E o bate-bola sequer é a melhor parte da história.
Suđuroy, Ilhas Faroe. Após desembarcarmos, eu e a Renata, tínhamos um caminho de algo mais de um quilômetro até a nossa pousada. Assim, pusemo-nos a andar, arrastando a mala, pela estrada que leva ao centro da cidade. Lá pela metade da distância, um carro que vinha passando parou e ofereceu carona – não a primeira vez que nos ofereciam carona, espontaneamente, nas Ilhas Faroe. Aceitamos de bom grado. Assim que entramos no carro, reparamos que havia uma camisa da seleção brasileira no banco de trás. Quase no mesmo instante, o homem perguntou de onde éramos e...
...e não há como descrever a reação dele ao descobrir que éramos brasileiros. Ficou empolgado, sorria, exclamava e se sacudia – o que era ainda mais dramático porque notamos que tinha mal de Parkinson. Daí começou a falar, ao mesmo tempo que pedia desculpas por não saber muito de inglês (mas entendia uma meia dúzia de outras línguas: feroês, dinamarquês, islandês, sueco e por aí afora). Fã de Pelé. Disse que havia sido jogador do time de futebol da cidade, o Tvøroyrar Bóltfelag (TB), e da seleção faroesa. Não cabia em si de empolgação. “Brasilia! Fantastik! Brasilia!” Perguntou se podia nos levar ao estádio de futebol e, quase que respondendo por nós, cruzou a pequena cidade até chegar no tal estádio. Parou o carro, tirou do porta-malas uma bola de futebol, entrou no campo e me chamou para jogar. Eu não conseguia acreditar, mas estava ali, tentando embaixadinhas e dribles com um ex-jogador faroês (e descobrindo que minhas limitadas habilidades futebolísticas não melhoraram com o tempo) no estádio municipal de Tvøroyri.
Na verdade, ficamos poucos minutos lá; ele nos convidou para irmos conhecer a casa dele e lá fomos. Nosso anfitrião – cujo nome é Tróndur Nolsøe – mora em uma grande casa de dois andares, com ampla vista para o lindo fiorde em frente, e com toda espécie de relíquias e bugigangas que se pode imaginar, boa parte delas ligada ao futebol: um pôster gigante do Pelé autografado pelo próprio, inúmeras flâmulas e camisas de futebol, álbuns de figurinhas, livros, fotos, bibelôs...
Não duvido de que ele teria passado a tarde toda conosco. Mas lá pelas tantas, após ter mostrado parte do seu museu pessoal, Tróndur se prontificou a nos levar à pousada e só se despediu quando já estávamos bem instalados lá.
Acontece que a história não parou por aí. Mais tarde, estávamos na pousada quando ouvimos alguém chamar – era ele que tinha vindo fazer uma visita. Conversamos, ele catou um baralho e se pôs a fazer mágicas com cartas, em seguida ensinou alguns truques, depois ainda fez um convite para ir pescar – recusei, minha intimidade com pesca consegue ser menor do que minha intimidade com a bola. No final, ofereceu-nos de presente uma pequena bandeira das Ilhas Faroe.
Eu e a Renata estávamos maravilhados, tínhamos anotado o endereço dele e prometido enviar algo (uma camisa da seleção, alguma lembrança do Brasil?), e não nos perdoávamos por não ter nada para oferecer (um par de havaianas, que fosse!). Resolvemos sair e procurar por algo que pudéssemos comprar para ele – mesmo a cidade sendo pequena e as lojas quase inexistentes, já tínhamos reparado que, graças à Copa do Mundo, não era impossível encontrar artigos verde-amarelos em qualquer lugar que fosse. Acabamos comprando a Brazuca, a bola da Copa. E fomos até a casa dele para retribuir as gentilezas do dia anterior.
Tróndur ficou eufórico quando nos viu, convidou-nos para entrar, ofereceu chá, bolo, doces, balas. Trouxe um presente: uma pedra arredondada, comum na região, em que ele mesmo pintou a bandeira brasileira. Sentamo-nos no sofá do andar de cima, que tem as enormes janelas com a vista para Tvøroyri, uma grande televisão, vasos e mesa de vidro. Tróndur não cabia em si, desceu e voltou com a bola que havia ganho de presente e pediu que eu a autografasse! Após, começou a fazer embaixadinhas no meio da sala – ele, com Parkinson, no meio daquele universo de coisas quebráveis! E conversava, falava da esposa, dos filhos já crescidos, do trabalho e de futebol.
Despedimo-nos. Para quê! Não deu meia hora, lá estava nosso novo amigo nos procurando na pousada. Vinha trazer mais presentes: um livro sobre o Tvøroyrar Bóltfelag, desenhos feitos por ele e meias de lã (legítima lã faroesa!) feitas pela mãe dele. Ah! Como não ficar encantado e sem graça depois de tudo isso?