"Os Amantes do Círculo Polar" é um nome de um filme que há 10 anos me recomendam e que eu ainda não vi... Este texto de agora não tem nada a ver com o filme, mas tem tudo a ver com o título.
Fomos até Akureyri, norte da Islândia. Lá, às 8h da manhã (noite fechada), tomamos um ônibus até a vila de Dalvik a tempo de subir no barco que faz a travessia para Grímsey. O marinheiro que nos recebeu ainda avisou: o mar não estava nada amigável, com onda de quatro metros. Ele estava seguro de que passaríamos mal na viagem. Resolvemos assumir o risco.
Três longas horas de travessia depois, desembarcamos em Grímsey. Trata-se de uma minúscula ilha, o ponto mais setentrional da Islândia, onde a população fixa é de 70 habitantes. Um pequeno (e belo) pedregulho no meio do mar, salpicado de neve e de algumas poucas casas.
E mais, para quem gosta de símbolos ou de geografia: o Círculo Polar Ártico corta a ilha ao meio. Cruzamos o Círculo Polar!
Passamos a noite em Grímsey; no primeiro dia, exploramos a parte sul da ilha e, no segundo dia, a parte norte (o Ártico). Tudo a pé.
As paisagens são magníficas, com escarpas de filme lotadas da gaivotas por todos os lados. Pena que, nessa época do ano, não se vê o puffin ou papagaio-do-mar - simpática ave símbolo da Islândia. Pena, também, que o tempo nublado não nos permitiu ver a Aurora Boreal.
Mas, como não poderia deixar de ser, o simples fato de se estar num lugar tão remoto é uma atração à parte. A risonha mulher que nos recebeu (de mangas arregaçadas ao vento enquanto eu me arrependia de não ter mais casacos) mostrava sua terra com bastante bom-humor. Ali o mercado (abre das 15h às 18h), lá o "barulhento" gerador elétrico (o que para ela era barulhento passaria despercebido na menor das nossas cidades), acolá a "floresta" de Grímsey - meia dúzia de arbustos de não mais de 30 cm, as "árvores" mais altas da ilha. Quase na hora de irmos embora, ela me convidou a visitar a escola da ilha e eu demorei a entender o que ela dizia - não é sempre que um "turista" recebe convite para conhecer uma escola. Fomos. Que surpresa encantadora! Não só vimos o espaço onde as crianças estudavam, liam e brincavam. Fomos logo cercados por uma dúzia de loiríssimos piás, alguns tímidos e todos curiosos. Fiquei com pena de não saber mais palavras na língua deles, mas todos falavam algo de inglês! Um trouxe um globo terrestre e pediu que eu apontasse de onde tínhamos vindo. Outro, ao ouvir "Rio de Janeiro, Brasil", lembrou logo que tínhamos lá um "big guy" - o Cristo Redentor. Outro, ainda, lembrou de um parente em Belo Horizonte!
E assim foi nossa curta visita não apenas ao Círculo Polar, mas àquela gente que ama o Círculo Polar para lá viver com tanto orgulho e tanta alegria. Na partida, a mesma mulher responsável pela pousada onde ficamos foi (literalmente) abrir o aeroporto para a chegada do nosso avião - um voo que pousa na ilha três vezes por semana, quando o tempo permite. Em nenhum momento precisamos mostrar documentos: no embarque, perguntei a ela se precisávamos mostrar os passaportes e a resposta, simples, veio com um sorriso: não precisa, eu conheço vocês. Como se fôssemos velhos amigos. Antes de embarcar no teco-teco que nos levaria de volta, ainda recebemos das mãos da nossa anfitriã um "certificado" de nossa passagem pelo Ártico assinado pelo próprio comandante do avião. Delícia de lembrança que só faz sentido (e faz todo o sentido) entre amantes do Círculo Polar.