quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Mongólia

O território da Mongólia histórica é dividido hoje entre a Mongólia Exterior (República da Mongólia), independente, e a Mongólia Interior, uma província autônoma da China. Embora a noção que a maioria de nós tem da Mongólia seja a do país independente, ambos os lados da fronteira compartilham muito da cultura e dos traços étnicos - mal comparando, assim como a cultura gaúcha se estende pelos pampas de Brasil, Uruguai e Argentina.
A língua mongol é falada nas duas Mongólias, embora seja minoria nas cidades do lado chinês. Curiosamente, no país do norte, por influência soviética, ela é escrita com o alfabeto cirílico, mas manteve o alfabeto mongol tradicional na parte chinesa. E só esse incrível alfabeto já é uma atração à parte.
Mas a atração maior é mesmo os campos, o "pampa mongol" onde se encontram famílias vivendo de acordo com os mesmos costumes há milhares de anos (verdade que algumas modernidades foram introduzidas, como motos e caminhões, mas outros aspectos, como o "banheiro natural", continuam surpreendentemente comuns).
Na Mongólia Interior, visitamos um acampamento mongol na região de Hutenxile. A paisagem do lugar é fascinante, mas creio que ainda mais fascinante é o contato com a gente simples que vive lá. Verdade que ficamos num acampamento para turistas (visitado principalmente por chineses, creio que éramos os únicos estrangeiros). Mas a cultura mongol está por toda parte. Somos recebidos, segundo a tradição, por braços que estendem lenços coloridos em sinal de boas-vindas. Oferecem-nos a aguardente local, que é indelicado recusar, e mais indelicado ainda deixar de fazer a pequena cerimônia: colocar o dedo anular na bebida e em seguida agitá-lo, oferecendo as primeiras gotas para divindades do céu, para divindades da terra e para os ancestrais - nessa ordem. Vemos alguns aobao - pilhas de pedras simbólicas do espiritualismo mongol - e adicionamos algumas pedras a eles.
Andamos a cavalo, num passeio pelo campo. O cavalo mongol é provavelmente o orgulho maior desse povo e, treinado à maneira deles, ignora solenemente nossos comandos ocidentais.
Somos levados, pela senhora que nos acompanhou no passeio a cavalo, ao interior da sua casa e recebidos dentro de seu próprio quarto. Comunicamo-nos por mímicas e olhares. Ela nos oferece pedaços de melancia. Aceitamos agradecidos mas, no quarto dela, não sabemos o que fazer com as sementes... É definitivamente insondável a etiqueta das refeições nesse lado do mundo. Na dúvida, engolimos as sementes de melancia, imaginando que esse pode ser um gesto natural mongol - ou que a senhora deve achar incrivelmente estranhos esses ocidentais que comem sementes. Depois, é-nos oferecida uma bebida misteriosa que acaba por ser simplesmente leite (de égua?) com chá.
Ao mesmo tempo em que vivenciamos tudo isso, somos também atração: alguns mongóis e chineses pedem para tirar fotos ao nosso lado; sorrimos e posamos para as câmeras, pedindo apenas fotos com eles em troca. De repente, pedem para ver nosso dinheiro, e em pouco tempo causamos um alvoroço: nossas notas de reais são cobiçadas e disputadas ansiosamente pelos mongóis.
À noite, somos avisados de que haverá uma festa com dança em volta da fogueira. Fico esperando uma apresentação folclórica mas, em vez disso, organizam uma mini-boate ao ar livre, com luzes e música bate-estaca, sob o olhar desconfiado do retrato gigante de Gêngis Khan a um canto. O inusitado chega ao máximo quando, entre as músicas, começam a tocar um funk carioca: "Ui! Adoro quando ela sobe e desce!..." Encolhemo-nos, torcendo para que, em vez de uma homenagem aos visitantes brasileiros, seja apenas uma coincidência e que eles não tenham ideia do que significa aquela letra.
Mas, afinal, a festa não dura muito, e somos liberados para uma noite de sono única numa tenda sob o céu estrelado dos campos mongóis. Noite que parece pequena para assimilar as sensações de um dia como aquele.

por Eduardo Trindade

3 comentários:

Cecília Sousa disse...

Mais inusitado que funk carioca na Mongolia não há! Que aventura interessante!

Eduardo Trindade disse...

Definitivamente, é das últimas coisas que eu esperaria! mas viajar é se surpreender, sempre...

Renata Teixeira disse...

Os banheiros em estilo turco já me causam pavor, então nem fale dos banheiros naturais, que pânico!
A cultura mongol é muito interessante, o Dalai Lama é um ser estranho na opinião deles, mas o Gêngis Khan é alguém idolatrado. Muito interessante!
A parte mais complicada da viagem, no meu sentimento, foi a alimentação. Definitivamente a China e a Mongólia Interior não é lugar para vegetarianos.