quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Quartos de hotel

Há qualquer coisa de sobrenatural em alguns hotéis pelo mundo afora. São como antigos castelos encantados.
Deve ser o assombro do desconhecido — uma cidade estranha, um quarto estranho, a noite, que é sempre estranha, e pronto, está montado o palco que intriga nossos sentidos.
Nem falo tanto de algumas pousadas e albergues onde é comum o pessoal ficar pelos cantos até tarde. Nestes casos, pode-se ouvir muitas histórias, algumas extraordinárias, mas todas bastante humanas. Não, o que mais desperta nossa atenção são aqueles quartos absolutamente silenciosos, ou que deveriam ser silenciosos, em que algo inexplicável — um barulho, por exemplo — insiste em testar nossa curiosidade.
Um hotel em Lisboa. Um hotel qualquer, apenas suficiente para passar uma noite. Desde o começo, achei que havia algo de estranho nele, mas demorei a identificar o que era: o quarto não tinha uma única janela. Um caixote onde nos fechamos hermeticamente. Certo, não deve ser o único quarto assim, mas não deixa de ser estranho.
Outro hotel em Lisboa. Escolhido a dedo pela localização e pela praticidade. No mínimo, curioso: a recepção não fica no térreo, mas no segundo andar, e precisamos subir até lá de escada para, então, tomar o elevador que nos leva ao quarto. No quarto, pelo menos, não faltam janelas e uma bela vista para a praça. Quando chega a noite e a cidade se aquieta, minha mãe, que está comigo, ouve um ruído insistente e monótono. Um zumbido. Demoro a perceber, mas acabo também ouvindo. Noite após noite, o zumbido se repete. Elaboramos hipóteses. Ondas nas águas do Tejo, o vento uivando entre as sete colinas? Não faz sentido. Barulho de conversas vindas da rua? Definitivamente não, a essa hora não há ninguém. O som do metrô? É a hipótese mais plausível, mas custo a acreditar que do metrô poderia vir um som tão constante e com aquele timbre. Desistimos de explicar. Agora, tempos depois, minha mãe encontra não uma explicação mas uma semelhança: as vuvuzelas! Pois estas cornetas sul-africanas, este enxame gigante, parecem exatamente o que ouvíamos em Lisboa, à noite.
Mas também há hotéis que nos espantam por motivos, se não prosaicos, pelo menos bastante humanos.
Santiago do Chile. A peculiaridade é que, para chegar ao quarto, que ficava no nível do chão, era preciso subir um lance de escada e em seguida descer outro. Mas nada de ruídos sobrenaturais, o que se ouvia era um casal no quarto ao lado entretido numa atividade bem íntima e definitivamente deste mundo...
Cambará do Sul, interior do Rio Grande do Sul. O hotel é uma casa de fazenda excelente e acolhedora. Os sons que se ouve são ruídos do campo, nada mais (e, sim, o coaxar incessante de um batalhão de sapos). A suíte é enorme, os banheiros também... Sim, os banheiros: o quarto tem dois banheiros, exagero que não sei se chegarei a ver em outro lugar.

Jaipur, na Índia. Um hotel (Umaid Mahal) que espanta pelo luxo (é, literalmente, uma mansão) e ainda mais pelo baixo preço, um achado. Estou no meu quarto, já de noite, tomando banho – há um box moderno e confortável, uma ducha potente e... uma porta. O que faz esta porta dentro do box em que estou me banhando? Abro a porta e descubro que estou numa sacada com vista para a rua, na fachada do hotel! Fecho a porta discretamente e volto ao meu banho...
Londres. Não vou descrever o hotel. Mas sei que eu precisava carregar a bateria de meu celular e a única tomada compatível ficava no banheiro. Liguei, pois, o aparelho na tomada, verifiquei no visor que ele estava carregando, e fui dormir. Na manhã seguinte, espantei-me ao ver que ainda não havia completado a carga. Paciência, deixei o celular na tomada o dia inteiro. Voltei no final do dia... E ele ainda estava carregando a bateria. Nem sei mais quanto tempo levei nisso. Até que, por acaso, descobri um detalhe: a tomada só funcionava enquanto a luz do banheiro estivesse ligada. Sempre que eu apagava a luz, o celular deixava de receber carga, e só voltava exatamente quando eu acendia a luz para verificar o andamento...
Celular carregado, sigo em frente. Na verdade, a lista de curiosidades não começa nem termina aqui. Seleciono recortes ao acaso; assim como falei destes, poderia ter falado de outros. Qual viajante nunca se deparou com alguma situação inusitada na sua hospedagem? Ou melhor: qual foi a tua situação inusitada?

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Mariana


De Ouro Preto, vai-se com relativa facilidade até Mariana. São cidades vizinhas, separadas (ou unidas) por cerca de 10 km de estrada asfaltada ou, melhor ainda, de estrada de ferro. Percorri a distância de carro, mas, para quem puder se programar, o melhor talvez seja fazer o percurso no trem turístico – a partir de Ouro Preto, vai-se de manhã e retorna-se à tarde, ficando lá o tempo justo para um passeio de reconhecimento.
Esta proximidade é, a meu ver, tanto benéfica quanto levemente nociva. Torna as coisas mais fáceis, mas também acaba dando a Mariana uma aparência de simples apêndice de Ouro Preto. E aí a comparação é difícil, pois Ouro Preto é uma cidade maior, mais variada e mais imponente. Curioso, a propósito, lembrar que foi Mariana, e não Ouro Preto, a primeira capital mineira. Bem, pode ser coincidência, mas eu notei uma certa disputa entre as duas cidades e um marianense chegou a me pedir que, na próxima visita, eu me hospedasse em Mariana e não em Ouro Preto. Preocupação talvez justa, embora, de um ponto de vista isento, eu não recomende a troca.
O difícil é visitar Mariana sem ter na mente a ideia de Ouro Preto. Nenhum demérito para qualquer uma delas, acontece apenas que, mais que vizinhas, são irmãs, partilham os mesmos ares e a mesma arquitetura.
Como, então, escapar desta xifopagia e descobrir, em Mariana, as suas particularidades? Primeiro, sem dúvida, caminhando, atentando para os detalhes, entregando-se aos poucos à cidade. Verdade que, durante a visita, fui prejudicado por uma forte chuva que me pegou em plena rua e me fez abreviar o passeio. Mas mesmo isso acaba sendo uma particularidade. Afinal, as cidades, inclusive as históricas, são vivas, e a memória do lugar se mistura inevitavelmente à memória dos momentos passados lá, criando uma figura única que se diferencia de todas as demais. Nem que, no caso, seja uma figura molhada de chuva.
E Mariana também tem pelo menos uma atração que, na minha experiência, distingue-a de Ouro Preto e das demais cidades da região. Saindo do centro (fui de carro), estão lá as Minas da Passagem, que dizem ser a maior mina de ouro atualmente aberta à visitação. É um passeio no tempo e no imaginário construído através de filmes e histórias que começa já no meio de transporte para o interior da mina: um trole. Quem nunca viu, num desenho animado, um destes carrinhos sobre trilhos? Lá, embarcar num trole dá direito a uma viagem entre o pitoresco e o inusitado. Com direito a pensar que, na saída, apesar da chuva, teremos a legítima comida mineira nos esperando para o almoço numa cidade que, além de tudo, tem nome de mulher.