museu é compulsoriamente guiada por uma mulher que, por baixo do discurso bem-decorado, deixa transparecer uma singela simpatia humana. Não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.
E uma estrada sinuosa que vai além dos caminhos mais batidos, um trajeto inacreditável que sobe 1800 m em 40 quilômetros e só é percorrido a bordo de Ladas Niva: o caminho até as montanhas. Aventurar-se em encruzilhadas é descobrir lugares surpreendentes e este em particular - a vila de Xinaliq, no topo de umas das montanhas de Quba - é história para o próximo capítulo.

























