Para que eu não pare nesta existência
Tão mal cumprida tão mais comprida
Do que a restinga de Marambaia!...
Manuel Bandeira
Tão mal cumprida tão mais comprida
Do que a restinga de Marambaia!...
Manuel Bandeira
Sem falsa modéstia, tenho plena consicência de que poucas pessoas terão uma oportunidade na vida para fazer aventura como a que nos propomos. O plano era sair do Rio de Janeiro ainda de madrugada, eu e meu amigo Arthur, e fazer a travessia marítima até a Ilha Grande no Pandorga, um veleiro de 20 pés, chegando lá perto do entardecer. Ficaríamos por alguns dias e depois retornaríamos. Para tanto, passei as semanas anteriores em preparativos - revisões, estudo da rota, previsões de tempo, provisão de alimentos, bebidas e materiais diversos. Na tarde anterior, embarcamos - dormiríamos a última noite já no barco.
A ansiedade era grande. Vontade foi de partir antes mesmo da hora planejada. Mas procurei dormir, sabendo que umas horas de descanso prévio poderiam ser valiosas mais tarde.
Partimos, pois, no dia 16. Assistimos de camarote ao nascer do sol no mar, um belo espetáculo. Aos poucos o vento foi nos fazendo companhia, um gentil vento de popa que nos permitiu subir a vela-balão - o Pandorga tem uma bela vela-balão farroupilha, nas cores verde, vermelho e amarelo.
Dali para a frente, as praias cariocas iam se descortinando à nossa direita - ou seja, a boreste, já que estamos falando de coisas do mar. Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon, São Conrado já haviam ficado para trás. Vem a Barra da Tijuca, vem o Recreio dos Bandeirantes, as praias vão ficando maiores e custam mais a passar. Guaratiba. E então a Restinga Marambaia, mais de 40 km de uma faixa de terra baixa e estreita, tão baixa e estreita que mal se vê do mar. O curioso é uma árvore solitária plantada ali: à distância, com a faixa da Restinga praticamente invisível, o que se enxerga é a árvore como se ela estivesse em pleno mar. Dizem que serve de aviso aos navegantes: há histórias de incautos que, à noite ou sob neblina, aproximavam-se perigosamente de terra e foram salvos pela visão da árvore, legítimo farol natural (que obviamente não aparece na carta náutica).
Da metade para o final da Restinga, o vento começou a apertar. Hora de ficar atento, fazer força e mostrar agilidade nas manobras. Para quem já estava há horas no mar e recém começava a enxergar, ao longe, a Ilha Grande, era um teste de resistência. Brincamos: "Rizar as velas é para os fracos!", ouve-se a bordo, em referência à manobra de diminuir (rizar) a área vélica quando o vento passa da conta. Sanduíches, bolachas, chá gelado, suco e muita água - tudo vale para fornecer energia contra o cansaço. E paciência. Quando pensamos que, ao menos, o vento forte nos empurrará logo para o destino, ele resolve serenar. Praticamente some, obriga-nos a ligar o motor. O sol já está se pondo quando entramos na baía da Ilha Grande. A travessia vai levar mais tempo que o previsto. Mas paciência é virtude de velejadores. Nosso pouso será a Enseada das Palmas. A Ilha já está perto. Sente-se cheiro de terra, cheiro de mato! Os corações se ouriçam, a expectativa cresce em meio ao cansaço. Entramos na enseada. Em meio à escuridão, dois pontos luminosos lá adiante nos guiam para a praia em frente à qual fundearemos. Pronto, chegamos! Solto a âncora. O Pandorga se comportou bem, assim como nossa fibra de marinheiros. Estou aliviado. À noite, parece que temos aquela praia inteira para nós, mas o que interessa agora é verificar se a âncora está bem presa, terminar de baixar a vela, organizar as coisas na cabine e dormir. O sono virá fácil, afinal precisamos dele para chegarmos descansados ao dia seguinte. Ilha Grande nos espera.