segunda-feira, 20 de abril de 2009

Próxima parada: Portugal


Tome o leitor as páginas seguintes como desafio e convite. Viaje segundo um seu projecto próprio, dê mínimos ouvidos à facilidade dos itinerários cômodos e de rasto pisado, aceite enganar-se na estrada e voltar atrás, ou, pelo contrário, persevere até inventar saídas desacostumadas para o mundo. (...) A felicidade, fique o leitor sabendo, tem muitos rostos. Viajar é, provavelmente, um deles. Entregue as suas flores a quem saiba cuidar delas, e comece. Ou recomece. Nenhuma viagem é definitiva.

Assim José Saramago apresenta a sua Viagem a Portugal, livro que é crônica, é guia turístico, e também é algo fascinante que eu me abstenho de descrever, pois o prêmio Nobel da nossa língua não precisa das minhas palavras a explicar as suas. Fato é que se trata de um livro incomum. Encantador.
Tanto quanto uma viagem a Portugal pode ser encantadora. Especialmente para nós brasileiros. Afinal, herdamos de Portugal a língua (e com a língua um certo modo de pensar) e aspectos de religiosidade, musicalidade, gastronomia. Acima de tudo, herdamos de Portugal a saudade de um povo navegador, cantada desde antes de Camões e ainda depois de Pessoa. Mesmo um brasileiro que não descende explicitamente de portugueses tem tudo isso muito vivo. Semelhanças e diferenças a serem exploradas.
Tudo isso para anunciar que meu próximo destino se encontra no além-mar, nas terras lusas. Desta vez, com a companhia de minha mãe, com quem compartilharei (ou multiplicarei) os passos. Viagem que se dividirá em duas partes: Açores e Portugal continental.
A parte do continente dispensa apresentações demoradas; será um trajeto não linear entre o Porto e Lisboa, do qual eu pretendo falar à medida que estiver sendo percorrido. E conhecer os Açores representa uma ligação afetiva com terras longínquas e pouco exploradas, talvez ainda mais afetiva do que aquela com as cidades do continente. Explico. Nascemos e nos criamos numa cidade fundada por açorianos. Mesmo que Porto Alegre hoje seja uma metrópole com inúmeras influências, das quais os colonizadores originais são apenas uma delas, a memória dos açorianos segue viva em monumentos e histórias. Faz parte do imaginário popular. Como se não bastasse, os Açores são não uma, mas um punhado de ilhas praticamente perdidas na imensidão do oceano. Pode haver algo mais simbólico que isso? Pode alguém como eu, que já escreveu sobre o mar, ilhas, cais, barcos e pescadores, não se sentir atraído pelos Açores? Nosso porto (e nossa Porto) cresce e se enobrece em vista de tantos portos.
Resta agora içar as velas e se lançar ao mar. Sem esquecer as cartas, tantas léguas a serem semeadas. Cada carta será um convite para nos acompanhar nesta viagem. Então... vamos a bordo!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Uruguai, terra da Banda Oriental


