Uma reflexão necessária sobre a situação atual do país, ainda que fuja um pouco ao tema do blogue.
"Quem vive nos Bálcãs acaba passando por pelo menos duas guerras." Um
dia, um amigo nascido nos Bálcãs me falou isso, em tom de provérbio
iugoslavo. Esse amigo, que tem a mesma idade que eu, morou em quatro
países diferentes sem mudar de cidade. Já o pai dele passou por sete
países. Melhor dizendo, sete países passaram por ele: é o que acontece
quando se fica no mesmo lugar mas as fronteiras oscilam ao sabor das
guerras e as nações se juntam e se separam ao sabor dos acordos
políticos (aqueles que, como se sabe, são como as salsichas).
Nos
últimos cinco anos, visitei três vezes os Bálcãs. Sempre que a
discussão pendia para assuntos de economia, política e qualidade de
vida, acabávamos concluindo que a situação do Brasil era muito melhor do
que a de qualquer país da ex-Iugoslávia e que, dentre vários possíveis
motivos para isso, um se destacava: a ausência de guerras no período
recente. Era flagrante o quanto o Brasil, a despeito de sua diversidade,
tinha um senso de união e de convivência pacífica invejável. Não digo
que fosse perfeito, nós sabíamos das dicotomias norte/sul (ou
sudeste/nordeste), pretos/brancos, ricos/pobres, mas nada chegava aos
pés das sangrentas tensões balcânicas. Meu amigo invejava essa nossa
paz, como invejava a pujança econômica, a oferta de empregos, invejava
até mesmo nossa Copa do Mundo e nossos Jogos Olímpicos.
Hoje,
porém, se saio para a rua em meu país ou faço uma busca rápida na
Internet, vejo um ódio que não está tão longe daquele estopim perigoso
dos Bálcãs. É algo que nunca vi antes, não no Brasil. Que extrapola
enormemente a simples discussão de ideias políticas ou a disputa
democrática por poder (por mais que estas já fossem, em seu cerne, menos
edificantes do que as palavras podem fazer parecer). O que se vê é uma
troca de acusações e ameaças que se distanciou demais dos alegados
combate à corrupção, de um lado, e respeito à instituição democrática,
de outro. Ora, não me venham dizer que o que está em jogo é a corrupção
(até porque sequer é esse o foco do julgamento do impeachment da
presidente). Também não venham negar o crescimento econômico do país:
para citar um exemplo, eu mesmo vivenciei um momento, há 15 anos, em que
engenheiros saíam da universidade mendigando um emprego, e outro
momento, há uns três anos, em que empresas iam à universidade disputar a
tapa engenheiros que sequer tinham se formado. Não serei ingênuo a
ponto de afirmar que é tudo mérito exclusivo de Lula ou Dilma, mas
também não me venham dizer que é apenas coincidência ter acontecido
durante seus mandatos.
Agora, passado o ápice daquele momento
econômico, instaurou-se uma disputa de poder que faz uso de um
componente perigoso: o ódio. Na disputa pela cadeira do Palácio do
Planalto, alimenta-se a ideia de que o Brasil está dividido entre grupos
que seriam, estes sim, irreconciliáveis: honestos e corruptos, o bem e o
mal. Com a presidente literalmente impedida de governar, e isso deste o
início do mandato, utiliza-se o país como moeda de troca. O velho e
anedótico "é dando que se recebe" assume proporções assustadoras.
Passageiros e tripulantes do navio se digladiam enquanto este vai a
pique, consolando-se com a pobre ilusão de culpar o adversário pelo
naufrágio.
Abro o jornal e penso o que aquele meu amigo
ex-iugoslavo diria. Nas manchetes, vejo que em Brasília constroem um
muro para separar os dois lados do campo de batalha; nas estradas,
manifestantes fazem barricadas queimando pneus; novamente em Brasília,
um deputado comemora não estar mais na lista de procurados da Interpol
(mas era pegadinha do malandro: ele continua com mandato de prisão... e
continua deputado). Em meio a tudo isso, em São Paulo, os supostos
representantes da nova política brasileira tomam decisões importantes: discutem a participação de uma cópia simplória do Fofão para alegrar a festa do impeachment. E essa é a parte menos pior da história, pois é a
que nos permite rir, nem que seja da própria desgraça. Palhaço por
palhaço, é difícil não lembrar do Tiririca: "pior do que tá não fica". O
nobre deputado, quem diria, era um otimista.