quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Mensagem na garrafa

El mar es un azar
¡Qué tentación echar una botella al mar!
*

Era um desejo de infância. Quando pequeno, nas praias que eu frequentava, sonhava em topar com uma garrafa trazida pelas ondas até a areia, uma garrafa que traria mensagens de terras longínquas. Lembro de ouvir contar que minha tia, certa vez, encontrou uma garrafa com uma mensagem de alguém que estudava correntes marítimas. Esta história me fascinava. Sobretudo, fazia com que eu imaginasse encontrar também minha própria mensagem.
Há algumas semanas, folheando um livro do Amyr Klink que me chegara às mãos, deparei-me com uma passagem em que ele conta ter lançado ao mar, no Atlântico Norte, um vidro de Nescafé com um bilhete e uma pedrinha colhida na Antártida. Amyr tinha na cabeça que, segundo estatísticas, só uma em cada vinte mensagens jogadas assim eram recuperadas, mas apostou e recebeu uma resposta, sete meses depois, com a foto de um menino norueguês de dez anos que achara o seu vidro de Nescafé.
Na mesma noite em que li o trecho do livro, eu havia oferecido um jantar aqui em casa para uns amigos. Abrira uma garrafa de vinho que já estava há bastante tempo esperando a ocasião e alguém comentou que a garrafa era muito bonita. Guardei-a vazia, mesmo sem saber o que fazer com ela - um vaso de flores, talvez?
Às vésperas de partir para Ilha Grande, então, estava eu envolvido com o planejamento da travessia quando tudo voltou à minha memória - meu sonho de infância, a história da minha tia, a pedrinha do Amyr que foi parar na Noruega - no instante em que olhei para a garrafa vazia descansando pacientemente em cima da pia da cozinha e esperando seu destino. Não hesitei. Busquei papel e caneta, sentei-me e escrevi. Anotei, depois de consultar a carta náutica, a posição mais propícia para lançar a mensagem (na preamar, quando passássemos entre a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes). Sabia que era um pouco de pretensão querer que a mensagem chegasse longe, mas quem consegue me impedir de sonhar? Tampei a garrafa, lacrei e guardei-a cuidadosamente entre os objetos que seriam levados a bordo do Pandorga...
Então, quando chegou o momento, durante a travessia, a garrafa voou da minha mão para as águas de um mar sereno. Porque viagem alguma se completa sem que se alimente o sonho ingênuo e infantil que guardamos conosco.

Pongo estos seis versos en mi botella al mar
con el secreto designio de que algún día
llegue a una playa casi desierta
y un niño la encuentre y la destape
y en lugar de versos extraiga piedritas
y socorros y alertas y caracoles.
*

* Citações do uruguaio Mario Benedetti.

4 comentários:

CARLA STOPA disse...

Palavras ao mar...Solidão...Até tornar-se, um dia, ritual de encantamento...Grande abraço...Adorei isso.Me emocionou.

Thaís Butterfly εїз disse...

Coisas de Eduardo Trindade.. :) Ainda faço isso um dia.

Anônimo disse...

Um dia faço isso, com toda certeza. E minha alegria será grande se acaso encontrar algo assim, uma mensagem perdida no oceano.

Até!

Mariany Carvalho
www.badu-laques.blogspot.com

Renata Teixeira disse...

Como ousa jogar lixo na casa dos outros? Como pode jogar lixo na casa dos peixes, das baleias, das tartarugas e de outros bichinhos que merecem viver em lugar limpo? Menos um ponto para você e menos um ponto para o Amyr. Ainda bem que o gurizinho norueguês limpou a bagunça do velejador - que de certa forma nos levou às Ilhas Faroé. Sou fã dos seus posts, na verdade de todos os seus escritos (posts, poemas, artigos, dissertação e lista de compras!!!) e este post é muito lindo, mas sou contra o fato da garrafa sair da imaginação e ir sujar o mar, ir sujar a casa dos outros. :-D