A dimensão do país, a geografia plana e as estradas impecáveis e bem sinalizadas fazem da Dinamarca um lugar excelente para se conhecer de carro. Foi o que fizemos durante uma semana (tempo que, se fosse mais longo, teria nos permitido conhecer o país melhor e com mais calma, mas é o que tínhamos), saindo de Copenhague para visitar o interior do país.
Aliás, interior é modo de dizer, pois não há uma separação clara entre uma faixa litorânea e o interior continental. A Dinamarca é composta por uma península, a Jutlândia, e um complexo arquipélago interligado por inúmeras pontes e travessias de ferries. Copenhague fica numa das ilhas (a Zelândia), já bem próxima da Suécia. De lá, não seria difícil chegar ao extremo oposto do país com algumas horas de carro. Sair da Zelândia em direção à Fiônia já é espetacular, pois as duas ilhas são ligadas por um complexo de pontes impressionante que inclui o maior vão livre da Europa.
Fazendo a travessia, chegamos a Odense, terceira maior cidade da Dinamarca, que fica no coração da Fiônia. Apesar de grande para os padrões dinamarqueses, Odense, no Brasil, seria considerada uma cidade média. O mais legal da cidade (cujo nome é uma referência ao deus nórdico Odin) é que ela é a terra natal de Hans Christian Andersen, o pioneiro dos livros infantis. Referências ao autor, que nasceu numa família pobre e aparentemente conseguiu ascender graças ao seu sucesso com a pena, estão por toda parte. Pegadas amarelas cruzando o centro de Odense levam a pontos notáveis na biografia e na bibliografia de Andersen. Lá estão duas das casas em que ele morou quando criança, hoje ambas transformadas em museu e muito bem conservadas. Uma delas, aliás, é hoje parte de um complexo maior inteiramente dedicado ao autor. Espalhadas pela cidade também estão diversas esculturas representando Andersen ou alguns de seus personagens mais famosos.
Independentemente de gostar da obra de Andersen (a verdade é que muitos de seus contos seriam considerados trágicos demais para as crianças de hoje, acostumadas às versões mais açucaradas da Disney), o passeio rendeu algumas descobertas interessantes. Como o fato de que o personagem que conhecemos por Soldadinho de Chumbo é, no original, um soldadinho de estanho. A verdade (num daqueles fascinantes casos de influência da química na história e na língua) é que ligas de ambos os metais foram usadas na fabricação dos brinquedos, apresentando cada um diferentes períodos de apogeu e declínio. Quando começaram a ser feitos, na Alemanha e logo na Inglaterra, usava-se estanho - daí na língua inglesa ter se popularizado tin soldier e, no dinamarquês de Andersen, tinsoldat. Mais tarde, brinquedos deste tipo começaram a ser feitos na França a partir de chumbo, que então era mais barato por aquelas bandas. O resultado é que as línguas latinas adotaram soldat de plomb (francês), soldadito de plomo (espanhol), soldadinho de chumbo e suas variantes. O que é curioso, já que, para a criança, realmente o importante era o brinquedo e não a matéria-prima de que ele era feito (e à qual retorna o soldadinho, no conto). O fato é que assim, seguindo pegadas, descobre-se muitas histórias em cada história.