Andorra, e Andorra la Vella em particular, é um lugar de comércio e de comerciantes. Mas não propriamente como a Turquia ou outras partes da Ásia, onde todos parece que nasceram para fazer negócios - falam incontáveis línguas, esgrimindo em todas elas uma lábia folclórica.
Em Andorra, pelo contrário, a vocação para os negócios é mais recente e vem de incentivos para instalação de uma zona de comércio livre no país dos Pirineus. Em outras palavras, Andorra la Vella é um grande free shop a céu aberto, algo como uma Rivera ou uma Ciudad del Este chique.
Parêntese. Andorra la Vella é a capital e maior cidade de Andorra. O curioso é que seu nome costuma ser traduzido como Andorra-a-Velha, Andorra-la-Vieja ou Andorra-la-Vieille, quando o significado real em catalão seria Andorra-a-Vila, ou seja, Cidade de Andorra...
Pois bem, a efervescência comercial de Andorra está muito longe de ser velha e, assim, o que tem de bons preços (ao menos para os padrões europeus) e de variedade nem sempre é o que tem de fino trato.
Numa ocasião, estávamos procurando a camisa da seleção de futebol de Andorra. Acabamos concluindo que a seleção é real (até prova em contrário), mas a respectiva camisa, se é que existe, passa longe de qualquer vitrine. Em umas tantas lojas nos disseram que não tinham a tal camisa. Até entrarmos em um estabelecimento grande, de uns três ou quatro andares, talvez uma das redes mais completas do país em termos de artigos esportivos. Um dos andares era dedicado ao futebol e vimos farta exposição de bolas e acessórios, além de camisas de Barcelona, Real Madrid, Manchester United e de várias seleções - a do Brasil em destaque -, mas não de Andorra. Descemos um andar para perguntar a uma vendedora; a mulher, antes de responder, olhou-nos com uma cara de incrédulo desdém, e então foi taxativa:
- A seção de futebol é no andar de cima.
- Eu sei, mas não há ninguém lá. - tentei contemporizar. - Talvez pudesses saber se a loja tem a camisa da seleção de Andorra.
E ela, com uma firmeza de meter medo:
- Não sei, não trabalho naquele andar. Vai lá e procura.
Afastei-me devagar, pensando (1) que a vendedora deve ter nascido e passado a vida inteira naquele andar, para não saber o que há nos outros e (2) como é diferente na Turquia, país em que ajudar um cliente a encontrar uma compra numa loja rival é uma opção, e deixar um cliente de mãos abanando não é.
Noutro dia, passávamos em frente a uma loja de eletrônicos que anunciava certo modelo de câmera a um preço bem convidativo. Entramos e perguntei pela câmera. O vendedor, não dos mais simpáticos, ofereceu uma pelo dobro do preço. Perguntei:
- E aquela câmera da vitrine?
- Não temos.
O rapaz foi enfático o suficiente para não deixar dúvidas disso, por estranho que parecesse; também tinha um pouco-caso de quem não parecia estar disposto a conversar; e, a exemplo da raposa diante das uvas, eu não queria tanto assim aquela câmera. Saí de fininho o mais rápido que pude.
Na loja ao lado, a vitrine anunciava uma máquina de cortar cabelo (e isso, sim, era algo que eu pensava em comprar, se surgisse a oportunidade) por 10 euros. Entramos e, quando fui pedir informações, um rosto e uma voz familiar ofereceram uma máquina por 30 euros. Só então reparamos que aquela loja era interligada por dentro à anterior e a mesma pessoa atendia lá e cá! Nem nos demos ao trabalho de perguntar pelo produto mais barato: agradecemos e buscamos mais uma vez a porta da rua...
Foi assim que desisti dos eletro-eletrônicos de Andorra.
Mas não das compras, e o próximo alvo era mais singelo. Acontece que Andorra, assim como boa parte da Espanha, tem um clima bastante seco. No meu caso, uma das consequências disso é: lábio seco, com rachaduras, de uma maneira no mínimo incômoda. Eu queria encontrar um protetor para os lábios - fosse no Brasil, eu me contentaria com um pouco de manteiga de cacau. Entramos numa farmácia e achamos o que eu queria, mas na forma de um hidratante labial importado da Noruega com preço mais salgado que o bacalhau daquele país. Hesitei um pouco, pensando no preço, e perguntei à Renata:
- O que achas? Compro?
Nisso, a balconista da farmácia, com os olhos fixos nas fendas ressecadas dos meus lábios, deu uma gargalhada e não resistiu:
- Eu não te digo nada!
Ainda tenho comigo o protetor labial norueguês comprado na velha Andorra la Vella.