E é, sim, sobretudo, um lugar de compras. Se contei antes de tentativas frustradas, devo falar que também fui bem sucedido.
Assim que saíamos do hotel, passávamos em frente a uma loja que oferecia uma série de objetos quase que artesanais, e sempre inusitados, bem diferente das outras lojas - de eletrônicos, perfumes ou roupas. Curiosamente, porém, sempre passávamos ali quando a loja estava fechada, ou fechando, ou em horário de almoço, e só olhávamos através da vitrine. Namorávamos um relógio exposto, cada vez mais hipnotizados, até que no último dia fizemos questão de ir à loja num horário em que ela estivesse aberta e lá entrar.
"Hipnotizados" é a palavra certa. Estou falando do relógio que ilustra esse texto e que, claro, acabei comprando.
O que primeiro chama a atenção nele é o movimento do pêndulo, para lá e para cá - só ele já seria bastante original. A construção do mecanismo também é inusitada: aparente e toda em madeira, pode não ser o sistema mais preciso do mundo, mas é realmente muito bonito e inclusive mesmo didático. Um espetáculo de relojoaria. E, enfim, estamos falando de um legítimo relógio de corda. Ou seja, nada de pilhas: o que move o relógio é a gravidade, através da mais literal de todas as formas de se "dar corda" a um mecanismo.
Para completar, cuidava da loja uma senhora que era uma amor de pessoa, detalhou o funcionamento do relógio (de fabricação catalã inspirado em projeto do século XVII, segundo ela), fez a venda e embrulhou cuidadosamente o objeto numa caixa de papelão.
A história poderia terminar aqui. No entanto, de Andorra ainda passaríamos por outros países - faltavam cinco voos de avião antes de voltarmos para casa. A caixa com o relógio foi minha bagagem de mão em cada um desses voos. E, em cada aeroporto, aquela caixa com um mecanismo inusitado (e com os pesos do relógio) suscitava reações diferentes ao passar pela inspeção de raio X. Em todos eles, tive de parar e explicar o que continha a caixa. Então, às vezes a pessoa da segurança, olhando novamente o raio X, subitamente enxergava o objeto, abria um sorriso e fazia perguntas sobre o funcionamento do relógio ou onde eu o havia comprado. Noutras vezes, pediam para abrir a caixa, o que era incômodo pois ela estava envolta em fita adesiva e o relógio, cuidadosamente acomodado dentro dela. Até que, numa dessas, após inspecionar o relógio, o funcionário me fez a gentileza de fechar a caixa com uma fita especial, que dizia "Security OK". Graças a isso, nas inspeções seguintes, não precisei mais abrir a caixa - os funcionários perguntavam de que se tratava, olhavam para o volume lacrado, em seguida para a imagem do raio X, pensavam um pouco e em seguida me deixavam seguir. Nada excepcional, é verdade, mas eu não conseguia deixar de achar graça, especialmente porque aquilo sempre lembrava minha experiência anterior com um samovar.