Esqueçam o conceito de que a China, com seus espetinhos de baratas, aranhas e lacraias, teria a comida mais exótica do planeta.
E vocês sabem aquelas dicas que todo mundo já ouviu alguma vez na vida sobre como escolher peixe, como saber se o peixe do mercado está fresco? Esqueçam isso também.
Ao que tudo indica, os islandeses são um povo que passou muita fome. Hoje, nem tanto mais (é impressionante ver como cultivam vegetais em estufas totalmente aquecidas enquanto lá fora não há sol e a temperatura é congelante). Mas fato é que, do passado de dificuldades, dizem ter guardado algumas "saborosas" receitas: cabeça de bode (inteira), pudim de sangue de ovelha ou testículos de bode cozidos em leite azedo. Tudo isso faz parte do Þorramatur, um "mistão" servido tradicionalmente no mês de fevereiro.
Mas ainda não é nada comparado com outra especialidade islandesa, o hákarl. O que nos leva de volta à inutilidade dos métodos de se determinar se um peixe é fresco ou não; pois hákarl é simplesmente peixe podre, em toda a extensão de significado (e cheiro, e sabor) que a expressão "peixe podre" pode abranger.
Pega-se carne de tubarão; coloca-se a carne para fermentar (literalmente, apodrecer) durante dois ou três meses; deixa-se secando ao relento por mais um meio ano; pica-se o resultado disso em cubinhos, coloca-se em potes e a mais inesquecível experiência islandesa está no ponto para ser vendida em supermercados.
Comprei um potinho de hákarl. Não tive coragem de consumi-lo de imediato. Todas as descrições que eu tinha encontrado eram altamente desencorajadoras. A aparência é de cubinhos com uma gosma escorrendo. E o pote estava estufado (outro conselho inútil: o de que embalagens estufadas indicam alimentos que passaram do ponto).
Só fui abrir o pote dois dias depois, numa aldeia a quilômetros de qualquer centro urbano. E... Minha nossa! Imaginem um cheiro forte de peixe misturado a um cheiro mais forte ainda de amônia e de urina. De dar náuseas, literalmente. A mais nojenta de todas as coisas nojentas que já vi sendo oferecidas como alimento. A impressão é de que aquilo empestearia qualquer ambiente. Aliás, só de abrir o pote, eu mesmo fiquei com o cheiro impregnado no corpo a ponto de precisar apelar para um vidro de perfume que disfarçasse um pouco o fedor. Comer aquilo? Desculpem, não havia a menor possibilidade e não imagino como alguém pode conseguir (eu tinha perguntado ao caixa do supermercado se ele gostava e a resposta fora afirmativa, mas que mesmo ele não conseguia comer mais de três cubinhos por causa do "sabor muito forte").
Com aquele pote aberto, não pude pensar em outra coisa que não fosse procurar uma lixeira. Enquanto me desfazia do hákarl (não, não dá para imaginar aquilo como comida), eu ia juntando as ideias: lembrei que uma particularidade da Islândia é ser um dos poucos países do mundo que não têm exército. Também, pudera: sabendo que eles dispõem de uma arma de destruição em massa como essa, quem se atreveria a ameaçá-los?