sábado, 26 de fevereiro de 2011

Enfim, a Ilha Grande











___ trilha por terra (Palmas - Lopes Mendes - Palmas)
___ trajeto marítimo (Palmas - Abraão)





Desembarcar em terra, depois de tantas horas no barco (tinham sido duas noites a bordo e mais um dia de travessia), é no mínimo emocionante. No meu caso, assim que o dia amanheceu, pulei na água e literalmente nadei até meus pés encontrarem a areia da praia. A vontade era de gritar pela chegada ao destino e pelo dever cumprido de ter trazido o Pandorga em segurança. Contentei-me com uma primeira caminhada. Em seguida, uma ducha de água doce que havia ali perto. Logo desembarcou também o Arthur.
Estávamos na Praia Grande de Palmas, aproximadamente a meio caminho entre a Vila do Abraão (o "centro" da ilha) e a famosa Praia de Lopes Mendes. Sabendo que bastava uma caminhada através de uma trilha na mata para chegar a esta última, que eu não conhecia, resolvi ir até lá. São cerca de 40 min leves e bastante agradáveis. Volta e meia, descobre-se uma vista exuberante entre o mato. O tempo todo se cruza com turistas, muitos deles estrangeiros - esta é provavelmente a trilha mais movimentada da ilha. E Lopes Mendes. A praia é, sim, muito bonita. Mas... ouso dizer que não tão mais bonita que outras da ilha. E com a desvantagem de ser relativamente cheia: a quantidade de gente tomando sol na areia, jogando frescobol, surfando, faz lembrar mais uma concorrida praia do continente que um isolado recanto de uma ilha cuja principal virtude, na minha opinião, é ser ainda pouco explorada. Em outras palavras: pode ser uma praia bonita, mas não é por causa dela que eu faria toda essa travessia... Olhei, explorei, tirei fotos e retornei. No caminho, ainda conversei bastante com quem fazia a trilha comigo: um dos muitos cachorros da ilha e um grupo de curitibanos que estavam lá de visita.
De volta à Enseada de Palmas, embarcamos rumo à próxima parada: Abraão. Este é o único lugar em toda a ilha que se parece com uma cidade, isto é, tem ruas, restaurantes, comércio variado e bastante gente circulando. Pelo mesmo motivo de Lopes Mendes, o Abraão sozinho não é o lugar que faz uma ida a Ilha Grande valer a pena. Mas, para quem pretendia, como nós, ficar todos estes dias explorando a baía e suas praias e enseadas, é o lugar perfeito para ter um descanso, almoçar num restaurante médio, provar um açaí e reabastecer o barco com comida, água e gelo.
O dia não passou sem um inconveniente: percebi que um dos dois lemes do Pandorga estava com uma folga maior do que seria normal, fui verificar e descobri que um parafuso havia saído da posição. Pior: o parafuso estava retorcido de tal maneira que eu não conseguia recolocá-lo no lugar nem retirá-lo completamente. A solução, pensei comigo, seria limar o parafuso para conseguir retirá-lo e substituí-lo por outro. Daria um pouco de trabalho, mas não seria nada de mais. Porém, apesar de ter uma caixa de ferramentas relativamente completa, eu havia esquecido de trazer uma lima! Paciência, pensei comigo. Melhor não se preocupar com isso àquela altura (já anoitecia). No dia seguinte, eu acordaria cedo, desembarcaria, procuraria uma ferragem e, munido de lima e parafusos, faria o conserto. Ninguém disse que nossa aventura seria fácil ou que estaria livre de imprevistos! Mesmo assim, continuava a valer a pena.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Mensagem na garrafa

El mar es un azar
¡Qué tentación echar una botella al mar!
*

Era um desejo de infância. Quando pequeno, nas praias que eu frequentava, sonhava em topar com uma garrafa trazida pelas ondas até a areia, uma garrafa que traria mensagens de terras longínquas. Lembro de ouvir contar que minha tia, certa vez, encontrou uma garrafa com uma mensagem de alguém que estudava correntes marítimas. Esta história me fascinava. Sobretudo, fazia com que eu imaginasse encontrar também minha própria mensagem.
Há algumas semanas, folheando um livro do Amyr Klink que me chegara às mãos, deparei-me com uma passagem em que ele conta ter lançado ao mar, no Atlântico Norte, um vidro de Nescafé com um bilhete e uma pedrinha colhida na Antártida. Amyr tinha na cabeça que, segundo estatísticas, só uma em cada vinte mensagens jogadas assim eram recuperadas, mas apostou e recebeu uma resposta, sete meses depois, com a foto de um menino norueguês de dez anos que achara o seu vidro de Nescafé.
Na mesma noite em que li o trecho do livro, eu havia oferecido um jantar aqui em casa para uns amigos. Abrira uma garrafa de vinho que já estava há bastante tempo esperando a ocasião e alguém comentou que a garrafa era muito bonita. Guardei-a vazia, mesmo sem saber o que fazer com ela - um vaso de flores, talvez?
Às vésperas de partir para Ilha Grande, então, estava eu envolvido com o planejamento da travessia quando tudo voltou à minha memória - meu sonho de infância, a história da minha tia, a pedrinha do Amyr que foi parar na Noruega - no instante em que olhei para a garrafa vazia descansando pacientemente em cima da pia da cozinha e esperando seu destino. Não hesitei. Busquei papel e caneta, sentei-me e escrevi. Anotei, depois de consultar a carta náutica, a posição mais propícia para lançar a mensagem (na preamar, quando passássemos entre a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes). Sabia que era um pouco de pretensão querer que a mensagem chegasse longe, mas quem consegue me impedir de sonhar? Tampei a garrafa, lacrei e guardei-a cuidadosamente entre os objetos que seriam levados a bordo do Pandorga...
Então, quando chegou o momento, durante a travessia, a garrafa voou da minha mão para as águas de um mar sereno. Porque viagem alguma se completa sem que se alimente o sonho ingênuo e infantil que guardamos conosco.

