Claro que, estando em
Foz do Iguaçu, não perderíamos a oportunidade de cruzar a fronteira com o Paraguai. A famosa Ponte da Amizade! Impossível não lembrar de todas as histórias de gente que ia fazer compras no Paraguai, de gente que fazia encomendas, de gente que ganhava a vida cruzando o rio... e das bugigangas que podiam até ser de qualidade duvidosa, mas eram o máximo num mundo pré-globalizado e pré-compras-pela-Internet. Hoje já não se fala tanto em viagens de compras ao Paraguai, mas basta um pulo em Foz do Iguaçu para perceber que o lado de lá da ponte continua bem concorrido.
O curioso, porém, é que fomos sem estar particularmente interessados em mercadoria alguma. Queríamos conhecer a ponte, a cidade, ver o movimento. O que pensávamos trazer? Carimbos nos passaportes! Para mim, seria o vigésimo-segundo país visitado: uma marca e tanto!
Lá vamos nós diante da ponte, cruzar a fronteira. Vemos gente que vai e vem, sacolas, ônibus, motos. Gente, gente, gente. Entre eles, vamos a pé, e logo descobrimos que essa foi a decisão acertada: deixamos para trás os ônibus e automóveis que se espremem num tedioso, barulhento e enfumaçado congestionamento. Na alfândega do lado brasileiro, ninguém nos para. Tampouco no lado paraguaio. Nada de carimbos nos passaportes! Essa fronteira é, definitivamente, uma bagunça.
Eis Ciudad del Este. Avançamos umas tantas quadras ao longo de uma grande rua de comércio, entre camelôs e lojas populares. Uma espécie de 25 de Março misturada com Uruguaiana. Quando as lojinhas parecem escassear e a cidade de verdade começa, julgamos que chegamos simbolicamente ao Paraguai e, na falta de carimbos da alfândega, brindamos com um aperto de mãos.
Já é tarde e ainda não almoçamos. Como temos fome, resolvemos entrar num shopping para comer. Num shopping principalmente porque ali as chances de aceitarem cartão de crédito são maiores. Eu fora ao Paraguai despreocupado: sem um níquel da moeda local e sem saber sequer a cotação dela. Arriscamos um lugar na praça de alimentação que anuncia asaditos - são uns espetinhos de carne e de queijo. Antes de pedir, pergunto qual o tamanho dos espetinhos, que custam 3 mil guaranis cada um. O atendente responde com uma risada franca dizendo que não são muito grandes, como eu posso perceber pelo preço. Ele não imagina que eu não tenho ideia de quanto vale um guarani. Pergunto quantos asaditos alimentam uma pessoa, ouço que uns três ou quatro. Peço quatro asaditos para duas pessoas, mais uma porção de arroz, outra de salada e outra de batatas fritas. A porção de batatas fritas custa 15 mil guaranis, o que, pela lógica dele, faz supor certo grau de fartura. O menu também oferece sucos Caricia, resolvo experimentar, pergunto de que sabor é o suco e tenho como resposta: ora, é suco Caricia.
Sentamo-nos. A espera demora mais do que se poderia supor. O suco Caricia está em falta, então acabamos trocando o pedido por um refrigerante. O balconista entrou por uma porta e voltou com avental de cozinheiro. Mais adiante, senta outro casal. A comida deles vem antes da nossa. Dali a pouco vem o balconista-cozinheiro-garçom e traz as porções de arroz e de salada e dois espetinhos. Digo que tínhamos pedido quatro, ele pede desculpas e vai correndo conversar com o casal da outra mesa, aparentemente metade do nosso pedido foi parar lá por engano. Vêm os espetos que faltavam e também um outro pedido de desculpas porque as batatas ainda não estão prontas.
Terminamos nosso frugal almoço sem ver a cor das batatas. Levanto-me para pagar, torcendo para que aceitem cartão de crédito. Quando mostro o cartão, o balconista-garçom-cozinheiro-caixa faz cara de quem vê pela primeira vez aquele objeto estranho, dá de ombros e, sem uma palavra, deixa claro que terei de pagar em dinheiro ou lavar pratos. Felizmente trabalham com moeda brasileira. Diante da conta irrisória (11 reais para duas pessoas, bebida incluída), o que comemos já não me parece tão pouco. Saímos, tomamos um café e seguimos a exploração de Ciudad del Este.
Próxima parada, um supermercado (faz parte de meus rituais, a cada lugar diferente, visitar um supermercado). Lá começamos nossa faina de compras no Paraguai - entre outras coisas, erva-mate e (por puro impulso) um pacote do famoso suco Caricia, que afinal nada mais é do que um desses pós para refresco artificial.
Seguimos. Aos poucos, quase sem perceber, somos tomados por uma (quase) inocente febre consumista. Um perfume, cosmético, garrafa de espumante, garrafa de pomelo, cuia de mate. Uma mala, mais do que apropriada para colocar tudo isso dentro. Nada que chegue a comprometer nossa cota ou a nos classificar como muambeiros inveterados. Mas, entre o vaivém de gente com sacolas, descobrimos que as compras no Paraguai fazem parte da diversão de se visitar esse lugar.
O dia vai chegando ao fim, faz calor e estamos empapados de suor, é hora de voltar. Vamos na direção da ponte através do longo camelódromo, é impossível arrastar a mala num lugar assim, então carrego-a na mão. Eis a alfândega paraguaia (adeus Paraguai, adeus esperança de carimbo!), a Ponte da Amizade (não resisto e faço uma foto incorporando todo o meu espírito muambeiro recém adquirido), a alfândega brasileira (uma rápida olhada na mala e nos deixam passar, enquanto os ônibus, carros e motos esperam na fila). Tomamos um ônibus que desce a duas quadras da nossa pousada. Já longe do burburinho, antevendo um bom banho, dou-me ao luxo de largar a mala no chão e começar a arrastá-la. Uns poucos metros e... plof! Uma das rodinhas se solta e vai parar na sarjeta. Incrédulo, não consigo sentir raiva e começo a rir. Ah, a mala paraguaia! Precisava ser assim tão fiel à fama das mercadorias do seu país? Não durou nem uma viagem! Pelo menos nos divertimos. E, para que não tivéssemos dúvidas das lições aprendidas, quando depois, já chegando no Rio, retiramos a mala da esteira de bagagem, ela tinha perdido outra das rodas - nunca mais comprar mala de barbada numa rua do Paraguai, a não ser que esteja com vontade de me sentir numa cena de filme pastelão. Pelo menos demos boas risadas, afinal mais vale uma mala sem rodas que outra sem alças.