segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Rica Vila

Trilha sonora para esta crônica: Oh! Minas Gerais

A imagem pode parecer batida, mas Ouro Preto, a antiga Vila Rica, é uma cidade múltipla, como um diamante de faces brutas e lapidadas que apresentasse a quem olha uma miríade de cores, experiências e sensações. Ou, dizendo melhor ainda, como um altar barroco exuberante de dourado que reflete em cada direção um brilho próprio e único.
Cheguei à cidade na expectativa de conhecer a Ouro Preto (ou Vila Rica) colonial. E talvez esta realmente se sobressaia às demais. Mas não há como não notar que ela se divide em outras (ou a ela se somam outras? sutil diferença...): Ouro Preto dos estudantes, Ouro Preto das igrejas, Ouro Preto de Cecília e de Marília (esta, poética, também é diversa da Ouro Preto dos inconfidentes, mais uma sutil diferença), Ouro Preto mineira do tutu, do angu e do pão de queijo, Ouro Preto dos turistas e, claro, dos anfitriões.
Pois, como em praticamente todos os lugares que me surpreenderam positivamente, o que mais me marcou em Ouro Preto (e no restante das Minas Gerais que conheci depois) foi a receptividade de todos com quem eu conversava.
Claro, a cidade é realmente linda, ainda mais quando emoldurada por um arco-íris como o que tive a sorte de presenciar. As igrejas valem a visita. O Museu da Inconfidência é um dos melhores do Brasil. As ladeiras valem todo o fôlego que exigem. O artesanato de pedra-sabão vale o quanto pesa na bagagem, literalmente. Mas, acima de tudo, o que dá o tempero da viagem são as pessoas. Conversar com elas, deliciar-se com o sotaque, sentir que estão de braços realmente abertos. É um cuidado que os mineiros têm e que, quando se trata de culinária, não poderia resultar em outra coisa que não a típica cozinha mineira. É fato que outras plagas também têm receitas e restaurantes maravilhosos; mas em poucos lugares tive tão forte a impressão de que é “difícil errar” quanto em Minas: em qualquer pequeno restaurante que se entre, tem-se a certeza de que a refeição será saborosa, farta e a um preço bastante razoável.
Terminado o almoço, uma porção de doce de leite caseiro. Mais tarde, antes mesmo de sentir fome, a vontade de um pão de queijo: basta então se guiar pelo aroma que vem da primeira padaria e abastecer-se de uma fornada. Gula? Culpa? Fácil esquecê-las, nem que seja olhando para a próxima ladeira e considerando que será preciso energia para seguir em frente. Afinal, está-se em Minas e o doce esforço, como tudo nesta terra, vale a pena.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Explorador de Cidades


Explorar uma nova cidade é como preencher uma página em branco. Dá medo. Às vezes não sabemos por onde começar. E a cidade tem o agravante de não permitir borracha nem rasuras: raras vezes se consegue corrigir falsas primeiras impressões.
Ter um mapa ou guia debaixo do braço ajuda. Um livro lido na semana ou no dia anterior, mais ainda. Mas nada substitui o esquadrinhar das ruas que fazemos com nossos próprios passos. E é aí, no instante em que colocamos o pé na calçada, que surge a primeira hesitação: para lá ou para cá? Esta ou aquela rua? Apela-se para a sugestão de algum conhecido ou do recepcionista do hotel, apela-se para a intuição ou para algum pressentimento, mas é preciso apelar. Não é fácil ser um flâneur, como dizem os franceses.
Mas é preciso, e tão impreciso quanto viver não é preciso.
Sigo meus palpites. Às vezes, sim, apelo. Procuro ter na cabeça uma ideia geral da cidade ou do bairro por onde ando mas, isso posto, não me preocupo com me perder: ignorar momentaneamente o nome da rua por onde passo não vai me causar problema algum. E pode trazer surpresas.
Creio que é por isso que gosto tanto de explorar cidades pequenas. Delas, não sabemos exatamente o que esperar. Hoje em dia, todo mundo já foi a Paris e tem profusão de dicas imperdíveis sobre a cidade, mas quem conhece a Vila do Corvo? Nas cidades pequenas, todos os caminhos são válidos, todas as ruelas parecem nos esperar de braços abertos. Nas grandes metrópoles, a sensação de estar perdendo algo anda sempre à espreita, e alguém nos dirá, na volta: o quê, vocês foram a Paris e não subiram na Torre Eiffel? Ou pior ainda: mas eu avisei que aquele restaurante numa ruela desconhecida do Quartier Latin era imperdível, se vocês não foram até lá, voltaram sem saber nada de gastronomia francesa!
Dispenso os conselhos agourentos. Vou a YangShuo, na província chinesa de GuangXi, ninguém vai me dizer o que devo fazer por lá e poderei me perder à vontade. Principalmente com as placas todas escritas em chinês.
Claro, as cidades grandes também valem a visita, não há como dispensá-las. Nestes casos, a estratégia é diferente, não basta flanar. Sou um sujeito curioso e ansioso, o que significa que já terei de antemão uma lista dos pontos que não quero deixar de conhecer: um Corcovado aqui, uma Torre Eiffel ali, um Taj Mahal acolá. O primeiro dia será dedicado a explorar avidamente as tais atrações imperdíveis (que não coincidem necessariamente com as atrações imperdíveis dos guias de viagens). Mas o segundo dia, e talvez outros mais, deverá ter um tempo generoso dedicado a caminhar por aí, sentir o clima e o som da cidade, descobrir lojinhas e livrarias, ousar petiscos. Que graça teria uma viagem se já soubéssemos de antemão tudo o que nos espera?