Buenos Aires é certamente uma das cidades estrangeiras mais visitadas por brasileiros. Nós mesmos já havíamos estado lá antes, assim que voltar a visitá-la, agora, foi mais um reencontro que um grande ineditismo. Não importa; o centro, San Telmo, a Recoleta, La Boca, sempre valem a pena.
O fato é que os reencontros permitem que a gente repare no que havia passado despercebido na primeira ocasião. Os olhos e a mente trabalham num ritmo diferente. Num compasso de dois por quatro. Ou seja, tango.
O tango não é exclusividade argentina mas, aparentemente, nenhuma outra cidade tem tanto a cara de um tango quanto Buenos Aires. E, da mesma forma, nenhum outro estilo musical tem tanto a cara de Buenos Aires. Senão, vejamos. Um estilo multifacetado: é música, é canção, é dança. De origem humilde, mas aparência aristocrática (e capaz de unir classes sociais). É um clássico: antigo, sim, mas nunca antiquado. E suscita paixões ardentes, para o bem e para o mal.
O tango é orgulhoso. Nasceu pobre, nos arrabaldes de Buenos Aires e de Montevidéu; fez sucesso em Paris, depois em Hollywood; e hoje ostenta um olhar altivo e um figurino emblemático, do chapéu escuro aos sapatos de couro. Mas também dispensa qualquer figurino quando surge numa milonga, numa esquina ou na praça de um shopping. Como a alma argentina, que não esmorece diante de políticas fracassadas e crises econômicas e segue adiante, embalada pela arquitetura imponente dos prédios antigos (mas não antiquados) da capital portenha. Há alguns anos, em minha primeira passagem por Buenos Aires, encontrei inúmeras pechinchas de CDs nas lojas de música. A economia do país não passava por um bom momento e, como uma das consequências, todas as maiores vozes do universo latinoamericano e mundial eram oferecidas quase de graça. Todas, exceto as que cantavam tango: o ritmo nacional não entrava em promoção, ninguém rebaixava a voz de Gardel. O tango era a derradeira resistência na montanha-russa da economia argentina.
Se alguém quiser uma discussão acalorada, basta ir a Buenos Aires e sustentar, diante de um apreciador de tango, que Carlos Gardel era uruguaio. Pode ou não ser verdade e, por irrelevante que pareça, a controvérsia tenderá a ser tão acalorada quanto uma disputa entre River e Boca. Parece que, em Buenos Aires, as maiores paixões começam ou terminam em tango ou futebol.
Fomos ao Abasto, região tanguera de Buenos Aires. Lá, entre outras coisas, está o Museo Casa Carlos Gardel, onde viveu o célebre cantor. É um espaço relativamente pequeno, simples, mas que vale a visita. Gardel personificou o tango e sua trajetória foi espetacular, do nascimento misterioso à morte trágica. O tango nem sempre é fácil (ao contrário do que Al Pacino nos quis fazer acreditar) e pode ser brilhante, mas também triste. Como um quê de Buenos Aires.