quarta-feira, 4 de abril de 2018

Tão perto e tão longe: a fronteira entre as duas Coreias

A península da Coreia é cheia de contradições, e talvez a maior delas seja exatamente a fronteira que a divide ao meio.
Monumento à Reunificação da Coreia
Quando a Guerra da Coreia terminou, com a assinatura de um cessar-fogo em 1953, a península ficou dividida por uma faixa de quatro quilômetros de largura nas proximidades do paralelo 38. Na tentativa de evitar futuros conflitos, acordou-se que armas não seriam permitidas nessa região, que passou a ser chamada de Zona Desmilitarizada.
A questão é que o entorno dessa região pode ser qualquer coisa, menos desmilitarizado. Nunca estive num lugar que exalasse tanta tensão, medo e guerra. Ao mesmo tempo, há ali um silêncio, uma calma, uma natureza surreal. Bicho estranho é o ser humano.
Apesar da atmosfera gritantemente bélica, visitas à Zona Desmilitarizada de alguma forma se tornaram passeios turísticos acessíveis dos dois lados da fronteira. De quebra, cada lado aproveita para contar sua versão da história - uma radicalmente diferente da outra. Tentar conhecer ambos os lados e encontrar um meio termo é um exercício bastante esclarecedor. Por exemplo: os números variam, mas é quase certo que o contingente militar dos Estados Unidos na Guerra foi maior do que o das forças tanto norte- quanto sul-coreanas. Ou seja, fica claro que não se tratava simplesmente de uma briga entre os coreanos dos dois lados. Ainda hoje, a propósito, os Estados Unidos mantém uma força nada desprezível na Coreia do Sul. O que faz pensar que o negócio da guerra (e do medo) deve ser bastante lucrativo para eles (tivemos contato com um desses soldados estadunidenses na Coreia do Sul, que aliás nos passou a perna, induzindo-nos a pagar por uma corrida de táxi que deveria ter sido dividida).
Bem, nós visitamos a Zona Desmilitarizada pelo norte, saindo de Pyongyang. Na estrada que leva à fronteira fica o Monumento à Reunificação da Coreia. Por mais que a questão da unificação seja explorada de forma política por todos os envolvidos e intrometidos, o monumento em si é muito bonito, assim como a causa por trás dele. Afinal, embora nenhuma união se faça facilmente, como sabem todos os casais, é confortante que alguém pense em reunificação enquanto tanta gente no mundo pensa em separatismo.
À medida que a estrada (chamada Estrada da Reunificação, que tem placas marcando a distância até Seul) se aproxima da fronteira, começam a surgir postos de controle militar. Chegando ao limite da Zona Desmilitarizada, o clima é de um quartel em prontidão. Um militar norte-coreano sobe na van onde estamos eu, a Renata, as duas guias norte-coreanas e o motorista. Não consigo achar agradável esse clima, e a apreensão disputa espaço com o fascínio por estar nesse lugar exclusivo.
Interior da Zona Desmilitarizada
A van segue por uma pista estreita entre fortes muros e barreiras antitanques até o interior da Zona Desmilitarizada - vamos em direção ao local onde foram feitas as negociações de paz durante a Guerra e que é, hoje, o único ponto onde as Coreias do Norte e do Sul "se tocam" de fato - ou quase isso. No caminho, o soldado começa a falar sobre a Zona Desmilitarizada, contar histórias e conversar. Vamos facilmente nos afeiçoando a ele - por baixo da solenidade do uniforme há com certeza uma rapaz simples, de sorriso largo e cheio de curiosidade sobre o mundo exterior. Ao chegar, ele nos apresenta o local onde foi assinado o armistício e que é hoje um museu no lado norte-coreano. 
"You are not machines (...), you have the love of
humanity in your hearts." (The Great Ditactor, Chaplin)
Logo adiante está a fronteira propriamente dita, marcada por uma linha de tijolos na metade da Zona Desmilitarizada. Há alguns barracões colocados precisamente sobre esta linha. Do lado de cá, soldados norte-coreanos montam guarda; do lado de lá, soldados estadunidenses e sul-coreanos montam guarda. Do lado de cá, um prédio norte-coreano virado para o sul; do lado de lá, um prédio sul-coreano virado para o norte. Tudo em simetria.
Ainda iríamos andar por uns bons minutos, até um posto de observação no alto de uma colina a alguns quilômetros dali. Desse posto, com a ajuda de binóculos, avista-se o muro, construído no lado sul, que ajuda a separar a península. A Estrada da Reunificação obviamente não atravessa a fronteira. O ser humano é um bicho estranho.
No final, o militar sorridente que nos acompanhou se ofereceu para tirar fotos conosco. Abraçamo-nos. Naquele lugar carregado, parece que de alguma forma o uniforme não pesava mais. Aquele olhar e aquele sorriso me impressionaram mais que os muros e as cercas. Ah, o ser humano.

Um comentário:

Renata Teixeira disse...

É estranho ter uma fronteira entre povos tão iguais (língua, comida, arquitetura, costumes...), separados por regimes econômicos. Meu sentimento foi muito parecido com o seu. A princípio fiquei muito apreensiva com aqueles uniformes militares, depois aquele jovem de sorriso largo e coração grande foi transmitindo paz, a mesma paz que toda aquela natureza pura transmitia. Quantas árvores, quantos pássaros, quanto barulhinho bom de mata! Quando ele se ofereceu para tirar foto conosco não me aguentei! Quanta fofura!!! O segundo militar que nos guiou também foi muito tranquilo, muito atencioso. Fico muito feliz cada vez que aparece uma nova notícia de aumento das relações entre as Coreias (entrarem juntas como um país nos Jogos Olímpicos, jogarem como um único time em alguns dos jogos, a visita do governante do Sul ao governante do Norte, a visita de artistas do k-pop ao Norte). Não consigo acreditar que serão novamente um único país, mas como são um único povo, torço muito para que se entendam e ampliem seus comércios e suas relações. Paz e prosperidade a esse povo tão fofo!