Talvez se possa dizer que os países árabes, de forma geral, são os que mais são vistos com preconceito no Brasil. Claro que isso tem uma série de motivos, como a relativa distância (física e cultural) desses países, uma deficiência da nossa educação, uma imprensa parcial e (por que não) uma certa preguiça de aprender sobre outras culturas antes de repetir ideias fáceis sobre elas. Uma pena, eu acho... Mas não é minha intenção aqui discutir esses motivos.
O fato é que viajar - e viajar de mente aberta - costuma ser dos melhores antídotos contra preconceitos assim.
É verdade que, nos Emirados (e suponho que na maioria do mundo árabe), aspectos culturais e religiosos se entrelaçam, e nem sempre é fácil distinguir o que é um hábito cultural do que é um preceito islâmico. Apesar disso, eu suponho que, em muitos casos, a questão cultural seja mais forte que a religiosa - exatamente como acontece no Brasil e em outras partes do mundo, onde mesmo quem não é cristão fervoroso, muitas vezes, procura casar na igreja, comemorar o Natal, fazer o sinal da cruz antes de uma cobrança de pênalti ou uma decolagem de avião...
Algumas descobertas. A burca, aquele tecido que cobre completamente o corpo feminino, tristemente famoso no Ocidente por culpa do regime talibã, é a menos comum das vestimentas associadas ao Islamismo. E particularmente nos Emirados Árabes, um país repleto de estrangeiros, é extremamente comum que as mulheres usem simplesmente roupas ocidentais ou ocidentalizadas. À parte isso, o que se vê bastante é o hijab, véu na maioria das vezes preto que cobre os cabelos e é usado juntamente com uma abaya - vestido longo tradicional. Nesse ponto, sei de gente que fala ou falaria coisas como: as muçulmanas não podem sequer mostrar os cabelos! elas são obrigadas a esconder o corpo debaixo daqueles panos pretos! e por aí afora. Bem, eu normalmente tento ao máximo entender qualquer questão cultural antes de criticá-la, e cheguei a algumas conclusões que repito com convicção. Uma, que (ressalvados exageros como os de alguns extremistas) elas não são obrigadas a nada, ou pelo menos não sofrem nenhum constrangimento muito diferente das mulheres no Ocidente - que, se pensarmos um pouco, não podem mostrar o peito da mesma forma que os homens fazem, e são levadas a atitudes "estranhas" como raspar as axilas ou mutilar o corpo, perfurando as orelhas desde a tenra idade para então enfiar nelas pedaços de metal - brincos. É tudo escolhas culturais. Outra conclusão, em geral as mulheres árabes realmente apreciam o que vestem, tanto é que muitos dos trajes típicos são lindos e ricamente elaborados. Elas ostentam uma abaya com o mesmo orgulho que uma ocidental usaria um brinco ou um vestido; exibem um hijab como no Brasil se exibiria um corte de cabelo. Mais ainda, sentiriam-se humilhadas e tolhidas na sua liberdade não pela suposta "obrigação" de usar determinado traje, mas sim se as proibissem disso, da mesma forma que seria vexamoso a uma ocidental se lhe arrancassem parte da roupa.
Mas nem só de teoria sociológica é feita nossa viagem. A verdade é que ficamos fascinados pelas roupas árabes que víamos expostas nas lojas e nos mercados. Num desses, em Dubai, o vendedor acabou vestindo eu e a Renata dos pés à cabeça, explicando como colocar cada peça. Não compramos as roupas; por mais persuasivo que fosse o vendedor, e ele era bastante, não estávamos dispostos a pagar tanto por algo que não voltaríamos a usar. Mas compramos um hijab (véu) para ela e uma ghutra (turbante) para mim, que acabamos usando um pouco durante o restante da viagem. Como estávamos longe de ser especialistas nessas peças, cuja colocação é mais intrincada do que aparenta ser (e que varia de acordo com preferências pessoais, regionais e de moda), baseávamos-nos nas indicações do vendedor, em vídeos do Youtube e em algum improviso.
Pois bem, poucos dias depois de ter comprado a ghutra, estava eu usando-a quando passa por mim um Porsche 911, diminui a velocidade e faz um sinal positivo, apontando para a minha cabeça. A interpretação lógica é a da aprovação de um nativo a um estrangeiro que, de alguma forma, parece demonstrar apreço pela cultura local. Sigo com mais segurança.
Mais alguns dias, estamos noutro lugar e eu novamente com a ghutra na cabeça. Sou abordado e me perguntam, apontando para minha cabeça: quem fez isso? Respondo que eu mesmo. Meu interlocutor é rápido e solícito: vem cá, vou arrumar para ti! Com prática, desfaz minha obra e refaz a colocação do lenço, dizendo ao final que agora sim está da forma como fazem no país... Agradeço e assumo minha ignorância da moda árabe, enquanto a Renata, que há dias reparava na minha incapacidade de acertar a forma correta de colocar um pano sobre a cabeça, não contém a risada...