É inevitável: pensar na Bósnia é pensar na guerra. Admito que pensei muito na guerra. Mesmo ela já tendo terminado há 17 anos, o que é bastante e é pouco.
Cheguei em Sarajevo e os olhos, com um instinto de curiosidade mórbida, começaram a procurar as marcas da guerra. Foi fácil encontrar: prédios com marcas de balas e bombas, outros em ruínas. As pessoas também têm marcas, e não preciso estar em Sarajevo para saber disso.
Mas não vou a Sarajevo por causa de guerra alguma, embora elas às vezes se interponham no caminho (os conflitos, nessa região, dão mais que chuchu). Quero saber o que mais Sarajevo tem, e a primeira coisa que descubro é que tem um povo não apenas simpático como também muito ávido para mostrar o lado alegre de seu país.
São uma simpatia e uma alegria que contagiam. Mais ou menos como quando visitamos um conhecido humilde numa cidade do interior. A Bósnia é aquele primo pobre e de bom coração que nos recebe de um jeito simples, quase ingênuo, mas que cativa mais que toda a ostentação do tio rico. Chego a Sarajevo, nevou bastante nos últimos dias e a neve atrapalha a caminhada, mas o coração se sente aquecido. As mesquitas, as cores e as lojas lembram a Turquia, mas com menos ostentação. É um ar oriental adquirido porque um dia o destino quis assim e os bósnios, humildemente, souberam fazer uma bela limonada do que era para ser um ácido limão (a invasão turca, uma das tantas guerras que ensanguentaram os Bálcãs).
Às vezes me incomoda a fumaça de um cigarro: a Bósnia é aquele primo pobre que fuma o tempo todo, mas de um jeito que dá mais pena que raiva.
A música bósnia é contagiante: soa ao mesmo tempo mais autêntica que a dos turcos e mais original que a de croatas e sérvios. Procuro-a nas rádios e na televisão, vou a uma loja e saio com um punhado de discos.
A comida bósnia segue o mesmo caminho do meio, um meio que vai além. O kebab, como na Turquia, está em toda parte; alguns dos pratos que vejo na Bósnia eu já havia provado na Croácia; outros são novidade, e sou conquistado pelos uštipci, bolinhos tão deliciosos que merecem uma crônica à parte.
Provo uma barra de chocolate bósnio: deixa muito a desejar e me dou conta de que isso era previsível, a marca do chocolate se chama Mikado. Mas fico rindo do nome da marca e termino de comer o chocolate como quem aceita por educação a xícara de café do primo humilde.
Vejo um país de montanhas nevadas que já sediou orgulhosamente uma edição dos Jogos Olímpicos (de Inverno). Que deu ao mundo dois Prêmios Nobel, o que definitivamente não é pouca coisa. Um país de rios humildes como ele mesmo, cativantes como ele mesmo. Sobretudo, de pontes para atravessar os rios. Pontes para ir ao encontro das gentes, nada poderia representar melhor a Bósnia. Um país de encontros, de gentes, de sorrisos, onde o aroma de esperança sempre soube durar mais que o de pólvora.