Encontramos um restaurante pequeno (não mais que quatro ou cinco mesas), aconchegante e vazio (consequência tanto do horário quanto da época do ano). O cardápio oferecia opções que instigavam, eu já sentia água na boca e estava ansioso para provar a culinária bósnia. Concentrei-me naturalmente na página que listava as especialidades locais. Ali, havia uma opção que dizia (em inglês) doughnuts com queijo, achamos que seriam uma boa aposta para entrada ou acompanhamento. Fizemos nosso pedido incluindo os tais doughnuts, mesmo sem saber exatamente como seriam.
Quando chegou a comida, descobrimos que os doughnuts eram uma espécie de versão balcânica dos brasileiríssimos bolinhos de chuva, porém na forma de um aperitivo servido com um tipo de cream cheese. Deliciosos. Os outros pratos também estavam excelentes, assim como o clima do ambiente, mas sem dúvida os doughnuts roubaram a cena. A essa altura, já não tínhamos nas mãos o cardápio, mas ficamos tratando de fazer associações; eu não lembrava do nome bósnio daquele prato, mas sugeri que doughnut poderia ser talvez uma tradução literal. Comentamos casos engraçados em que tínhamos visto isso acontecer (um restaurante carioca que traduzia contrafilé como against-fillet...) e então saiu: "Fosse no Brasil, o nome disso seria rain cake. Aliás, little rain cake". Bolinho de chuva, little rain cake. Perfeito! Rimos um bocado, saciamo-nos, saímos de lá extasiados.
Dias depois, em Mostar, fomos a outro restaurante e lembramos de procurar little rain cakes no cardápio. Não esperávamos que estivessem com o mesmo nome de doughnuts, mas o cardápio tinha fotos dos pratos, o que facilitava nossa vida, e lá estavam eles, os little rain cakes! Em bósnio, uštipci. Pois então: garçom, uštipci! Estavam ainda melhores que os de Sarajevo, e era uma porção bastante farta (dez bolinhos para nós dois, e se tratava apenas da entrada!) com queijo até não poder mais. Foram little rain cakes antológicos (o nome já tinha pegado).
No dia seguinte, de volta a Sarajevo, tínhamos uma ideia fixa: o lugar que escolhêssemos para almoçar teria de servir little rain cakes. Um problema: havíamos, mais uma vez, esquecido o nome bósnio da iguaria. Mas não me fiz de rogado. Num lugar que anunciava algo suspeito de se parecer com os little rain cakes, eu parava e perguntava - mas eram apenas hambúrgueres. Noutro, chegamos a sentar, chamei o garçom e usei toda meu conhecimento linguístico para descrever, em bósnio, os little rain cakes e perguntar se eles tinham algo parecido. O garçom ficou um tanto em dúvida, por esse e por outros motivos (o cardápio de maneira geral não tinha nos agradado) saímos e fomos tentar a sorte noutro lugar. Caminhamos bastante, já tínhamos fome e os restaurantes pareciam se esconder de nós, até que dei de cara com uma placa em que reconheci logo a palavra mágica: uštipci! Entramos, sentamo-nos e fomos direto ao ponto. Desta vez, os bolinhos só não estavam melhores porque a porção era pequena (isto é, menor que a de Mostar). Como a oferta de queijo, neste e nos outros lugares, era sempre farta, brincamos que os bósnios calculavam mal: os bolinhos que traziam eram poucos para aquele tanto de queijo! Mas a verdade é que nos fartávamos, ainda mais quando nos lembrávamos de que, nos botecos do Brasil, não é raro servirem "porções" de apenas duas ou três unidades. O que tínhamos pela frente era little rain cakes para toda uma família! E, sendo só nós dois e só uma entrada, devorávamos todos sem dó.
A essa altura, os restaurantes bósnios devem estar sentindo falta dos gulosos brasileiros. Nós só não sentimos mais falta deles porque, bem, ontem mesmo eu fiz little rain cakes - digo, uštipci - aqui em casa. Ficaram bons, mas é verdade que precisam ser aprimorados. Não tenho muita experiência em fazer bolinhos de chuva, que dirá uštipci. Mas não chega a ser um problema: sempre é bom ter um motivo para praticar este tipo de coisa, não é mesmo?