terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Você sabe dar nó em gravata?

Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
(Poema da Gare de Astapovo, Mario Quintana)
Rodoviária do Rio de Janeiro. Aquele universo confuso de gente de todos os tipos indo para todos os lugares. Uma sexta-feira à noite. Olhares cansados, distraídos, ansiosos, esperando o fim de semana, a volta para casa, a visita à família. Um gichê e uma fila para comprar passagens. Um banco de madeira a um canto da estação, o meu vagar distraído.
Sentado no banco, um senhor de certa idade tem os olhos fixos na minha direção e acena repetidas vezes.
A princípio, não presto atenção. O senhor, acomodado no banco e vestindo paletó, continua acenando, cada vez com mais insistência. Olho para os lados. Ninguém parece reparar. Encaro o senhor, ele me olha fixamente e balança a cabeça. Levo a mão ao peito, como se dissesse "quem, eu?", e ele se agita, responde silenciosamente com a cabeça "sim, sim!" Resolvo me aproximar.
— Você sabe dar nó em gravata? — pergunta, esperançoso, o senhor. E continua a explicar: ele vai a São Paulo, precisa da gravata, está disposto a passar a noite toda engravatado dentro do ônibus para já chegar arrumado ao seu destino, tendo em vista que não sabe dar nó em gravata.
— Olha, faz bastante tempo que não dou um nó em gravata... — esclareço, surpreso e comedido, lembrando ainda que todos os nós que dei foram em mim mesmo, com a gravata no pescoço e em frente ao espelho, e que ajustá-la no pescoço de outra pessoa pode ser mais difícil do que parece. Mas, nisto, o senhor já tirara do bolso, meio amarrotada, uma gravata em tom amarelo-pastel, e me suplicava para ajudá-lo. Tomo a gravata nas mãos e peço licença para, primeiro, ajeitá-la em mim, é a forma que tenho de relembrar como se faz aquela tarefa um tanto distante da minha rotina. Gravata no pescoço, erro o nó, erro a altura, depois finalmente acerto. Desfaço o nó, e não sei por que minhas mãos tremem quando passam a gravata pelo pescoço do homem. Aquele senhor tão mais velho que eu, encolhido no banco, de repente tem um ar de criança indefesa. E eu não sei lidar com crianças. Cabeça baixa, retraído, talvez envergonhado, o senhorzinho dificulta a minha tarefa. Peço que ele erga o pescoço, olhe para a frente. A postura muda, ele resolve puxar assunto, pergunta meu nome, chamo-me Eduardo, é o nome do filho dele, ele não vai esquecer de mim, e por aí a conversa flui. Tento o nó algumas vezes, definitivamente estou enferrujado, mas enfim acerto. Não é o melhor nó que eu já dei numa gravata, mas está bem aceitável e não vai apertá-lo muito quando ele tentar dormir no ônibus até São Paulo.
— Ficou bom? — interrogam-me os olhos do homem, e eu respondo que ele não vai fazer feio. O senhor sorri. Como despedida, pergunta se a mulher que me acompanha é minha esposa. Digo que não, mas retribuo o sorriso. Ele deseja Feliz Natal e me recomenda a Deus, eu respondo e agradeço. Não sei mais se a postura do homem sentado no banco é de idoso ou de criança, as aparências enganam. Resisto à tentação de abraçá-lo, não sei lidar com crianças, mas sinto que valeu a pena tocar com a mão o ombro daquele menino grande que, afinal de contas, vai enfrentar sozinho uma metrópole estranha.

3 comentários:

Talita Guimarães disse...

Ei, Edu!

o que lemos aqui é mesmo um típico recorte. É o inusitado transformado em poesia. Presente feliz do cotidiano para quem aprecia a sutileza desse tipo de historinha.

E como sempre, muito bom de ler!

abraço grande,

Talita

Carla Diacov disse...

"ficou bom?"


de quase morder o monitor!


beijos te seguindo!

Renata Teixeira disse...

Que história mais linda!!
Já tinha me esquecido dela... Realmente, você não sabe lidar com crianças, mas se saiu muito bem!
Sei que nesses cinco anos essa façanha de dar nó em gravata deve ter virado rotina! Lembro de você de gravata em diversas situações e também deve ter tido tempo de treinar bastante nos casamentos dos meus primos (dando nó em gravatas para você e para os meus familiares!).
Também acho que nesses cinco anos você aperfeiçoou outra técnica - fazer amizade com senhores mundo à fora, dar carona mundo à fora... faltou dar nó em gravatas mundo à fora!!!
Bora buscar aperfeiçoamento nisso!!!