Enquanto, no Brasil, já estamos sob horário de verão e nos preparamos para o calor, o inverno se aproxima no Hemisfério Norte. Um inverno completamente diferente daquele a que estamos acostumados.
Para começar, não estamos preparados para lidar com o frio rigoroso. Quase não temos sistemas de aquecimento nos ambientes. Na maior parte do país, sequer temos roupas apropriadas. E, sobretudo, não temos a prática de conviver com baixas temperaturas.
Em compensação, temos uma curiosidade natural por conhecer neve. Morando em
Porto Alegre, vi nevar sobre minha cidade em duas ocasiões num espaço de pelo menos dez anos. Em ambas, foram apenas flocos tímidos, que em nada lembravam os filmes que vemos no cinema, mas tecnicamente era neve. Anos depois, num mês de fevereiro, estive em
Londres e fui surpreendido por uma neve fina, ainda insuficiente para formar montanhas brancas, mas bastante para fascinar um brasileiro como eu.
Mais tarde, noutra viagem, tive a chance de ver neve abundante. Telhados e ruas cobertos por mantos brancos e fofos. Sem distinguir o meio-fio, sem ver onde termina o asfalto e onde começa a calçada, caminhar (sobretudo transportando malas) era um desafio trabalhoso, apenas recompensado pela vista deslumbrante de montanhas brancas,
lagos e rios congelados.
Claro que, apenas via oportunidade, eu não resistia à tentação de brincar como criança, afundando os pés na neve fofa e (até então) imaculada. Na primeira ocasião, moldei um boneco de neve e o batizei de Josip - nome balcânico por excelência, já que eu estava na
Croácia. Depois, ao seguir viagem, tive pena ao abandonar meu novo amigo, mas me consolei pensando que Josip se adaptaria melhor que eu àquele clima frio.
Em Helsinque, vi o mar congelado pela primeira vez, e fiquei genuinamente espantado. No mesmo dia, andei por mais caminhos nevados. Naquele ambiente, a Renata e eu nos municiávamos de bolas de neve e as jogávamos um no outro, brincando como crianças. Lá pelas tantas, apareceu um menino que também brincava de guerra de bolas de neve; na minha empolgação, resolvi desafiá-lo. Oh, céus! O guri era ágil, sofri uma derrota avassaladora! Eu, legítimo Napoleão entre os russos, tive dificuldade em negociar um armistício, mas aprendi com meu pequeno oponente que a experiência na neve é algo que se conquista aos poucos. Um brasileiro como eu não poderia impunemente medir forças com um finlandês.
Dias depois, tínhamos ido a Estocolmo, onde a neve era apenas um pouco menos abundante, e caminhávamos pela cidade. Em certo ponto, resolvemos descer um longo lance de escada a céu aberto para alcançar nosso destino. A escada estava inteiramente coberta de branco, quase soterrada, e só fomos por ela porque a alternativa envolvia um longo desvio por um caminho que nem sequer sabíamos onde passaria. Os degraus, cheios de neve, eram traiçoeiros e escorregadios. Agarramo-nos ao corrimão, mas esse mal acompanhava os primeiros metros e logo sumia, deixando-nos entregues à nossa própria desenvoltura (perspectiva nada animadora, dada a recente experiência com bolas de neve) numa escada que era mais um barranco amplo, gelado, molhado e escorregadio. Fazendo menção de voltar, a Renata perguntou: "não é perigoso ir por aqui?" Eu, sem vontade de dar a volta, olhando para o trecho com corrimão que deixaríamos para trás e para a sua continuação tão ou mais íngreme abaixo de nós, não resisti e lancei a ironia: "se o corrimão só vem até aqui, é porque só existe perigo até esse ponto!..." Bem, o fato é que devagar, com o cuidado de um gato escaldado (ou melhor, congelado), chegamos com sucesso ao final da escada.