quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Buenos Aires e o tango

Buenos Aires é certamente uma das cidades estrangeiras mais visitadas por brasileiros. Nós mesmos já havíamos estado lá antes, assim que voltar a visitá-la, agora, foi mais um reencontro que um grande ineditismo. Não importa; o centro, San Telmo, a Recoleta, La Boca, sempre valem a pena.
O fato é que os reencontros permitem que a gente repare no que havia passado despercebido na primeira ocasião. Os olhos e a mente trabalham num ritmo diferente. Num compasso de dois por quatro. Ou seja, tango.
O tango não é exclusividade argentina mas, aparentemente, nenhuma outra cidade tem tanto a cara de um tango quanto Buenos Aires. E, da mesma forma, nenhum outro estilo musical tem tanto a cara de Buenos Aires. Senão, vejamos. Um estilo multifacetado: é música, é canção, é dança. De origem humilde, mas aparência aristocrática (e capaz de unir classes sociais). É um clássico: antigo, sim, mas nunca antiquado. E suscita paixões ardentes, para o bem e para o mal.
O tango é orgulhoso. Nasceu pobre, nos arrabaldes de Buenos Aires e de Montevidéu; fez sucesso em Paris, depois em Hollywood; e hoje ostenta um olhar altivo e um figurino emblemático, do chapéu escuro aos sapatos de couro. Mas também dispensa qualquer figurino quando surge numa milonga, numa esquina ou na praça de um shopping. Como a alma argentina, que não esmorece diante de políticas fracassadas e crises econômicas e segue adiante, embalada pela arquitetura imponente dos prédios antigos (mas não antiquados) da capital portenha. Há alguns anos, em minha primeira passagem por Buenos Aires, encontrei inúmeras pechinchas de CDs nas lojas de música. A economia do país não passava por um bom momento e, como uma das consequências, todas as maiores vozes do universo latinoamericano e mundial eram oferecidas quase de graça. Todas, exceto as que cantavam tango: o ritmo nacional não entrava em promoção, ninguém rebaixava a voz de Gardel. O tango era a derradeira resistência na montanha-russa da economia argentina.
Foto: Renata TeixeiraSe alguém quiser uma discussão acalorada, basta ir a Buenos Aires e sustentar, diante de um apreciador de tango, que Carlos Gardel era uruguaio. Pode ou não ser verdade e, por irrelevante que pareça, a controvérsia tenderá a ser tão acalorada quanto uma disputa entre River e Boca. Parece que, em Buenos Aires, as maiores paixões começam ou terminam em tango ou futebol.
Fomos ao Abasto, região tanguera de Buenos Aires. Lá, entre outras coisas, está o Museo Casa Carlos Gardel, onde viveu o célebre cantor. É um espaço relativamente pequeno, simples, mas que vale a visita. Gardel personificou o tango e sua trajetória foi espetacular, do nascimento misterioso à morte trágica. O tango nem sempre é fácil (ao contrário do que Al Pacino nos quis fazer acreditar) e pode ser brilhante, mas também triste. Como um quê de Buenos Aires.

5 comentários:

Cecília Sousa disse...

Como sempre, excelente texto. E eu, que nunca tive grande curiosidade com relação à Argentina, até senti um beliscão. Bom 2016 pra você! Indicarei o texto pra um amigo apaixonado por tango.

Eduardo Trindade disse...

Muito obrigado! Feliz Ano Novo para ti também! Sempre temos algo a aprender em cada lugar, Cecília. Realmente a proximidade (geográfica e cultural) com o Brasil faz com que a Argentina não seja tão lembrada como um destino "de sonho", mas Buenos Aires vale a pena, nem que seja pela comida e pela cultura. Abraço!

Renata Teixeira disse...

Paixões ardentes para o mal... o que será que passou pela cabeça desse poeta? É uma pena termos nascido só com pés esquerdos ou poderíamos ter dançado tango em pela Buenos Aires! Pensa que luxo! Mas não nascemos com a mesma leveza e graça do grande Elvis da terra do basalto! Só nos resta apreciar a música e dançar com os pensamentos.
Voltar a Buenos Aires foi mesmo muito gostoso. Sua companhia, novos passeios, os deliciosos alfajores de dulce de leche e sorvete de pomelo!
Viajar é sempre muito bom!

Alice disse...

Não conheço Buenos Aires. Nunca me aventurei no tango. Mas estava aqui pensando que como a minha professora de piano reclama mais do meu desempenho nos compassos ternários, acho que posso me sair melhor dançando tango que valsa. Bom poder "viajar" nos seus textos e obrigada pela visita ao blog.

Abraços e feliz tudo novo!!!

Eduardo Trindade disse...

Renata! Ah, se tivéssemos pés laranja, seria outra história! Bem, provavelmente vai demorar um pouco, mas voltaremos mais uma vez a Buenos Aires e, quem sabe, vamos ver, ouvir e bailar o tango... Enquanto isso, é muito bom lembrar que provamos juntos alfajores, pomelo, dulce de leche... Sem contar que conhecemos um restaurante recomendado pelo Guia Puffin!

Alice, talvez a facilidade ou dificuldade da música não esteja tanto nos diferentes compassos, mas em pontos intangíveis como o que ela nos evoca (ou não); há ritmos que soam naturalmente familiares, enquanto outros, por diferentes motivos, têm sempre o ar de algo distante e misterioso. Mas é só uma hipótese minha, eu que sou um irremediável fracasso musical.