Estádio Centenário, Montevidéu |
O destino quis que uma das minhas mais divertidas e memoráveis experiências em estádio de futebol fosse no Uruguai.
Eu e a Renata passaríamos uma semana no país vizinho. Tendo tempo e disposição, surgiu a ideia de aproveitarmos a boa fase do futebol uruguaio e a coincidência de que uma partida do Peñarol pela Copa Libertadores estava marcada para aqueles dias.
É bom que a dimensão disso fique clara. O aurinegro Peñarol é time simpático aos nossos anfitriões. Estes são apaixonados por futebol. E o jogo seria no Estádio Centenário, especial por vários motivos: pela própria arquitetura do estádio, que tem mais de 80 anos; por ter sido o privilegiado palco da primeira final de Copa do Mundo (uma vitória do Uruguai sobre a Argentina); e, no plano pessoal, por ter sido aonde, quando criança, eu acompanhara um grande e saudoso amigo uruguaio.
Desta vez, quem nos acompanharia seria o Guillermo, filho daquele amigo, e sua esposa Claudia, simpaticíssimos ambos. Tudo acertado, ingressos comprados com antecedência, combinamos de nos encontrarmos no dia do jogo. Então, logo no começo do grande dia, a Renata vira para mim e fala o que eu talvez já estivesse pensando e não tinha me dado conta: o divertido mesmo é irmos com a camisa do time, não? onde podemos comprá-la?
Dito e feito. Fomos aos arredores do estádio (que fica dentro de um dos belos parques de Montevidéu) e encontramos onde comprar camisas do Peñarol. Mesmo sem conhecer um jogador sequer do time, lá fomos nós orgulhosos com nossas aquisições, que ostentavam o nome Núñez, número 8, nas costas.
Bola da primeira final de Copa do Mundo |
Confesso que, ao entrar no estádio, estava feliz como criança que vai ao circo. Eu não guardava praticamente nenhuma lembrança do Centenário - eu era pequeno demais na última vez que tinha estado lá, mas lembrava que o tio Pepe tinha estado do meu lado, e isso bastava para me emocionar. Além disso, percebi no estádio um ar de saudosismo que mexia comigo. Aquela construção antiga e robusta era em tudo diferente dos estádios brasileiros a que eu estava acostumado. Nas arquibancadas em meio a curiosas plantas aqui e ali, no público com mate a tiracolo (cena que também era comum em Porto Alegre há alguns anos, mas hoje proibida do lado de cá da fronteira), na proximidade com o campo. Estávamos na Platea América, colados ao gramado na altura do círculo central: o mesmo local que o tio Pepe costumava frequentar, informa orgulhosamente o Guillermo.
Quando a bola rola, acompanhamos a torcida em sua cantoria: a música, que vai desde uma versão de Ilariê até tímidos palavrões, lembra, como todo o resto, um futebol de outra época. Apenas nos decepcionamos um pouco ao notar na escalação a ausência do Núñez, que estampava nossas camisas. Uma pena, ainda mais que o tal Núñez deve ser realmente querido, porque pelo menos metade do estádio tem camisetas com o nome dele nas costas. Baita desfalque.
Quando o jogo vai para o intervalo, ainda com o placar em branco, eu aproveito para comprar um bom churros uruguaio de um ambulante. A partida recomeça e então é só alegria: gol do Peñarol! O estádio explode, e nós com ele, cantando Y ya verán, ¡la Copa Libertadores vamos a ganar!
Ingressos para a partida e para o museu |
O placar fica nisso, o que é suficiente para a torcida aurinegra. Mas nós ainda teremos uma epifania quando a Renata, tão intrigada quanto eu, chama a minha atenção para o fato de que aparentemente todos os jogadores têm Núñez escrito nas costas. Até o goleiro!? Pergunto ao Guillermo: quem é o Núñez? ele está jogando? A resposta óbvia: Núñez é o nome da empresa de ônibus que patrocina o time!
Réplica da Taça Jules Rimet |
Mesmo que a experiência futebolística daquela noite tenha sido, na minha opinião, praticamente completa, ainda tivemos mais no dia seguinte. Com a confiança de quem sabe o nome do patrocinador do time e, mais ainda, tendo descoberto que o camisa 8, ídolo do Peñarol, se chama Pacheco, voltamos ao estádio. Não é dia de jogo, mas nosso interesse agora é visitar o museu do futebol que fica lá. E que bela visita! Certo, os "museus do futebol" têm ficado mais comuns, mas não sei se algum outro merece esse nome tanto quanto o do Centenário, em Montevidéu. Lembrem que estamos falando da cidade onde começou a Copa do Mundo. Já na entrada, a pessoa que nos recebe chama a atenção, com um orgulho uruguaio quase ingênuo, para o desenho dos nossos ingressos: são cópia dos ingressos para a famosa primeira Copa. No museu estão bolas de partidas históricas, camisas, troféus originais ou réplicas... E o mesmo ar de saudosismo que eu já tinha experimentado na noite anterior. O passeio se encerra com nova visita às arquibancadas do estádio, desta vez vazio. Mas não completamente: meus ouvidos parecem captar daquelas arquibancadas um eco de muitos anos de sons, gritos, cantos. No meio desse eco está a voz do tio Pepe e, agora mais do que nunca, também a nossa.