segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Na minha língua ou na tua?

Comprei um guia de conversação da língua croata. Sabendo que meu tempo e minha dedicação seriam limitados para aprender de verdade esta língua (na vida é preciso fazer escolhas, afinal, e o croata não está entre minhas prioridades, apesar do interesse pela Croácia), optei por este guia rápido, um livrinho do Lonely Planet.
Como era de se esperar, o livrinho tem muito pouco de gramática e de “como funciona” a língua, mas em compensação tem uma lista incrivelmente completa de frases feitas. Começa com o básico — oi, bom dia, por favor, obrigado, a sequência dos numerais — e avança, dividido por capítulos, despejando frases úteis em todo tipo de situação. No restaurante: o nome de comidas e utensílios, como escolher o prato, como pedir a conta. No hotel: como perguntar por um quarto. Ao ar livre: palavras relacionadas à praia e até termos náuticos. Praticando esportes: os mais diversos (se eu precisar me referir a uma raquete de tênis, por exemplo, basta dizer reket). Em relações sociais: como se apresentar, agradecer, convidar para um jantar ou para sair à noite...
E aí a coisa vai esquentando. Há um capítulo sobre... sexo. Quando eu disse que o guia é completo, é porque é mesmo completo. Imaginem, por exemplo, que se é virgem, vai-se à Croácia, lá se conhece um/uma croata, surge certa intimidade, vão para a cama... Nesta hora, pode-se querer dizer “é a minha primeira vez”, e então, caprichando no sotaque, basta pronunciar: Ovo mi je prvi put. Muito prático, não? E não precisamos parar por aí: se a temperatura subir de verdade, pode-se começar a repetir O bože!, que (segundo o guia) é o equivalente croata de Oh my God!, clássico dos casais de filmes estadunidenses. Brže, mais rápido. Sporije, mais devagar. Dodirni me tu, toque-me assim. Quem aí já pensou em ter um orgasmo em croata?
Exageros à parte, considero que boa parte do encanto de uma viagem a outro país está em mergulhar na sua língua. Claro que nem sempre é possível ter fluência para grandes conversas. Mas, quanto mais eu souber da língua, mais estarei aprofundando minha experiência — ouvindo histórias, pescando notícias nos jornais, descobrindo o que se vende nos restaurantes e supermercados. Sem contar que há sutilezas da própria língua que dizem muito sobre a cultura local. Os países hispânicos fazem piada sobre galegos como nós brasileiros fazemos sobre os portugueses. Os chineses não têm uma palavra que signifique “sim”. Para os franceses, oitenta se diz “quatro vintes”, como quem tenha aprendido a contar não só com os dedos das mãos, mas dos pés também. Os ingleses não atribuem gênero aos objetos, o que, se pararmos para pensar, é uma diferença marcante com relação à nossa língua, em que tudo é ou masculino ou feminino. E nós temos a palavra saudade, herdada, dizem, da tradição marítima portuguesa, e ausente em boa parte das outras línguas.
Quanto mais fundo se mergulha nestas particularidades, mais marcante se torna a viagem. Muito do fascínio da minha passagem por Portugal se deveu a isso: a língua é familiar e permite todo tipo de conversa ao mesmo tempo em que as diferenças (de sotaque, de vocabulário e mesmo de construção gramatical) são marcantes o suficiente para colorir tudo com um toque deliciosamente exótico. O que me deixa, em bom português, cheio de saudades.
Ou nostalgija, como diria, numa tradução aproximada, meu guia de croata — que também ensina algumas possibilidades para o caso de aquela história ir realmente longe demais: ja mislim da sam trudna (acho que estou grávida) e da li hoćeš udati se za mene (casa comigo)...

6 comentários:

Manoel Dilson Lira disse...

Excelente texto! Muitas dessas comparações lingüísticas já foram objeto de discussão na volta do almoço.

Lívia Inácio disse...

Quanta coisa interessante,moço!

Larissa Campos disse...

Portugal é um mar de aprendizado, mesmo com todas as piadinhas e o preconceito, são um povo muito acolhedor, basta tomarem liberdade. E mesmo a língua sendo parecida, certas palavras tem significados totalmente diferentes. E acho legal de tua parte, mesmo sem tempo querer aprender algo tão inusitado.
Abraços.

CARLA STOPA disse...

Belo espaço...

Renata Teixeira disse...

Acredito que o mais necessário na sua viagem foi a pronúncia perfeita para pedir uma raquete de tênis, já pensou como poderia ter sido sua viagem sem uma raquete de tênis? Melhor nem pensar!
A Croácia deve ser um país muito lindo mesmo, afinal, eles têm os Dálmatas! Muito fofos, bem humorados e elegantes! Vi recentemente as fotos de uma amiga coreana que visitou a Croácia nesse verão. Ela visitou um parque muito lindo que eu já tinha visto fotos suas, porém, no inverno. Inveja desses países que tem 4 estações! A percepção da passagem do tempo deve ser muito interessante!
Bom, espero de todo coração que a parte do sexo não tenha sido útil por lá... :/

Juan Sebastian Ruiz Acero disse...

Nostalgija??? bem próximo do espanhol!!! Como falei num outro post, a palavra saudade é uma das minhas favoritas do português. Mesmo existindo no espanhol a palavra "nostalgia", ela não contem tudo o significado que pode ter um simples saudade o qual para mim, esta carregado de mais sentimentos.