Pongo estos seis versos en mi botella al mar
con el secreto designio de que algún día
llegue a una playa casi desierta
y un niño la encuentre y la destape
y en lugar de versos extraiga piedritas
y socorros y alertas y caracoles.
*

* Citações do uruguaio Mario Benedetti.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Todos os ventos que sopram


Para que eu não pare nesta existência
Tão mal cumprida tão mais comprida
Do que a restinga de Marambaia!...

Manuel Bandeira






Sem falsa modéstia, tenho plena consicência de que poucas pessoas terão uma oportunidade na vida para fazer aventura como a que nos propomos. O plano era sair do Rio de Janeiro ainda de madrugada, eu e meu amigo Arthur, e fazer a travessia marítima até a Ilha Grande no Pandorga, um veleiro de 20 pés, chegando lá perto do entardecer. Ficaríamos por alguns dias e depois retornaríamos. Para tanto, passei as semanas anteriores em preparativos - revisões, estudo da rota, previsões de tempo, provisão de alimentos, bebidas e materiais diversos. Na tarde anterior, embarcamos - dormiríamos a última noite já no barco.
A ansiedade era grande. Vontade foi de partir antes mesmo da hora planejada. Mas procurei dormir, sabendo que umas horas de descanso prévio poderiam ser valiosas mais tarde.
Partimos, pois, no dia 16. Assistimos de camarote ao nascer do sol no mar, um belo espetáculo. Aos poucos o vento foi nos fazendo companhia, um gentil vento de popa que nos permitiu subir a vela-balão - o Pandorga tem uma bela vela-balão farroupilha, nas cores verde, vermelho e amarelo.
Dali para a frente, as praias cariocas iam se descortinando à nossa direita - ou seja, a boreste, já que estamos falando de coisas do mar. Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon, São Conrado já haviam ficado para trás. Vem a Barra da Tijuca, vem o Recreio dos Bandeirantes, as praias vão ficando maiores e custam mais a passar. Guaratiba. E então a Restinga Marambaia, mais de 40 km de uma faixa de terra baixa e estreita, tão baixa e estreita que mal se vê do mar. O curioso é uma árvore solitária plantada ali: à distância, com a faixa da Restinga praticamente invisível, o que se enxerga é a árvore como se ela estivesse em pleno mar. Dizem que serve de aviso aos navegantes: há histórias de incautos que, à noite ou sob neblina, aproximavam-se perigosamente de terra e foram salvos pela visão da árvore, legítimo farol natural (que obviamente não aparece na carta náutica).
Da metade para o final da Restinga, o vento começou a apertar. Hora de ficar atento, fazer força e mostrar agilidade nas manobras. Para quem já estava há horas no mar e recém começava a enxergar, ao longe, a Ilha Grande, era um teste de resistência. Brincamos: "Rizar as velas é para os fracos!", ouve-se a bordo, em referência à manobra de diminuir (rizar) a área vélica quando o vento passa da conta. Sanduíches, bolachas, chá gelado, suco e muita água - tudo vale para fornecer energia contra o cansaço. E paciência. Quando pensamos que, ao menos, o vento forte nos empurrará logo para o destino, ele resolve serenar. Praticamente some, obriga-nos a ligar o motor. O sol já está se pondo quando entramos na baía da Ilha Grande. A travessia vai levar mais tempo que o previsto. Mas paciência é virtude de velejadores. Nosso pouso será a Enseada das Palmas. A Ilha já está perto. Sente-se cheiro de terra, cheiro de mato! Os corações se ouriçam, a expectativa cresce em meio ao cansaço. Entramos na enseada. Em meio à escuridão, dois pontos luminosos lá adiante nos guiam para a praia em frente à qual fundearemos. Pronto, chegamos! Solto a âncora. O Pandorga se comportou bem, assim como nossa fibra de marinheiros. Estou aliviado. À noite, parece que temos aquela praia inteira para nós, mas o que interessa agora é verificar se a âncora está bem presa, terminar de baixar a vela, organizar as coisas na cabine e dormir. O sono virá fácil, afinal precisamos dele para chegarmos descansados ao dia seguinte. Ilha Grande nos espera.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Tempo de se lançar ao mar


Mais uma vez de férias, mais uma vez às voltas com planos de viagem. Com a novidade de que, agora, a viagem será inédita como nunca: inédita não pelo destino mas pelo meio. Em outras palavras, vamos velejando do Rio de Janeiro até Ilha Grande.
A perspectiva de fazer esta travessia por via marítima (e usando a força do vento), mais a perspectiva de, chegando lá, dormir no barco, dá um frio na barriga, uma certa ansiedade e, principalmente, uma sensação de contato com a natureza que não sei se já experimentei antes.
Como não poderia deixar de ser, as cartas de tantas léguas se transformarão em cartas de milhas náuticas e eu procurarei publicar aqui a crônica da viagem. Não sei como será a conexão lá, então é possível que eu não atualize o blogue com a frequência que eu gostaria. Mas tratarei de enviar notícias, se não por aqui, pelo menos através do Twitter, no espaço telegráfico que ele permite.
E vamos ao mar, enfim, que, como se sabe, "viver não é preciso"!