Trilha sonora para esta crônica: Mi país, Rubén Rada

Eu era criança e viajávamos todo ano para o Uruguai. Cerca de meio dia na estrada entre Porto Alegre e Montevidéu. Muitas vezes, tínhamos a companhia das aves que voavam em bando, numa formação em V que me fascinava. Cortavam o céu, acompanhavam a estrada durante horas. Viajavam – daí a formação em V de viagem.
Eu, na verdade, não tinha consciência disto tudo. Mesmo cruzar a fronteira era um ato simples, que parecia não exigir esforço. Tal era a impressão causada, sobretudo, pela familiar recepção que tínhamos do lado de lá por aquela gente a cujo modo de falar eu logo me acostumei.
Até hoje tenho em Montevidéu amizades duradouras e sinceras. Como não se sentir em casa junto daquelas pessoas?
Tudo isso fez com que eu conhecesse um Uruguai que não era um país de guias turísticos, monumentos, cartões-postais. Até porque criança não repara nessas coisas. O meu Uruguai foi, desde sempre, um país que se revelava nos detalhes. Nas colheradas de doce de leite que eram oferecidas a nós, crianças. Nas fatias de goiabada. Nos trólebus que cortavam as avenidas do centro. Nos brinquedos do Parque Rodó, o parque de diversões da cidade. Nas nossas brincadeiras de criança, nós que corríamos pela rambla (a avenida litorânea) enquanto os adultos mateavam olhando para o rio. Nos sonhos de singrar o rio, que mais parecia mar, a bordo daqueles navios que zarpavam do porto. Nas visitas à livraria que mais parecia um mundo.
As primeiras e mais emocionantes incursões a livrarias de que me lembro foram todas em Montevidéu. Havia lá um grande sebo aonde minha mãe costumava me levar. Na minha memória, ficávamos lá durante horas. Enquanto ela garimpava Agatha Christie, eu descobria Júlio Verne, A Ilha do Tesouro, Sherlock Holmes... Aí nasceu meu gosto pela leitura: com estes livros, escritos em espanhol, naquela época em que aprendi que ler era fácil e divertido. Phileas Fogg, o capitão Nemo, o misterioso pirata da perna-de-pau eram companhias que eu poderia ter à hora que quisesse, sempre ao alcance da mão.
As estradas do Uruguai, estradas da minha infância, com o tempo foram ampliando horizontes. Elas me levaram a Punta del Este, onde a contemplação extasiada dos iates na marina começou a me convidar ao mar. Sonhava navegar, sonhava ao menos lançar mensagens enroladas no interior de uma garrafa. Quem as leria? A mensagem na garrafa seria não só uma viagem no espaço: seria uma viagem no tempo. Outra pessoa, de outra idade, em outra cidade, a receberia. Responderia?
As estradas tomam rumos diversos. Em minha última viagem à Banda Oriental, em 2006, meus olhos já eram mais de turista e menos de criança do que eu gostaria. O que não faz o tempo... A lembrança de tudo estava lá, mas o coração, já adulto, apesar das férias vivia algumas preocupações que não teriam cabido na criança. Pena é que demorei a me dar conta disto. E esse Uruguai que segue no meu roteiro de sonho, desde então não retornei para lá. As garrafas com mensagens? Bem, acho que o plano original evoluiu um pouco. Não lanço garrafas de qualquer tipo. Mas mensagens todos nós deixamos, e quem seguir meus passos encontrará exatamente isso – passos a serem seguidos ou não. Caminhos, alguns prontos, mas a maioria ainda por fazer. De sonhos, de palavras, de histórias.
Fotografia: eu e meu irmão em Montevidéu, 2004.

sábado, 4 de abril de 2009

Cartas de tantas léguas e a Banda Oriental

É chegada a hora de navegar em outros mares... Este blogue existe há quase um ano. Na época, criei o espaço para colocar as crônicas da minha viagem à Ásia e para servir de elo com o Brasil enquanto eu estivesse fora. E o blogue cumpriu seu objetivo, tanto que eu ainda me emociono ao reler as primeiras postagens e seus comentários. Agora, aquela viagem passou, outras viagens se aproximam...
Então, resolvi expandir o horizonte: falar não só daquelas bandas, mas de outras tantas que há por este mundo afora. É por isso que temos nova capa e novo título: das Bandas Orientais às Cartas de tantas léguas, novas bandas a serem exploradas. O endereço continua o mesmo, assim como a vontade de viajar. E assim como as cartas são, sempre, uma forma de viajar – talvez mais eficientes que mágicas botas de contos de fadas.
Para começar, falarei um pouco sobre como tudo começou, ou seja, sobre a verdadeira Banda Oriental...

Na geografia dos pampas, as águas têm um papel importante como marco de fronteira. Foram as águas, no caso, o rio Uruguai, que definiram a divisa entre os dois países hispânicos do pampa. A oeste do rio, ou seja, na banda ocidental, a Argentina. A leste, ou seja, na banda oriental do rio Uruguai, o país que hoje conhecemos como Uruguai e cujo nome oficial é República Oriental del Uruguay. Daí os uruguaios serem chamados, ainda hoje, orientales. E daí aquela região ser chamada historicamente de Banda Oriental, mesmo pelos gaúchos do Continente de São Pedro (Rio Grande do Sul), para quem a Banda Oriental ficaria na direção do ocidente.
Ainda criança, algumas das minhas primeiras viagens foram em direção à Banda Oriental. Na época, eu sequer imaginava que ira, um dia, conhecer “outras” bandas orientais... Prova de que o mundo dá voltas e nem sempre se consegue prever os caminhos.