Não sei dizer de onde veio este nome, Sereníssima República. Não há potência do passado que seja realmente serena, tantas e tão frequentes eram (e ainda são) as guerras, escaramuças e disputas por poder. Veneza tinha a particularidade de se valer, para sua proteção, não de muralhas como as de outras cidades mas do mar. Bom, o nome não terá vindo do mar, que não é exatamente sereno: é fascinante, mas este fascínio que exerce se mescla a uma perigo latente, quase traiçoeiro, quase como o canto das sereias. O mar abraça e defende Veneza, mas também dá a ela a incômoda acqua alta.
Mais que sereníssima, Veneza é uma cidade impossível - esta a conclusão a que cheguei ao percorrer suas ruas, suas praças e sobretudo seus canais. Aquilo tudo deveria ser pouco mais que um pântano, um punhado de traiçoeiros bancos de areia, quando muito um curioso balneário. A lógica diz que não se constrói uma cidade naquelas condições. E, no entanto, lá está Veneza com seu esplendor, seus palácios, sua vida dependente do mesmo mar que, segundo a lógica, deveria impossibilitá-la.
Veneza é sobretudo bela, tão bela que a frase soa redundante. Porém, não se trata apenas disto, Veneza vai além, Veneza é única. Usa-se o seu nome como moeda de comparação ao redor do mundo: fala-se na Veneza brasileira (Recife), na Veneza portuguesa (Aveiro). Bobagem! Nada contra estes outros lugares, que também têm seus atrativos, mas Veneza não admite comparação. Ela é diferente de todo o demais e isso fica evidente ao viajante já nos seus primeiros instantes de contato com a cidade. Em Veneza como em nenhum outro lugar a vida circula através da água, sobre a água e ao longo da água. Veneza é o seu mar que, tomando a forma de canais, transfigura-se também ele em algo único. Veneza e seus canais, suas cores e sons, seu labirinto de ruas que não raro terminam (ou começam) no mar. Uma cidade que se abre para o mar é uma cidade que se abre para o mundo. Talvez sereníssima seja a alma da cidade que se sabe inigualável. Como não se apaixonar por ela?