O México é o lugar da comida callejera - comida de rua - por excelência, tanto que o tema mereceria não só uma crônica, mas talvez um livro inteiro. Logo ao chegar ao país já é impossível não reparar na oferta de comida nas calçadas, em bancas, carrinhos e tabuleiros que ficam rodeados de gente e exalam cheiros pungentes. Quem sai à rua, no México, é imediatamente inundado por uma mistura de odores característica. O primeiro, onipresente, é o cheiro do milho, muitas vezes somado ao cheiro do óleo de fritura. Em seguida, identifica-se o cheiro de pimenta. Ou melhor, das pimentas, pois elas são muitas: jalapeño, chipotle, chile poblano, chile serrano - em variados tamanhos, cores e graus de picância.
Boa parte do que se come nas ruas é uma variação das
tortillas, o pão chato mexicano feito de trigo ou de milho e que pode ainda levar outros ingredientes (desde feijões até cactos) incorporados na massa. Se cortadas em pedaços pequenos e fritas, chamam-se
nachos; se recheadas e dobradas,
tacos; se elipsoidais, recheadas (muitas vezes com queijo) e dobradas, possivelmente fritas,
quesadillas; se de milho, recheadas, enroladas e cobertas de molho,
enchiladas; se de trigo, recheadas e enroladas,
burritos. E há ainda as
gorditas, as
infladitas... Confuso? Talvez, mas bastam alguns dias no México para aprender a diferenciar com mínima desenvoltura a maioria destas variantes.
Um aspecto interessante é que, ao contrário do que alguém poderia pensar, em geral essas comidas contém pouquíssimo tempero e nenhuma pimenta; a pimenta está, na verdade, nos molhos que são sempre oferecidos juntamente com o prato. Em alguns casos, as bancas de rua têm longos balcões com pelo menos três molhos de pimenta, além de cebola, feijão, queijo e abacate, para o freguês se servir e incrementar à vontade a sua tortilla.
Eis então que estvamos em Xochimilco, sul da Cidade do México, quando resolvemos atacar uma das bancas de comida de rua. Éramos ainda inexperientes nessa arte, mas as perspectivas se mostravam boas: a banca apresentava convidativas quesadillas fritas na hora. A Renata, rapidamente, escolheu uma de queijo, recusou todos os molhos e se entregou à quesadilla com sofreguidão, aprovando-a imediatamente. Eu pedi uma com carne e aceitei a oferta de molho vermelho, do qual a vendedora pôs logo uma generosa colherada, lambuzando toda a quesadilla.
Só um lapso inexplicável, só uma momentânea inatividade cerebral podem explicar eu ter aceitado o molho. Eu já sabia que a salsa roja (molho vermelho) era a mais apimentada daquelas salsas, e sabia também que os mexicanos não são exatamente parcimoniosos quando se trata de pimenta. Na primeira bocada, percebi que não ia ser fácil. Na segunda, eu estava implorando por um líquido qualquer. Na terceira, eu me municiava de guardanapo e tentava inutilmente retirar o excesso de pimenta que escorria pela quesadilla. Os olhos começaram a lacrimejar. Os lábios pegavam fogo. Eu olhava para as outras pessoas à minha volta, que deviam achar aquela quantidade de pimenta absolutamente normal, e queria agir com naturalidade, mas era impossível. A pele se desprendia do céu da boca e eu sentia que não conseguiria sequer falar direito enquanto continuava comendo, e bebendo, e me preocupando com a possibilidade de o refrigerante terminar antes da comida.
Juro que tentei não fazer feio, mas só a muito custo consegui seguir com a quesadilla. Afinal, terminei, paguei e me levantei correndo, ansioso por procurar algo que me refrescasse. Vinha à minha mente a clássica cena do personagem de desenho animado com a cabeça vermelha, fumaça saindo pelos ouvidos, procurando um tonel de água para se enfiar. Minha salvação acabou sendo um picolé: nunca um picolé foi tão bem-vindo! E a história entrou para o livro de lições aprendidas: em se tratando de pimenta mexicana, nenhum cuidado é exagerado.