Este texto é uma declaração de amor a uma cidade que eu já
odiei.
Sim, eu já detestei São Paulo. Já caminhei por suas ruas
chutando pedras, já chorei sozinho, baixinho, no meio da multidão. Nas
primeiras vezes, estive em São Paulo a trabalho. Durante um tempo, ia quase
todo mês – passava um ou dois dias na cidade em intensas reuniões onde eu, via
de regra, tinha de defender as ideias em que acreditava diante de uma audiência
hostil. Coisas da vida adulta. Isso também foi numa época em que eu
definitivamente não vivia um bom momento pessoal, tinha os nervos em frangalhos. Saía das
reuniões e não sabia onde me refugiar, caminhava a esmo pela Av. Paulista,
lamentava-me por passar sempre em frente ao MASP quando ele estava já fechado,
depois me escondia no hotel. Isso quando não ficava simplesmente preso no
trânsito.
Não sei explicar como foi que, aos poucos, superei aquele
ódio. Talvez por eu mesmo ter superado a má fase (inclusive tendo algum sucesso
nas famigeradas reuniões) ou porque, já que estar em São Paulo era inevitável,
decidi dar uma chance à cidade. O fato é que, de alguma forma, ela foi se mostrando
mais agradável. As atrações da Pauliceia não estão escancaradas; pelo
contrário, são uma galeria que se descobre por acaso, um sebo, uma padaria, um
museu, um restaurante, bem como a imponderável vantagem de uma cidade que se
orgulha de poder oferecer tudo (ou quase tudo) ao visitante, a qualquer hora.
Daí que me descobri particularmente vítima de uma paixão
desvairada por dois insuspeitos pedaços de concreto e asfalto dessa cidade.
Lugares onde, por mais improvável que pudesse parecer, acabei me sentindo em
casa.
O primeiro foi a esquina das avenidas Paulista e Consolação
e seus arredores. Percorri inúmeras vezes aquelas calçadas entre o MASP e o
finado Cine Belas Artes. Comi milho verde na rua, peguei ônibus, metrô, e até corri
por ali durante uma inesquecível São Silvestre. Passei pela Consolação a caminho de uma noite de futebol no estádio. A panorâmica da Paulista acabou virando, nos insondáveis caminhos
da memória afetiva, meu símbolo de São Paulo. E, sobretudo, eu ria da ironia
que fazia com que a estação de metrô da Paulista se chamasse Consolação e a da
Consolação, Paulista.
Depois, a Escola Politécnica da USP virou destino
frequente por causa do mestrado que acabei cursando. E meu coração se mudou do
binômio Paulista-Consolação para a Cidade Universitária, meu outro canto
favorito na Pauliceia. De tudo que eu poderia falar da USP, um ponto acima de
tudo foi que me conquistou: as pessoas. Lá fiz bons amigos. Do medo que eu
tinha, de o mestrado me deixar bitolado (afinal, eu não queria me especializar
tanto a ponto de ser um “especialista em nada”), aconteceu o contrário: pude
abrir minha mente. E isso especialmente por causa das pessoas – de lugares
diferentes, com formações, experiências e vivências diferentes.
Daí que, no final das contas, tudo se resume à fórmula de
sempre: a mágica do lugar está nos seus habitantes. Eu não costumo recomendar
São Paulo a visitantes estrangeiros, porque eles simplesmente não costumam ter
tempo para ir além do superficial. Mas também não deixo de dizer: essa São
Paulo é uma cidade fantástica para quem tem coragem de se entregar a ela.